A auto-alegação de “credibilidade” e de

Assistindo agora a pouco a fala do jornalista Gleen Greenwald na CCJ do Senado, me chamou a atenção o trecho que transcrevo abaixo em resposta a um questionamento levantado pelo senador Marco do Val sobre a autenticidade do material do “The Intercept” e porque Greenwald não entrega o material para a perícia. Segundo Greenwald [Obs: fiz algumas modificações em relação à transcrição da fala apenas com o intuito de melhorar o entendimento, visto que Greenwald, compreensivelmente, é estrangeiro.]:

“Nós temos peritos nas nossas equipes. Eu tenho uma reputação mundial como jornalista. Obviamente, eu não publicaria material sem verificar que o material é autêntico. A mesma coisa com o “The Intercept”, todas as nossas equipes, não só aqui no Brasil, mas lá nos Estados Unidos, compostos por jornalistas mais premiados, mais renomados do mundo, editores mais experientes do mundo, ninguém publicaria material sem verificar que essa informação é autêntica. A mesma coisa com Folha, a mesma coisa com Veja, a mesma coisa com nossos outros parceiros. Nós temos peritos, especialistas em tecnologia que analisaram este material, que verificaram que o material é autêntico antes de publicar, … e todas as evidências, Folha, Veja, El País, os procuradores do Ministério Público, The Intercept Brasil, Buzzfeed, outros procuradores do Ministério Público, … todos estão falando a mesma coisa: “Esse material é autêntico palavra por palavra”. Qual evidência existe para apoiar a insinuação de Sérgio Moro e Deltan de que alguma coisa foi adulterada? Nada, nada! Eles não tem evidência. Eles têm só insinuações. Qualquer minuto que Sérgio Moro ou Deltan quer alegar que uma coisa que nós publicamos não é verdade, não é autêntico, nós vamos responder, … mas, até agora, eles nunca alegaram, nem muito menos demonstraram que qualquer coisa que nós estamos publicando [não?] é autêntico, contra muita informação que mostra que é autêntico. Nós não entregamos e nós nunca vamos entregar nosso material jornalístico para a perícia ou tribunais porque isso é alguma coisa que acontece em países autoritários ou tiranias e não em democracias. Mas, o que fazemos como profissionais com reputações com credibilidade, nós verificamos com muita cautela que o material é totalmente autêntico, e tudo depois que nós publicamos prova que nossas conclusões eram totalmente verdade, eram totalmente certo, e que o material é, palavra por palavra, autêntico. ”

[https://www.youtube.com/watch?v=N5GXQcCKAVw]

Da análise da fala de Greenwald, nós vemos que as evidências que Greenwald dá como prova da autenticidade do material que ele tem em mãos são unicamente a “credibilidade”, a “reputação mundial” dos jornalistas e editores do “The Intercept”, além do fato que outros meios de comunicação como Veja, Folha, El Pais, etc., e outros procuradores comprovam que o material é autêntico.

Mas, será que isso tudo prova mesmo a autenticidade do material do “The Intercept”? Por exemplo, diferente de Veja, Folha e El Pais, temos que o meio jornalístico O Antagonista não só não endossa o material apresentado pelo “The Intercept” como também de forma robusta aponta vários pontos obscuros e contraditórios na reportagem do “The Intercept” argumentando de forma bem construída as razões para que, contrariando Greenwald, não levemos em conta a auto-declarada alegação de credibilidade e reputação mundial dos jornalistas do “The Intercept”, nem tampouco do próprio Greenwald, como elementos que garantam a autenticidade do material. Na mesma linha, corrobora a suspeição do material do “The Intercept” a argumentação bem construída dos comentaristas do programa da Jovem Pan, “O Pingo nos Is”. Por que haveríamos então de privilegiar a leitura dada pela Folha, Veja, El País em detrimento da análise do Antagonista e do Pingo nos Is?

Da mesma forma, o fato de certos procuradores atestarem que as conversas deles são de fato autênticas não pode ser tomado como prova de que todas as mensagens que o “The Intercept” têm, em particular aquelas atribuídas a Moro e Dllagnol, são autênticas. Não há qualquer lógica nessa generalização automática que Greenwald se utiliza para tentar nos convencer da autenticidade do material do “The Intercept”. Com efeito, a procuradora Monique Charque, por exemplo, foi taxativa ao não reconhecer como sendo dela a mensagem que o “The Intercept” atribui a ela. Assim, cada procurador fala por si e, a partir do momento que Moro e Dllagnol não reconhecem a autenticidade das mensagens atribuídas a eles e pedem que Greenwald submeta o material à uma perícia e Greenwald nega, fica claro que é sobre Greenwald que recai a obrigação de provar que o que ele está falando é verdade. É bastante esclarecedor então que Greenwald vá a essas comissões da Câmara e do Senado e exponha seu ponto de vista, pois isto deixa claro que ele só consegue justificar a veracidade do material que tem sob a alegação que se deve acreditar nele porque ele tem reputação e credibilidade. Mas, é isso um critério suficiente?

Ora, se dermos razão à alegação de Greenwald de que em democracias jornalistas não entregam seu material jornalístico para serem submetidos a perícias, também é verdade que em democracias nenhum material serve de acusação sem ser devidamente periciado, ou, o que é mais risível, não se espera que numa democracia se aceite que aquele que acusa ao mesmo tempo ateste exclusivamente a veracidade das provas que tem. Também, numa democracia, a proteção que a lei dá ao anonimato das fontes não é uma autorização prévia para que jornalistas não possam ser investigados diante de possíveis ilícitos, já que, havendo fundamentação, é obrigação das autoridades policiais a investigação dos fatos, como foi bem posto pelo senador Marcos Val.

Mas, o que talvez tenha sido mais patético foi a alegação de Greenwald de que se o material divulgado das conversas de Moro e Dllagnol não são verdadeiras, por que ambos não negam a veracidade? Nas palavras do próprio Greenwald

“Por que até agora se esse material não fosse autêntico, o Sérgio Moro, o Deltan e outros integrantes da lava jato nunca negaram nenhuma coisa específica ? “

Bom, Moro fez mais do que negar as insinuações de Greenwald ao sugerir que ele divulgasse todo o material de uma só vez, algo que Greenwald se recusa a fazer. Mas, há sim, creio eu, uma razão que leva Moro e Dllagnol á uma certa cautela em relação a isso. Uma vez que Greenwald se recusa a deixar que sejam periciados os documentos que ele tem em mãos, não podemos aferir se eles são autênticos. Ora, imaginemos que entre possíveis conversas verdadeiras, o material contenha também conversas editadas e adulteradas. Assim, não sendo possível descartar que a divulgação do material na sua totalidade exiba conversas verdadeiras entrecortadas por conversas falsas (somente uma perícia comprovaria isso), pode ocorrer que divulgando o material de forma seletiva, algumas mensagens verdadeiras sejam postas
e cujo reconhecimento seria usado, mais adiante, para justificar também como verdadeiras as mensagens adulteradas que seriam sendo posteriormente divulgadas (dificilmente no imaginário do grande público se faria esta distinção, exceto às custas de um desgaste de vir a público explicando essa nuance). O fato evidente é que se Greenwald realmente está compromissado com a verdade, por que ele não permite a perícia do material diante de suspeitas de que ele pode não ser autêntico? Não seria de interesse do próprio Greenwald que uma perícia fosse feita afim de que ele mesmo tivesse certeza a partir de uma fonte independente da autenticidade de todo o material que detém? Ao se recusar a fazer isso, ele lança em descrédito a sua auto-declarada alegação de credibilidade e reputação jornalística. Mas, o que faz Greenwald? Invoca repetidamente um princípio,

“jornalistas não submetem seu material jornalístico a perícia” (*)

que ele assume como se fosse uma lei fundamental e ao qual todos tem que se submeter. Mas, por que? Onde está dito que um jornalista não possa submeter seu material a uma perícia se há indicações que este material é fruto de uma ação criminosa? Será que faz parte da ética jornalística encobertar possíveis ações criminosas sob a alegação de se proteger o anonimato da fonte? Se for, então não parece haver nada de nobre nesta profissão de jornalista. Contudo, acredito que há jornalistas que não sacrificariam valores de integridade e correção e, assim, recusariam aceitar um material de origem criminosa, ou ao menos deixariam claro a quem passou o material que, havendo indicação de origem criminosa, este material seria submetido ao escrutínio da autoridade policial. Assim, não há nada que obrigue um jornalista a seguir obsessivamente o princípio enunciado em (), como parece sugerir Greenwald. Obviamente, do que foi exposto, é claro que cada jornalista age conforme seus valores e, da insistência de Greenwald de seguir () como um princípio inquestionável, surge a dúvida de quais valores norteiam o jornalismo praticado por Greenwald.

Definitivamente, não convêm dar muita importância ao que Greenwald fala, afinal, o Brasil continua intacto e segue adiante para um futuro brilhante e a altura da sua vocação como nação soberana e livre e na qual a lava-jato seguirá seu curso inexorável extirpando de cena pseudo-heróis e embustes que vão ter que se acertar com a justiça. Quanto a Greenwald, ele sai desse imbróglio com uma estatura infinitesimal para quem gosta de lembrar ser agraciado com um prêmio Pulitzer, talvez achando que isso por si só legitimaria como verdade o que ele afirma ser verdade. Talvez isso seja aceito nos EUA ou na Europa, sinceramente não sei, mas, para nosso benefício, isso aqui é Brasil, e muito ajudaria se ele conhecesse um pouco mais da nossa cultura, principalmente Nelson Rodrigues, e de que “toda unanimidade é burra”, o que evitaria o argumento ridículo dado na CCJ do Senado, entre outros, de que essencialmente o que ele fala é verdade alegando uma suposta “credibilidade” e “reputação mundial”. Bem vindo ao Brasil, seu “Verdevaldo”.

Marcelo Carvalho. Professor do Departamento de Matemática.