Idade mínima e tempo de contribuição poderão ser alterados por lei ordinária, o que não estava previsto na proposta do governo
O relator da reforma da Previdência, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), apresentou na última quinta-feira à comissão especial da Câmara o seu parecer sobre o texto da reforma proposto pelo governo Jair Bolsonaro. A nova regra de transição para funcionários públicos ganhou o noticiário como se essa fosse a categoria mais beneficiada pelas alterações feitas por Moreira, mas um olhar mais apurado sobre o relatório mostra que a situação dos servidores pode ter piorado.
Segundo o consultor legislativo e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Luiz Alberto dos Santos, o parecer permite que questões como idade mínima, tempo de contribuição e cálculo de proventos sejam alteradas por lei ordinária ou até mesmo por Medida Provisória no caso específico do Regime Próprio de Previdência Social, que é o regime previdenciário de servidores públicos.
Hoje, essas mudanças precisam ser feitas por lei complementar, já que alteram a Constituição e, portanto, exigem uma tramitação mais demorada. No que diz respeito à votação, para ser aprovada no Congresso, a lei ordinária precisa apenas de maioria simples, enquanto a lei complementar exige maioria absoluta. Em sua análise, Santos considerou esse item um “retrocesso”.
O texto anterior deixava explícito que essas mudanças tinham que ser feitas por lei complementar. Agora, indica que os critérios serão estabelecidos em “lei do respectivo ente federativo”.
O relatório também traz algumas mudanças em relação ao texto original como regras mais flexíveis para mulheres, a nova alternativa de transição para funcionários públicos, a retirada de mudanças na aposentadoria rural e no Benefício de Prestação Continuada (BPC). Além disso, deixou de fora o regime de capitalização – que o ministro da Economia Paulo Guedes ainda vai tentar reverter.
“É muito difícil ter uma avaliação positiva ou negativa do conjunto das medidas”, diz Luciano Fazio, especialista em previdência. “Há de se reconhecer avanços, como a retirada do sistema de capitalização, e na manutenção do reajuste das aposentadorias previsto na Constituição, mas também há retrocessos.” Segundo ele, a reforma, mesmo após as alterações do relator, continuam penalizando o servidor público, à medida em que aumenta o tempo de trabalho e rebaixa o valor dos benefícios.
Confira abaixo um resumo das mudanças propostas pelo relator da reforma, com base em reportagens do Estadão e do El País.
Servidores que ingressaram antes de 2003 terão nova regra de transição
A ideia do governo era cobrar de servidores que ingressaram até 2003 a idade mínima definitiva de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens para conceder benefício equivalente ao último salário da carreira (integralidade) e com reajustes iguais aos da ativa (paridade). Sem atingir essa idade, eles ficariam apenas com a média dos salários. Moreira incluiu uma regra que permite que os servidores se aposentem com 57 anos de idade para mulheres e 60 anos para homens, mas cumprindo também uma espécie de “pedágio” equivalente a 100% do tempo que falta hoje para a aposentadoria. Na prática, o período que falta para atingir o benefício dobrará nessa opção de transição.
Pela nova regra, portanto, não será mais necessário esperar até 62 anos (mulheres) e 65 anos (homens) para garantir a integralidade e a paridade. Seria necessário completar 57 e 60 anos, respectivamente, e cumprir o pedágio. Hoje, 238 mil servidores ativos do Executivo têm direito a se aposentar com salário integral e com o reajuste da ativa.
É importante lembrar, no entanto, que a aposentadoria “integral” é calculada com base no salário bruto e que todos os aposentados do serviço público, ao contrário do que acontece na iniciativa privada, continuam contribuindo para a previdência. O salário dito “integral” já passa hoje por um desconto de 11%. A reforma da previdência prevê alíquotas ainda mais altas, que podem chegar a 22% dependendo do rendimento.
Reajuste dos benefícios pela inflação
A proposta original do texto da reforma da Previdência excluía o trecho da Constituição que garantia o reajuste dos benefícios pela inflação. Na nova versão do texto, a garantia do reajuste retorna à proposta.
Pensão por morte
Quanto à pensão por morte, o parecer do relator manteve a proposta do Governo de diminuir o valor do benefício —que hoje é de 100% para segurados do INSS. Tanto para trabalhadores do setor público como do privado, a proposta do Governo é reduzir o benefício para 60% do valor mais 10% por dependente adicional. O parecer garantiu, contudo, um benefício de pelo menos um salário mínimo para os beneficiários que não têm outra fonte de renda. O relator alterou ainda o trecho que retirava o benefício de dependentes com deficiência grave, equivalente a 100% da aposentadoria. “Certamente, o custo de vida da pessoa com deficiência é bem superior ao das demais pessoas, especialmente na ausência de familiares que possam prover cuidados necessários para o exercício de atividades da vida diária, que possibilitem sua participação na vida comunitária.”, esclarece o parecer.
Mulheres vão contribuir menos anos que os homens
A reforma apresentada pelo governo acaba com a aposentadoria por tempo de contribuição e institui uma idade mínima. Pela proposta de Bolsonaro, as mulheres só poderão se aposentar a partir dos 62 anos e os homens a partir dos 65 anos. Os beneficiários de ambos os sexos terão de contribuir por ao menos 20 anos.
O novo texto do relator mantém a idade mínima para aposentadoria dos trabalhadores urbanos, mas defende que o tempo de contribuição suba dos 15 para 20 anos apenas para o trabalhador urbano do sexo masculino. “É notório que o afastamento do mercado de trabalho para cuidado dos filhos ou de algum familiar em situação de dependência ou com deficiência prejudica as mulheres e, portanto, justifica-se este tratamento diferenciado”, explica o relator.
Professoras do ensino básico poderão se aposentar aos 57 anos
Pela regra atual, os professores têm duas regras distintas. No setor privado não há idade mínima, mas se exige o tempo mínimo de contribuição de 25 anos para as mulheres e de 30 para os homens. No setor público, as mulheres se aposentam a partir dos 50 anos e os homens, dos 55. A PEC proposta pelo Governo prevê que para ambos os setores a idade mínima será de 60 anos.
No novo texto do relator a proposta é de que a idade mínima para aposentadoria das mulheres professoras seja de 57 anos e a dos homens de 60 anos, até que sejam definidos novos critérios por meio de lei complementar. A regra vale para professores de educação infantil, ensino fundamental e médio.
Regime de capitalização fica de fora
Em relação a criação de um regime de capitalização proposto pelo Governo Bolsonaro, no qual cada trabalhador contribui para sua futura aposentadoria, o parecer do relator considera que o modelo não é o mais adequado para um país cujos trabalhadores têm baixos rendimentos, além de ter elevado custo de transição. Por isso, o relatório retira do texto a possibilidade de uma lei complementar que deveria instituir esse novo regime.
BPC não terá regras alteradas
Desde que o Governo apresentou o projeto da reforma, alterando regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC), houve um consenso entre a oposição e os deputados do centrão de que as mudanças não deveriam ser mantidas,porque atingiriam a população mais pobre do país. Hoje, o benefício é um pagamento assistencial de um salário mínimo para idosos a partir dos 65 anos ou para deficientes físicos que tenham renda inferior a um quarto do salário mínimo. Na proposta do Governo, esses beneficiário passariam a receber 400 reais a partir dos 60 anos, e um salário mínimo a partir dos 70 anos. Nesta quinta-feira, o parecer confirmou a exclusão de qualquer alteração no BPC.
Aposentadoria rural só muda para os homens
O Governo previa economizar 92,4 bilhões de reais em dez anos com as alterações sugeridas na aposentadoria para os trabalhadores rurais. Pelas regras atuais, o homem pode se aposentar aos 60 anos e as mulheres aos 55. Segundo o texto de Bolsonaro, a idade seria mantida em 60 anos para os homens e de 55 anos para as mulheres. No caso delas, contudo, haveria um aumento progressivo até 2030, quando passariam a poder se aposentar somente a partir dos 60 anos. Além disso, ambos teriam de contribuir por ao menos 15 anos, também com aumentos progressivos, quando em 2030 esse período de contribuição deveria atingir os 20 anos.
A nova versão do texto apresentada pelo relator estipula, no entanto, que a idade mínima para a aposentadoria das mulheres continue sendo de 55 anos com 15 anos de contribuição e que apenas os homens elevem o tempo de contribuição de 15 para 20 anos. A reforma queria que esse valor passasse pra um salário
Abono salarial para quem recebe até 1.364 reais
O abono salarial passará a ser pago para quem recebe até 1.364,43 reais, segundo o parecer do relator Samuel Moreira. Anualmente, trabalhadores que recebem até dois salários mínimos têm direito a receber um abono equivalente ao salário mínimo vigente (em 2019 é 998 reais). A reforma do Governo previa que esse abono só seria válido para quem recebesse até um salário mínimo mensal. Caso a nova regra do texto original da reforma fosse aprovada, 23,4 milhões de trabalhadores seriam afetados.
Estados e municípios ficam de fora
A proposta do Governo esperava incluir os servidores dos Estados e Municípios. Para a União, essa inclusão seria uma medida mais política do que econômica, já que não impacta nos cofres federais. Parlamentares não querem arcar com o desgaste de aprovar mudanças nas regras de aposentadorias de funcionários públicos estaduais e municipais.O relator ressaltou que os legislativos de cada ente federativo terão de aprovar regras próprias por meio de lei complementar, mas que não desistiu da inclusão das unidades da federação.