Para justificar o corte de 30% em todas as universidades federais, o ministro da Educação Abraham Weintraub divulgou, na última quarta-feira, um vídeo nas redes sociais em que afirma: “Para cada aluno de graduação que eu coloco na faculdade, eu poderia trazer dez crianças para uma creche. Crianças que geralmente são mais humildes, mais pobres, mais carentes, e que, hoje, não têm creches para elas”. Weintraub terminou o vídeo de pouco mais de um minuto com a pergunta: “O que você faria no meu lugar?”.
O jornal O Globo ouviu especialistas sobre as declarações de Weintraub e pediu que respondessem à pergunta do ministro. Eles questionam sobretudo o fato de Weintraub contrapor a educação básica e o ensino superior, que, como dizem, são áreas interdependentes.
Se para o neurocientista Stevens Rehen o corte do governo “asfixia ainda mais as universidades”, a doutora em Educação Andrea Ramal defende que, se não há verba suficiente, o governo deve olhar para as crianças que estão fora da escola. Leia os depoimentos abaixo.
Stevens Rehen
Professor da UFRJ e pesquisador do Instituto D’Or
“A impressão é que o ministro está jogando para a população uma falsa escolha de Sofia em cima de um problema real. Faz isso de uma forma injusta, pois não leva em consideração a importância das universidades para a sociedade. As falas dele demonstram total falta de conhecimento do papel da universidade no país, que é de produzir ciência e resolver muitas de nossas questões de saúde, sociais e tecnológicas. Estamos estudando zika e chicungunha, para citar só dois exemplos de pesquisas que são de suma importância. Infelizmente, vivemos um momento em que ideologias prevalecem sobre a razão. Se esses cortes acontecerem, o governo vai asfixiar ainda mais as universidades, o conhecimento produzido nelas e, por consequência, o progresso do país.”
Robert Verhine
Especialista em Avaliação da Educação Superior
“Cortar das universidades não é o caminho, embora eu concorde que o Brasil precisa investir mais em educação básica. Mas não existe essa situação de lados opostos, de privilegiar a educação básica em detrimento do ensino superior. Os professores de creche e do ensino fundamental são produtos da universidade. Logo, se você não tem uma boa universidade, não terá bons professores na educação básica. Talvez um caminho, num cenário de contingenciamento, fosse buscar mais eficiência das universidades, mas não se faz isso com um corte. Você estabelece metas a partir de indicadores e trabalha de forma a incentivar a eficiência. Um trabalho de sistematização das despesas pode ser feito, sim, mas a forma está equivocada. Não se tem educação básica de qualidade sem universidade de qualidade.”
Andrea Ramal
Doutora em Educação pela PUC-RJ
“O ideal é jamais reduzir, e sim aumentar, investimentos, mas o Brasil enfrenta um problema gravíssimo no ensino básico, que gera sequelas nos jovens ao longo da vida. Quando passa por uma educação infantil de qualidade, o aluno dificilmente tem problemas de aprendizagem ou é reprovado no ensino fundamental. Tendo que escolher, já que não há verba suficiente, creio que é necessário olhar para esse contingente enorme de crianças que estão sem creche, sem pré-escola e sem recursos nos primeiros anos do ensino fundamental. O Brasil está entre os que menos gastam com ensino primário, mas tem investimento “europeu” em ensino superior. Investe-se em universitários mais do que o triplo do que com alunos de ensino fundamental e médio. Essa pirâmide não pode seguir assim.”
Daniel Cara
Coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
“Tem que brigar por recursos para a área, mas me parece que Weintraub assumiu a Educação para executar o plano do ministro da Economia, o que é extremamente problemático. Com o corte nas universidades, ele desrespeita o Plano Nacional de Educação, segundo o qual o Brasil precisa saltar de 1 milhão para 3 milhões o número de matriculados nas universidades públicas em dez anos. Além disso, contrapor educação básica e universidade é um equívoco impensável para um ministro da Educação. O governo federal tem que investir em educação básica, mas não em detrimento do ensino superior. Espera-se que o professor que vai ensinar numa creche seja formado numa universidade pública de qualidade. O olhar dicotômico do ministro mostra que falta o mínimo de conhecimento de Educação.”
Cleuza Repulho
Pedagoga e especialista em Educação
“O ministro tem que lutar por verbas. O Brasil não deve fazer escolhas entre colocar um ou outro na escola. Se isso acontece, corremos o risco de ser um país de analfabetos. Educação é investimento. Os jovens que estão terminando o ensino médio acabam não tendo perspectiva: parece que quem fez universidade, já fez, e quem não fez, não fará. O Brasil está vivendo o último bônus demográfico, ou seja, ainda temos mais crianças e jovens do que adultos e idosos. Isso, no entanto, vai se inverter rapidamente, daí a urgência em investir em educação. Essa geração jovem terá uma massa de pessoas para sustentar. O ministro não deve fazer um discurso baseado em acerto de contas.”
As informações são do jornal O Globo