Proposta de reforma da Previdência é ‘devastadora’, diz professora da UFRJ

 

Para a professora de economia da UFRJ, Denise Gentil, que dedicou seu doutorado para estudar o sistema previdenciário brasileiro, a reforma proposta pelo governo de Jair Bolsonaro é “devastadora” e, em vez de combater privilégios, aprofunda a pobreza no País.

A seguir, trechos da entrevista que ela concedeu à equipe de comunicação da Apufsc-Sindical.

Qual sua avaliação do texto da reforma da previdência proposta pelo governo Bolsonaro?

A primeira impressão é de que a PEC é absolutamente devastadora. Ela causa prejuízos enormes, primeiro para os mais pobres. O aumento do tempo de contribuição de 15 para 20 anos fará com que ninguém se aposente. Hoje, nós já temos 34,3 milhões de trabalhadores ocupados, sem carteira de trabalho, que não conseguem pagar o INSS. Temos 7 milhões de autônomos que não pagam INSS. Além desses, temos 12 milhões de desempregados que não tem a mínima expectativa de voltar ao mercado de trabalho e que, portanto, também não contribuem.  Isso significa que a maioria esmagadora da força de trabalho no Brasil não contribui com o INSS e portanto não vai conseguir preencher os requisitos de 20 anos para se aposentar. Essa reforma, portanto, é a não aposentadoria.

O que mais lhe chamou atenção na PEC? 

A PEC estabelece que as pessoas vão se aposentar aos 62 e 65 anos, com 20 anos de contribuição, para receber apenas 60% do salário da contribuição. Se elas preencherem o pré-requisito, vão receber uma aposentadoria substancialmente menor do que receberia hoje. Hoje, o porcentual é de 85% sobre o salário de contribuição. Significa que, de imediato, vai haver uma queda de 25 pontos porcentuais na aposentadoria.  Além disso, a reforma faz uma maldade com trabalhador rural, com professores, inválidos e com quem está na linha de pobreza. É dramático.

O discurso do governo é de que a reforma vai combater privilégios. 

O governo diz que vai cortar privilégios, mas vai é aprofundar a pobreza em patamares que não podemos mensurar. Vai exigir, por exemplo, o mesmo tempo de contribuição do trabalhador rural e do trabalhador urbano. Os trabalhadores rurais vivem e trabalham de forma muito mais precária. A PEC vai acabar com a aposentadoria no campo, que foi responsável pela redução da pobreza e da desigualdade no País. A reforma anula os impactos positivos do passado. Outra situação constrangedora é a do BPC,

que atende pessoas em condições de miserabilidade. Abaixo dos 60 anos, idosos vão receber apenas R$ 400. A Constituição não permite nenhum tipo de benefício inferior a um salário mínimo. É obvio que vai alastrar a miséria entre os idosos. O governo acha que pode economizar em cima dessas pessoas.

As mudanças propostas para os servidores públicos são justas?

Olha, se o governo acha que há privilégios para servidores públicos está esquecendo dos privilégios concedidos a petroleiras que vão explorar o pré-sal por 30 anos, dos R$ 400 bilhões em desonerações concedidos a grandes corporações. Esquece que é leniente com sonegação de R$ 500 bilhões ao ano em contribuição previdenciária.  Vamos ter que entrar no dicionário e refazer o conceito de privilégio.

A senhora defende algum tipo de reforma previdenciária?

Eu defendo duas ideias: a reforma que haveria de ser feita já foi feita, quando equiparou o servidor público ao trabalhador da iniciativa privada em 2013 e criou o Funpresp. Os servidores que ingressaram depois de 2013 receberão no máximo o teto do INSS e terão de contribuir com o Funpresp para conseguir uma aposentadoria maior. Quando o governo fez a reforma trabalhista, ela também já exerceu o papel que ele deseja hoje com a reforma da previdência. A reforma trabalhista criou trabalhadores em postos intermitentes, ganhando menos de um salário mínimo, terceirizados. Uma multidão de pessoas que não contribuem e não terão como se aposentar. Com isso, o gasto com previdência vai cair exponencialmente.  Essas duas reformas já fizeram o papel que o governo queria com redução dos gastos. Para quem serviria uma nova reforma da previdência? Para beneficiar o setor financeiro.

Como assim?  

O governo vai criar um regime de capitalização que será gerido pelos bancos. Não é à toa que essa reforma foi proposta por duas grandes estrelas do mercado financeiro: Paulo Guedes e Armino Fraga. Além disso, essa mudança de regime previdenciário vai aprofundar o déficit do setor público em vez de reduzir. O custo de transição do regime de repartição (em que os trabalhadores da ativa bancam a aposentadoria dos mais velhos) para o de capitalização (em que cada um poupa para sua própria aposentadoria) é altíssimo. Em alguns países, chegou a durar 40 anos. O governo terá de continuar pagando os aposentados, mas a receita vai diminuir drasticamente.  

A senhora viu mais algum ponto importante relacionado aos servidores públicos na proposta do governo?

Estou debruçada sobre o texto da PEC, mas ele foi escrito para especialistas. Nem tudo está tão claro. Acho interessante a criação de alíquotas progressivas, mas elas são agressivamente elevadas num curto intervalo de renda.  Há um endurecimento maior nas regras dos servidores públicos a começar pelo tempo de contribuição, que é de 25 anos. Não podemos esquecer que os servidores continuam contribuindo até o fim da vida sobre suas aposentadorias. O regime dos servidores públicos só é deficitário porque o governo usa a receita para bancar aposentadorias especiais como a de militares e congressistas, que contribuem muito menos.   Não se pode atribuir a responsabilidade do déficit a todos os servidores públicos, como se todos ganhassem o teto de R$ 33 mil reais.

N.O.