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{"id":7911,"date":"2017-09-12T14:15:00","date_gmt":"2017-09-12T17:15:00","guid":{"rendered":"http:\/\/www.apufsc.org.br\/2017\/09\/12\/o-reporter-coruja-e-a-literatura-do-inumano-no-livro-de-raquel-wandelli\/"},"modified":"2017-09-12T14:15:00","modified_gmt":"2017-09-12T17:15:00","slug":"o-reporter-coruja-e-a-literatura-do-inumano-no-livro-de-raquel-wandelli","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.apufsc.org.br\/2017\/09\/12\/o-reporter-coruja-e-a-literatura-do-inumano-no-livro-de-raquel-wandelli\/","title":{"rendered":"O rep\u00f3rter-coruja e a literatura do inumano no livro de Raquel Wandelli"},"content":{"rendered":"

Ao escrever Existe, logo escreve \u2013 o inumano na arte-literatura<\/em>, a jornalista, professora, ensa\u00edsta e escritora Raquel Wandelli aponta a literatura como um lugar onde a humanidade problematiza e transgride sua incapacidade de comunica\u00e7\u00e3o com o mundo e com os outros seres. No paradoxo de ser o instrumento que marca a fratura entre letrados e iletrados, a literatura \u00e9 tamb\u00e9m a grande f\u00e1bula de cura dessa ferida profunda, o lugar privilegiado onde o humano pode se comunicar com os animais, os objetos, as plantas. Pode vencer o sil\u00eancio ou a mudez que ele pr\u00f3prio imp\u00f4s ao mundo e ao seu pr\u00f3prio semelhante. De sa\u00edda, a obra se prop\u00f5e a pensar a filosofia e as artes como laborat\u00f3rio para o combate \u00e0 ideologia maior, da qual se originam todas as formas de opress\u00e3o do homem contra as outras esp\u00e9cies ou do homem contra ele mesmo, o antropocentrismo.<\/p>\n

\u201cVer, pensar e escrever o outro inumano \u00e9 postular um pensamento em crise, no qual o homem n\u00e3o \u00e9 mais a origem e o fim\u201d, prop\u00f5e a obra desde a sua introdu\u00e7\u00e3o, acrescentando que essa crise \u00e9 da ordem fundante da hist\u00f3ria, da cultura e da ontologia narc\u00edsica de uma esp\u00e9cie que se autodeclarou superior \u00e0s outras. Se o humano \u00e9 muito mais do que ele mesmo, a arte se faz vida quando o artista perde a posi\u00e7\u00e3o solar e se lan\u00e7a para o \u201cser selvagem\u201d de sua exist\u00eancia. A autora mostra como a literatura destrona o homem do centro do universo, mas recusa a premissa de que o escritor d\u00e1 voz aos an\u00f4nimos ou aos seres emudecidos. Com ela compreendemos que s\u00e3o antes as exist\u00eancias politicamente minorit\u00e1rias que d\u00e3o voz ao escritor, se a gente considera com ela e seus autores que a maioridade dominante no mundo n\u00e3o tem o que dizer.<\/p>\n

Publicado pela Editora da Universidade Regional de Blumenau (Edifurb), Existe, logo escreve<\/em> ser\u00e1 lan\u00e7ado no dia 21 de setembro, \u00e0s 19 horas, na Funda\u00e7\u00e3o Cultural Badesc, em noite de aut\u00f3grafos com fundo musical da Banda Felixf\u00f4nica, de Guilherme Gouv\u00eaa e recital de passagens do livro. A obra se desenrola como um ensaio de rigor te\u00f3rico e de teor fiolos\u00f3fico, \u00e9tico e liter\u00e1rio, mas mant\u00e9m do in\u00edcio ao fim uma escritura de acabamento po\u00e9tico. A edi\u00e7\u00e3o marca o trig\u00e9simo ano de funda\u00e7\u00e3o da Editora, dirigida pelo escritor e professor de literatura Maicon Tenfen. Escrever \u00e9 inumano, afirma a autora, \u201c\u00e9 percorrer linhas que escapam e transbordam para todos os lados\u201d.\u00a0<\/p>\n

O livro explora a pot\u00eancia inumana e impessoal da literatura, pela qual o escritor pode devir ou se tornar qualquer coisa, qualquer ser, menos ele mesmo. Esse conceito desenvolvido pelo fil\u00f3sofo Gilles Deleuze em Cr\u00edtica e cl\u00ednica<\/em> norteia a constru\u00e7\u00e3o da categoria do \u201cnarrador-coruja\u201d, inspirada na figura do escritor-rep\u00f3rter errante e observador das sombras da cidade que Baudelaire chamou de fl\u00e2neur. A autora tra\u00e7a um fio condutor entre o que caracteriza como \u201cnarrativas do escuro contempor\u00e2neo\u201d dentro da chamada literatura da realidade, na qual o jornalismo nasce desde sempre insepar\u00e1vel da arte narrativa. \u201cDe tempos em tempos, a narrativa-fl\u00e2neur desaparece para reaparecer em cidades onde haja um narrador andarilho provocado pelo desejo de trazer \u00e0 luz os povos e as singularidades que o olhar da pressa e do consumo deixa ocultos nas sarjetas\u201d, sintetiza Raquel, ela pr\u00f3pria uma rep\u00f3rter-coruja destes tempos sombrios como colaboradora de v\u00e1rios sites de m\u00eddia independente.<\/p>\n

Ao enfocar o sentido da vis\u00e3o, a autora faz uma exaustiva cartografia por uma rede de narradores de diferentes \u00e9pocas capazes de enxergar aquilo que o olhar humano domesticado n\u00e3o v\u00ea. Passeia por Edgar Alan Poe, Baudelaire, Walter Benjamin, Fernando Pessoa, Jo\u00e3o do Rio, Clarice Lispector, Franz Kafka, Guimar\u00e3es Rosa, G\u00fcnther Walraff, Hunter Thompson, M\u00e1rio de Andrade, Gay Talese, Eliane Brum, Rodrigo de Haro, o fot\u00f3grafo Antoine D”Agata, entre muitos outros, procurando o tra\u00e7o comum e singular de cada um. \u201cDesde que Restif de La Bretonne prop\u00f4s em Paris, nas v\u00e9speras da Revolu\u00e7\u00e3o Francesa, a associa\u00e7\u00e3o entre um rep\u00f3rter e uma ave noturna, essa literatura e esse jornalismo ouvem o chamado do n\u00e3o-contado e do proscrito nas zonas de sombra das cidades\u201d. Entra em a\u00e7\u00e3o a coruja, um animal son\u00e2mbulo, observador noctambulista e vigilante como emblema e m\u00e9todo do narrador andarilho, ela pr\u00f3pria \u201cum quase-invis\u00edvel\u201d. A coruja \u00e9 capaz de enxergar, com sua cabe\u00e7a pivotante, aquilo que a maioria dos passantes n\u00e3o quer ver. Ver \u00e9 viver, ou como escreve a autora, \u201cquem flana pelas ruas e viaja pelo mundo tende a reconhecer o rosto dos povos\u201d.<\/p>\n

Paris, Nova York, Londres, Rio de Janeiro, Alemanha, S\u00e3o Paulo, Porto Alegre, Florian\u00f3polis s\u00e3o cen\u00e1rios recorrentes de mudan\u00e7as abismais e desorganizadoras. \u201cG\u00eanero h\u00edbrido entre jornalismo e literatura, a escrita fl\u00e2neur<\/em> emerge no conflito entre tradi\u00e7\u00f5es e modernidades em eterno movimento de ruptura e continuidade. Em Paris, \u00e9 o personagem-escritor de Restif de La Bretonne que caminha para combater a escurid\u00e3o e a anorexia de ver das novas multid\u00f5es\u201d. O livro revela que o andarilho da noite e o do dia contribu\u00edram para consolidar e manter a pr\u00e1tica da reportagem que nasceu imbricada \u00e0 narrativa liter\u00e1ria. Na orelha do livro a professora Maria Jos\u00e9 Ribeiro, do Departamento de Letras da FURB, sintetiza o conceito de narrador-coruja: \u201cUma esp\u00e9cie de fl\u00e2neur<\/em> noturno que contempla as criaturas mais an\u00f4nimas, os andarilhos, os vira-latas, seres que a cidade esconde em seu ritmo diurno\u201d. A Edifurb afirma na contracapa que a obra \u201c\u00e9 um convite \u00e0 viagem por espa\u00e7os liter\u00e1rios que transp\u00f5em as fronteiras para real\u00e7ar as zonas de indiferencia\u00e7\u00e3o entre as esp\u00e9cies e reinos\u201d.<\/p>\n

Embora concentrada num \u00fanico volume de 364 p\u00e1ginas, ilustradas com alguns desenhos, gravuras e fotografias, a obra \u00e9, na verdade, uma trilogia abrigada sob o manto \u201cVer, pensar e escrever com(o) um animal\u201d, que intitula os tr\u00eas livros do conjunto. Cada parte enfatiza uma dessas diferentes dimens\u00f5es da percep\u00e7\u00e3o ou do gesto do artista, para ser mais fiel ao livro. Com essa forma de organiza\u00e7\u00e3o da obra, a autora real\u00e7a os m\u00faltiplos funcionamentos dos modos de frase que afetam e interrogam a sua pesquisa do inumano, \u201cora enfatizando o ver, ora o pensar, ora o escrever, mas sempre acentuando a zona de indiscernibilidade entre eles\u201d.<\/p>\n

Sob o emblema da coruja, o primeiro livro realiza uma vasta cartografia dos \u201cnarradores noturnos\u201d focada na po\u00e9tica de vis\u00e3o que Raquel abstrai do m\u00e9todo fl\u00e2neur<\/em> da coruja. E tamb\u00e9m do \u201cmodo vaga-lume\u201d, em alus\u00e3o \u00e0 imagem proposta por Didi-Hubermann para configurar, na obra do cineasta Pier Paolo Pasolini, um narrador de luzes delicadas, que busca a imagem sobrevivente dos povos em desaparecimento. O devir-animal \u00e9 acionado pela \u201cpot\u00eancia inumana e impessoal da fl\u00e2nerie\u201d,<\/em> capaz de desencadear essa vis\u00e3o horizontal e m\u00faltipla do narrador que, caminhando a esmo em busca do desconhecido, suspende o olhar centrado no eu para ver o mundo dentro de si. Coruja, lobisomen, vaga-lume: todos esses tra\u00e7os de animal \u201cencorporados\u201d \u00e0 escritura buscam devolver ao olhar humano a acuidade que ele perdeu. Eles correspondem, segundo Raquel, ao \u00edmpeto da escrita de desvelar-se para as infinitas pequenezas e minoridades do mundo que n\u00e3o s\u00e3o dadas a ver.<\/p>\n

O segundo livro (ou segunda parte) dedica-se ao modo de pensar n\u00e3o-antropoc\u00eantrico da literatura, come\u00e7ando por abordar o estranhamento n\u00e3o como t\u00e9cnica ou efeito, mas como a condi\u00e7\u00e3o fundante da arte, que a liberta da familiariza\u00e7\u00e3o e banaliza\u00e7\u00e3o do mundo pela palavra. Busca em experi\u00eancias art\u00edsticas extra-ocidentais e em teorias n\u00e3o-empobrecidas pelo racionalismo cartesiano uma feliz conflu\u00eancia entre filosofia, literatura e o pensamento amer\u00edndio, no qual a perspectiva do eu e do outro entram em constante troca e transforma\u00e7\u00e3o. Como na mitologia ind\u00edgena, a arte est\u00e1 mergulhada na premissa de que tudo no mundo implica um ponto de vista ou \u201ctudo que existe \u00e9 bom para pensar\u201d, segundo a m\u00e1xima de L\u00e9vi-Strauss.<\/p>\n

Explorando a sintaxe do mar como m\u00e9todo de pensamento na obra de Clarice Lispector, Raquel costura um prof\u00edcuo di\u00e1logo entre a literatura, o perspectivismo amer\u00edndio e o esculturismo africano. Aborda n\u00e3o s\u00f3 os contos e romances mais comentados da escritora, como \u00c1gua Viva<\/em> e A hora da estrela<\/em>, mas tamb\u00e9m os textos menos visitados, a exemplo de \u201cA menor mulher do mundo\u201d e Assim nasceram as estrelas<\/em>, no qual a escritora reconta para crian\u00e7as epis\u00f3dios da mitologia ind\u00edgena brasileira.<\/p>\n

Finalmente no terceiro livro, focado no escrever, Raquel se inspira na sintaxe de vida do escaravelho-barata, evocado por Clarice em Paix\u00e3o segundo G.H<\/em>., como emblema da escritura. Nessa \u00faltima parte, faz uma viagem de vasta erudi\u00e7\u00e3o por in\u00fameros poetas e narradores em que o animal aparece n\u00e3o apenas como met\u00e1fora, mas como m\u00e9todo de vida e de escrita para concluir que toda exist\u00eancia no mundo \u00e9, em \u00faltima an\u00e1lise, uma biografia que se conta, em refer\u00eancia \u00e0 ideia do animal autobiogr\u00e1fico de Jacques Derrida. Ou para lembrar Francis Ponge, outra fonte importante do ensaio, tudo que existe al\u00e9m do homem \u00e9 uma forma de escritura. O cap\u00edtulo \u201cMorre o autor, nasce a barata\u201d analisa o acontecimento da morte simb\u00f3lica do autor n\u00e3o s\u00f3 como condi\u00e7\u00e3o de surgimento da leitura, mas como espa\u00e7o de abertura para o devir-inumano.<\/p>\n

A pot\u00eancia inumana da escritura \u00e9 compreendida a partir do desencadeamento de devires minorit\u00e1rios que levam o escritor a tornar-se mulher, crian\u00e7a, \u00edndio, negro, animal, sempre na dire\u00e7\u00e3o do menor, do que n\u00e3o tem lugar, nunca na dire\u00e7\u00e3o do dominante, como analisam os fil\u00f3sofos Deleuze e Guatarri, dois dos muitos te\u00f3ricos basilares no pensamento da autora. Discute com personalidade o tema do \u201cembate entre a m\u00e1quina de poder e a m\u00e1quina liter\u00e1ria\u201d, alimentado pela luta entre a doen\u00e7a da domina\u00e7\u00e3o, que \u00e9 um del\u00edrio de morte, contra a sa\u00fade da resist\u00eancia, que \u00e9 um del\u00edrio de vida, segundo a c\u00e9lebre distin\u00e7\u00e3o de Deleuze.<\/p>\n

Esse embate aparece de modo muito eloquente e criativo na an\u00e1lise de \u201cEstado de gra\u00e7a\u201d, texto inclassific\u00e1vel de Clarice Lispector para o Jornal do Brasil<\/em>, que insinua a oposi\u00e7\u00e3o radical entre o horror do estado de exce\u00e7\u00e3o exercido pela Ditadura Militar e o estado de gra\u00e7a, ensinado ao homem pelos animais, que conhecem melhor do que ele o prazer de estar vivo ou, no dizer de Clarice, a \u201cgra\u00e7a de viver\u201d. Uma quest\u00e3o \u00e9tica e pol\u00edtica atravessa toda a literatura na percep\u00e7\u00e3o do inumano: \u201cA rela\u00e7\u00e3o de embate entre a m\u00e1quina antropoc\u00eantrica e a m\u00e1quina de guerra da escrita, destruidora de todas as hierarquias e separa\u00e7\u00f5es entre os viventes\u201d, como sublinha a autora.<\/p>\n

Existe, logo escreve<\/em> \u00e9 prefaciado pela professora e PHD em educa\u00e7\u00e3o, Gilka Girardello, que se refere \u00e0 Raquel como \u201cuma escritora-xam\u00e3 de pensamento vertiginoso\u201d, reconhecendo-a no termo que a pr\u00f3pria autora atribui a Clarice Lispector. Ela enaltece a f\u00e9rtil interlocu\u00e7\u00e3o que a obra realiza entre Clarice e o antrop\u00f3logo Eduardo Viveiros de Castro. \u201c\u00c9 muito feliz a ida da autora \u00e0s lendas ind\u00edgenas, contadas por Clarice \u00e0 luz do pensamento do antrop\u00f3logo, que resulta em uma cr\u00edtica acachapante \u00e0 cultura ocidental vencedora\u201d. Especialista na tem\u00e1tica da inf\u00e2ncia, Gilka chama a aten\u00e7\u00e3o para a ousadia e a coragem da autora, ressaltando a “defesa original\u00edssima que Raquel faz de uma humanidade fundada em uma comunica\u00e7\u00e3o radicalmente alterit\u00e1ria\u201d. O pref\u00e1cio respalda a reflex\u00e3o que o livro traz: \u201cSe a humanidade dos seres se localiza na rela\u00e7\u00e3o de uns com os outros, todas as esp\u00e9cies, todas as criaturas passam a fazer parte da infinita pluralidade humana\u201d. Refor\u00e7a ainda a cr\u00edtica contundente que a autora expressa contra o senso comum e o vazio perverso do jornalismo comercial contempor\u00e2neo, que se afasta cada vez mais dos povos que palpitam no escuro do contempor\u00e2neo para se deixar cada vez mais aparelhar pelo poder.<\/p>\n

Sempre se valendo do di\u00e1logo cr\u00edtico e criativo com muitos escritores e te\u00f3ricos, mas evidenciando seu percurso marcadamente autoral, como acentua Gilka, o livro se direciona\u00a0 para um encadeamento do olhar, do pensamento e da gram\u00e1tica do inumano. \u201cEscrever o inumano n\u00e3o \u00e9 escrever sobre animais, mas fazer operar na escrita um animal\u201d. Afinal, alerta a autora, \u201cum escritor n\u00e3o escreve para leitores previs\u00edveis que v\u00e3o se reconhecer no espelho da leitura\u201d. A tese do livro \u00e9 clara: \u201cS\u00e3o os animais que carregam o poeta\u201d, e n\u00e3o o contr\u00e1rio. Desde que o homem escreve o animal e se inscreve nele, \u201cd\u00e1 a ler uma ordem do fasc\u00ednio, do medo e da viol\u00eancia, num jogo contradit\u00f3rio entre domina\u00e7\u00e3o e encantamento\u201d.\u00a0<\/p>\n

Os papeis sociais exigem das pessoas um porvir definido, enquanto as artes o libertam para o seu devir ou para a sua pot\u00eancia de metamorfoses, como escreve Raquel: \u201cA literatura cruza tudo que escapa \u00e0 defini\u00e7\u00e3o solar, tudo que dificulta o fechamento, tudo que \u00e9 marcado por um devir inst\u00e1vel\u201d. Nesse sentido, a escritora prop\u00f5e a literatura como uma inven\u00e7\u00e3o capaz de \u201clibertar a m\u00e1quina do imagin\u00e1rio do paradigma do homem como figura de supremacia na cultura ocidental: o homem em oposi\u00e7\u00e3o \u00e0 mulher e, por diferimento, o homem em oposi\u00e7\u00e3o ao negro, ao \u00edndio, \u00e0 crian\u00e7a e, finalmente, em oposi\u00e7\u00e3o ao animal, o completamente outro\u201d. Art\u00edfice de uma escrita de acabamento est\u00e9tico desconsertante e agudeza \u00e9tica, ela conclui: \u201cEscrever o inumano \u00e9 convocar um autor que escreve rasgando a sintaxe como um animal, cavando um mundo dentro de outro, como o carrapato rasga sua sintaxe de vida no territ\u00f3rio corp\u00f3reo do boi\u201d.<\/p>\n

O que Raquel Wandelli escreve n\u00e3o lhe pertence, na ret\u00f3rica da pr\u00f3pria autora. Em Existe<\/em>, logo escreve<\/em>, a pesquisadora adota uma escrita hipertextual no \u201cprinc\u00edpio mais radical e concreto do conceito\u201d. O que isso quer dizer? \u201cSignifica n\u00e3o apenas se remeter a outros textos, como um conjunto de n\u00f3s e links, mas efetivar um apagamento da propriedade autoral em favor da instaura\u00e7\u00e3o de uma escrileitura<\/em> realmente coletiva\u201d. Quanto mais a autora investe e acredita nesse aspecto impessoal da escrita, mais a singularidade multifacetada do seu livre-pensar e do seu livre-escrever se lapida, como um diamante, nas palavras de Gilka. \u201c\u00c9 sempre de Raquel a voz que nos acolhe e conduz, fazendo com que uma leitura t\u00e3o densa seja refrescante como um galope nas campinas, mesmo quando seja terr\u00edvel o que se pressente al\u00e9m delas\u201d.<\/p>\n

Pequena biografia de uma \u201cescritora-xam\u00e3\u201d <\/strong><\/p>\n

Natural de Florian\u00f3polis, Raquel Wandelli atua como professora do Curso de Jornalismo da Unisul h\u00e1 quase 20 anos. Especialista em Estudos Culturais, \u00e9 mestre em Literatura, com a disserta\u00e7\u00e3o A reconstitui\u00e7\u00e3o do corpo-livro nas narrativas hipertextuais,<\/em> que aborda de modo pioneiro o conceito de hipertexto em narrativas de formato impresso.<\/em> De sua autoria publicou Leituras do hipertexto: viagem ao Dicion\u00e1rio Kazar<\/em>, coedi\u00e7\u00e3o entre a Editora da UFSC e a IOESP (2004), uma das obras mais consultadas do pa\u00eds em rela\u00e7\u00e3o a um modo de escrita expans\u00edvel, que desorganiza a ordem linear da narrativa com a l\u00f3gica da conectividade e que, antes da inven\u00e7\u00e3o da internet, j\u00e1 fazia parte de c\u00e9lebres experi\u00eancias liter\u00e1rias em papel.\u00a0 Doutora tamb\u00e9m em Literatura, defendeu em 2014 a tese Ver, pensar e escrever com(o) um animald+ devires do inumano na arte-literatura, <\/em>que analisa abertura ao inumano pela escrita. Entendida pelos fil\u00f3sofos Fran\u00e7ois Lyotard e Gilles Deleuze como a experi\u00eancia do ser anterior ao processo de hominiza\u00e7\u00e3o, a inumanidade \u00e9 um estado de m\u00faltiplas possibilidades de devir que permanece na vida adulta, feito uma camada oculta ou obliterada. Assim, o vir-a-ser animal, crian\u00e7a, mulher, selvagem, e tudo o que desvia do modelo solar de homem, reprimido para que a pessoa possa atuar dentro do padr\u00e3o humanista, escapa em algumas esferas, como a inf\u00e2ncia, a loucura, a filosofia ou as artes.<\/p>\n

Jornalista concursada do INSS, foi assessora de comunica\u00e7\u00e3o da Secretaria de Estado da Educa\u00e7\u00e3o e tamb\u00e9m da \u00e1rea de Cultura na UFSC. Integrante atual do Coletivo de M\u00eddia Jornalistas Livres, trabalhou em jornais di\u00e1rios de Santa Catarina, incluindo O Estado<\/em>, A Not\u00edcia<\/em> e Jornal de Santa Catarina<\/em>. Autora de in\u00fameros artigos em livros, revistas e publica\u00e7\u00f5es acad\u00eamicas sobre cinema, literatura, filosofia est\u00e9tica, cultura e comunica\u00e7\u00e3o, tamb\u00e9m incursiona no campo da fic\u00e7\u00e3o. Conquistou diversos pr\u00eamios de contos, poesia, cr\u00f4nica e conto publicados em revistas e livros diversos.\u00a0<\/p>\n

Resultado de pesquisas no doutorado do Curso de P\u00f3s-Gradua\u00e7\u00e3o em Literatura da UFSC, complementadas no Centro de Estudos de Literatura Comparada da Universit\u00e9 de Paris 3 (Sorbonne Nouvelle) e no Projet Animot da Escola de Altos Estudos em Ci\u00eancias Sociais, em Paris, o livro \u00e9 tamb\u00e9m fruto das reflex\u00f5es sobre sua pr\u00e1tica no ensino de jornalismo. Em quase duas d\u00e9cadas de magist\u00e9rio na Unisul, realizou dezenas de projetos de viv\u00eancia com os alunos em coletivos que lutam pela sobreviv\u00eancia, nominados por ela como povos de resist\u00eancia.<\/p>\n

\u00a0<\/p>\n

Moradores de rua, comunidades rurais, urbanas e tradicionais que preservam modos de vida singulares, ocupa\u00e7\u00f5es de sem-teto ou sem terras, comunidades alternativas, usu\u00e1rios de drogas, povos do mar, povos encarcerados, povos dos manic\u00f4mios judici\u00e1rios, idosos em casas de acolhimento, quilombolas, adolescentes em conflito com a lei ou com perda de v\u00ednculo familiar, sobreviventes do holocausto hanseniano. Todos esses coletivos minorit\u00e1rios que compartilham uma luta em comum e n\u00e3o correspondem a um conceito geogr\u00e1fico de povo s\u00e3o abra\u00e7ados pelo projeto que ela chama de \u201cJornalismo de Povos\u201d. A tarefa dessa literatura da realidade \u00e9, para a escritora, trazer de volta temas e povos que desaparecem para os livros e para os jornais.<\/p>\n

Contatos com a autora<\/strong><\/p>\n

Raquel Wandelli Loth: Fone (48) 999110524
\n,10<-mail: raquelwandelli@gmail.com<\/a><\/p>\n

Lan\u00e7amento: 21 de setembro, \u00e0s 19 horas, na Funda\u00e7\u00e3o Cultural Badesc,<\/p>\n

Rua Visconde de Ouro Preto, 216, Centro de Florian\u00f3polis<\/p>\n

Fone: (48) 3224-8846<\/p>\n

EDITORA DA FURB<\/strong><\/p>\n

Fones (47) 3321-0329d+ 3321-0930d+3321-0592
\n,10<-mail:
fundacaoculturalbadesc@gmail.com<\/a><\/p>\n

www.furb.br\/editora<\/a><\/p>\n

ALGUNS AUTORES COMENTADOS NA OBRA<\/p>\n

As fontes incluem pesquisadores, escritores, antrop\u00f3logos e fil\u00f3sofos brasileiros e estrangeiros. Entre os bra<\/a>sileiros, al\u00e9m de Clarice Lispector e Viveiros de Castro, Jos\u00e9 Ant\u00f4nio Domingues, Duque-Estrada, Eliane Brum, Ad\u00e9lia Prado, Astrid Cabral, Jo\u00e3o do Rio, Jo\u00e3o Guimar\u00e3es Rosa, Hilda Hilst, Jorge Schwarz, M\u00e1rio de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Oswald de Andrade, Murilo Mendes, T\u00e2nia Rivera, Bernardo Carvalho, Nicolau Sevcenko, Wilson Bueno Flora S\u00e9rgio Medeiros, Adelmo Genro Filho e dos catarinenses Rodrigo de Haro, S\u00f4nia Felipe, Silveira de Souza. Gilles Deleuze, Felix Guatarri, Giorgio Agamben, Jeremy Bentham, Charles Baudelaire, Emmanuel L\u00e9vinas, L\u00e9vi-Strauss, Donna Haraway, Franz Kafka, Roland Barthes, Guillaume Apollinaire, Walter Benjamin, Paul De Man, Pierre Clastres, George Didi-Hubermann, Peter P\u00e1l Pelbart, Arthur Rimbaud, Luc Ferry, Guiy Debord, Mia Couto, Mauritius Cornelis Escher, Jean-Fran\u00e7ois Lyotard, Raul Antelo, Antoine D”Agata, Graci\u00e1m Baltazar, Michel de Montaigne, Jean-Luc Nancy, Walter Kohan, Luc Dietrich, Fran\u00e7ois Jullien, Friedrich Nietzsche, Edgar Allan Poe, Francis Ponge, Jacques Ranci\u00e8re, Fernando Pessoa, Federico Garc\u00eda Lorca, Jorge Lu\u00eds Borges, Carls Einstein, Jacques Derrida, Michel Delon, Michel Foucault, Michel Hardt, Linda Hutcheon, Pierre Macherey, Dominique Lestel, Herman Melville, Susan Sontag, Peter Singer, Hunter Thompson. Karl Marx, Maurice Blanchot, Carlo Collodi, Manuela Carneiro da Cunha, Fl\u00e1via Nascimento, Mario Perniola, Sussekind, Flor\u00eancia Garramu\u00f1o, Maria Esther Maciel, Maurice Merleau-Pont, Pier Paolo Pasolini, Rainer Maria Rilke, Vladmir Maiakovski, Jean Prieur, Georges Bataille, Albert Bruce, Hannah Arendt, Voltaire, Carlo Ginsburg, Gertrud Stein, H\u00e9l\u00e8ne Cixous, N\u00e1dia Gotlibe, Mathew Calarco, Paul Celan, G\u00fcnter Walraff, Gay Talese, Jacques Lacan, Peter Pal Pelbart, Sigmund Freud, Hegel, Martin Heidegger e Theodor Adorno.<\/p>\n


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Raquel Wandelli Loth<\/strong><\/p>\n

Professora e autora do livro<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

Ao escrever Existe, logo escreve \u2013 o inumano na arte-literatura, a jornalista, professora, ensa\u00edsta e escritora Raquel Wandelli aponta a literatura como um lugar onde a humanidade problematiza e transgride sua incapacidade de comunica\u00e7\u00e3o com […]<\/a><\/p>\n<\/div>","protected":false},"author":20,"featured_media":0,"comment_status":"closed","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[19],"tags":[],"class_list":{"0":"post-7911","1":"post","2":"type-post","3":"status-publish","4":"format-standard","6":"category-opinioes"},"featured_image_src":null,"featured_image_src_square":null,"author_info":{"display_name":"Migracao","author_link":"https:\/\/www.apufsc.org.br\/author\/migracao\/"},"_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.apufsc.org.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/7911"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.apufsc.org.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.apufsc.org.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.apufsc.org.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/20"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.apufsc.org.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=7911"}],"version-history":[{"count":0,"href":"https:\/\/www.apufsc.org.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/7911\/revisions"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.apufsc.org.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=7911"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.apufsc.org.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=7911"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.apufsc.org.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=7911"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}