A comunidade cient\u00edfica brasileira tem v\u00e1rios desafios pela frente, mas h\u00e1 pelo menos duas prioridades: a recupera\u00e7\u00e3o das verbas or\u00e7ament\u00e1rias para financiamento da Ci\u00eancia, Tecnologia e Inova\u00e7\u00e3o (CT&I) e o combate ao negacionismo. Foi o que constataram docentes que participaram do debate \u201cCi\u00eancia brasileira: conquistas e desafios\u201d.<\/p>\n\n\n\n
O evento online, promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ci\u00eancia no Rio Grande do Sul (SBPC-RS), teve a media\u00e7\u00e3o da professora da Universidade Federal do estado (UFRGS) e secret\u00e1ria regional da SBPC-RS Angela Wyse. Participaram a professora da Universidade de Bras\u00edlia (UnB) e vice-presidente da SBPC, Fernanda Sobral; Carlos Alexandre Netto, da UFRGS; e Cl\u00e1udia Linhares Sales, diretora da SBPC e professora da Universidade Federal do Cear\u00e1 (UFC).<\/p>\n\n\n\n
No Projeto de Lei Or\u00e7ament\u00e1ria para este ano (PLOA 2021), ainda n\u00e3o votado pelo Congresso, o governo federal destinou para a CT&I recursos um ter\u00e7o menor que os de 2020. Al\u00e9m disso, a principal fonte de financiamento \u00e0 pesquisa cient\u00edfica no Brasil, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Cient\u00edfico e Tecnol\u00f3gico (FNDCT), est\u00e1 com a quase totalidade de seus recursos presos em reserva de conting\u00eancia para pagamento da d\u00edvida p\u00fablica e n\u00e3o pode ser utilizada para a sua destina\u00e7\u00e3o principal. O total contingenciado hoje \u00e9 de R$ 5 bilh\u00f5es.<\/p>\n\n\n\n
Na vis\u00e3o de Fernanda Sobral, as restri\u00e7\u00f5es or\u00e7ament\u00e1rias s\u00e3o uma forma de desvaloriza\u00e7\u00e3o da ci\u00eancia. \u201cO atual governo desprestigia a ci\u00eancia com a hegemonia dessa vis\u00e3o econ\u00f4mica\u201d, afirmou Sobral. Essa vis\u00e3o \u00e9 a que privilegia a avalia\u00e7\u00e3o de programas governamentais por competitividade em detrimento de resultados sociais e que se acentuou nas \u00faltimas d\u00e9cadas como resultado da globaliza\u00e7\u00e3o e o avan\u00e7o do neoliberalismo. \u201cA dimens\u00e3o da competitividade \u00e9 importante, mas n\u00e3o pode ser exclusiva, tem que haver o aspecto social\u201d, afirmou Sobral.<\/p>\n\n\n\n
Carlos Alexandre Netto comentou que a reserva de conting\u00eancia \u00e9 uma manobra antiga do governo para garantir recursos para o pagamento da d\u00edvida. No ano passado, depois de uma luta da SBPC e outras institui\u00e7\u00f5es ligadas \u00e0 educa\u00e7\u00e3o e \u00e0 ci\u00eancia, o Congresso aprovou uma lei que tira os recursos do FNDCT da reserva, mas o presidente da Rep\u00fablica vetou a lei. \u201cEstamos fazendo na SPBC um trabalho pol\u00edtico importante para reverter esses vetos\u201d, relatou Netto.<\/p>\n\n\n\n
O professor da UFRGS destacou os avan\u00e7os cient\u00edficos que hoje est\u00e3o amea\u00e7ados pela falta de financiamento. \u201cO Brasil foi um dos primeiros do mundo que sequenciou o novo coronav\u00edrus do tipo 2 e vem sequenciando todas as novas cepas com bastante sucesso\u201d. Segundo ele, foi um dos primeiros pa\u00edses que conseguiu fazer, atrav\u00e9s de estudos epidemiol\u00f3gicos, o mapeamento da dissemina\u00e7\u00e3o territorial e social do v\u00edrus, com a pesquisa Epicovid, coordenada pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), que acabou interrompida pelo governo por motivos pol\u00edticos.<\/p>\n\n\n\n
\u201cTamb\u00e9m fomos um dos primeiros pa\u00edses que fez os testes cl\u00ednicos sobre a efic\u00e1cia da cloroquina, aqui no Amazonas, demostrando claramente que n\u00e3o havia efic\u00e1cia nenhuma. E um estudo muito recente, que foi aceito para publica\u00e7\u00e3o no Lancet, demonstrou claramente que uso da m\u00e1scara reduz 85% a chance de contamina\u00e7\u00e3o pelo Sars-Cov2 e que o distanciamento social pode diminuir em at\u00e9 75% os casos de covid-19\u201d, acrescentou Netto.<\/p>\n\n\n\n
Retrocesso<\/strong><\/p>\n\n\n\n A vice-presidente da SBPC disse que os bons resultados da ci\u00eancia brasileira hoje se devem a pol\u00edticas de fomento anteriores e que, como a ci\u00eancia tem resultados a longo prazo, sem os investimentos agora, a tend\u00eancia \u00e9 que esse conhecimento acumulado se esgote. \u201cPor isso a luta no Congresso e a import\u00e2ncia da derrubada dos vetos para que haja libera\u00e7\u00e3o total dos recursos do FNDCT.\u201d<\/p>\n\n\n\n A professora Claudia Linhares comentou que o desfinanciamento da ci\u00eancia brasileira se agravou com a aprova\u00e7\u00e3o da lei que criou o Teto de Gastos (EC-95\/2016), congelando o or\u00e7amento de \u00e1reas estrat\u00e9gicas para o pa\u00eds (sa\u00fade, educa\u00e7\u00e3o, pol\u00edticas sociais, seguran\u00e7a) aos pre\u00e7os de 2016. \u201cIsso fez com que desde 2016 os investimentos na nossa \u00e1rea venham sofrendo ano a ano uma queda t\u00e3o brusca que os n\u00fameros de hoje s\u00e3o (iguais) aos do in\u00edcio do ano 2000.\u201d<\/p>\n\n\n\n Devido \u00e0s redu\u00e7\u00f5es sucessivas do or\u00e7amento, o Pa\u00eds perdeu a condi\u00e7\u00e3o de formar novos doutores, de enviar estudantes ao exterior e de manter a infraestrutura de pesquisa cient\u00edfica. \u201cAs bolsas de jovens doutores dos programas do CNPq e editais de manuten\u00e7\u00e3o de um grande aparato que t\u00ednhamos, de laborat\u00f3rio de pesquisa e ensino e de inova\u00e7\u00e3o, os editais universais, os INCTs, tudo isso foi descontinuado porque n\u00e3o cabe no or\u00e7amento. E isso vai ser durante 20 anos.\u201d<\/p>\n\n\n\n Outro desafio, na vis\u00e3o da professora da UFC \u00e9 a inova\u00e7\u00e3o. Nesse ponto, ela frisou o paradoxo da posi\u00e7\u00e3o brasileira em rela\u00e7\u00e3o a outros pa\u00edses que, ao mesmo tempo em que est\u00e1 posicionado em 50\u00ba lugar em inova\u00e7\u00e3o, ocupa uma posi\u00e7\u00e3o de destaque, em torno de 14\u00aa lugar em publica\u00e7\u00f5es indexadas.<\/p>\n\n\n\n Linhares disse que, em geral, se culpam as universidades pelo baixo desempenho e os cientistas costumam \u201cassumir a culpa\u201d. Mas, segundo ela, raramente se considera que entre os 20 maiores deposit\u00e1rios de patentes no ano passado, as universidades ocupavam 16 posi\u00e7\u00f5es e que, dos parcos recursos liberados pelo governo para financiamento de inova\u00e7\u00f5es a partir do FNDCT, a maior parcela fica com as empresas. \u201cEnquanto no ano passado recebemos R$ 500 milh\u00f5es (programas nas universidades federais), as empresas receberam R$ 1,2 bilh\u00e3o\u201d, afirmou.<\/p>\n\n\n\n Negacionismo<\/strong><\/p>\n\n\n\n Os professores falaram tamb\u00e9m sobre o negacionismo e os movimentos anti-vacina que tamb\u00e9m prejudicam o desenvolvimento cient\u00edfico brasileiro, embora n\u00e3o sejam exclusivos do Brasil. \u201cO negacionismo cient\u00edfico antes n\u00e3o existia ou podia ser ignorado; o movimento anti-vacina, coisas como a terra plana, a pauta de costumes que se instalou no Brasil e que gera esse tipo de retrocesso no saber, na forma\u00e7\u00e3o cient\u00edfica\u201d, disse Linhares.<\/p>\n\n\n\n Uma forma de combate \u00e0 nega\u00e7\u00e3o da ci\u00eancia, na vis\u00e3o dela, \u00e9 a boa comunica\u00e7\u00e3o. \u201cPrecisamos popularizar a ci\u00eancia, para os oper\u00e1rios, para as fam\u00edlias, para as crian\u00e7as, at\u00e9 o final da ponta, para nossos colegas professores, nossos alunos de mestrado e doutorado que futuramente ser\u00e3o nossos colegas tamb\u00e9m, seja nas ruas, seja em universidades, em institutos de pesquisa\u201d, declarou Linhares.<\/p>\n\n\n\n Fonte:<\/strong> Jornal da Ci\u00eancia<\/a><\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"