Para a entidade, se aprovado, programa “vai pavimentar o caminho em direção à privatização das universidades públicas”
O Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) divulgou nesta terça-feira (30) uma nota sobre o Future-se, programa do governo federal para o ensino superior. No texto, os estudantes afirmam que o projeto é o início da privatização das universidades públicas e determinam que é preciso “travar uma luta forte e unitária contra a implementação deste programa em qualquer universidade ou instituto”.
Por meio da nota, a entidade declara também que o projeto foi construído sem a participação “daqueles que estudam mais profundamente a educação pública e a produção de ciência e tecnologia, e sem uma análise prévia da situação financeira das Instituições Federais”.
Para o DCE, o programa apresenta um modelo de financiamento para as universidades brasileiras sem promover uma análise profunda e concreta da realidade do país, importando modelos de financiamento utilizados em outros países, que foram considerados “melhores e mais avançados”.
O Diretório ainda destacou o posicionamento da UFSC, que lançou uma nota institucional com apontamentos relativos ao programa “assumindo postura passiva ao não tomar uma posição mais firme sobre o Future-se. Pelo contrário, reafirma o incentivo às parcerias público-privadas, startups e empresas juniores, e não toma posição referente às lutas que terão de ser travadas para barrar essa ameaça à autonomia universitária”.
Leia a nota na íntegra:
“Future-se”: a contrarreforma universitária de Bolsonaro
No dia 17 de julho, o Ministério da Educação apresentou o “Programa Institutos e Universidades Empreendedoras e Inovadoras – FUTURE-SE”. Uma conclusão preliminar que se pode tirar ao analisarmos rapidamente o texto do programa é: o Future-se não tem meio termod+ se aprovado, vai pavimentar o caminho em direção à privatização das universidades públicas, estatais e gratuitas de nosso país.
Nos últimos meses, o governo de Bolsonaro tem mostrado cada vez mais o seu caráter reacionário e fascistizante, através da implementação de políticas anti-povo e da entrega das riquezas naturais e do patrimônio público do nosso país para a exploração de grandes empresas transnacionais e do capital estrangeiro, que precarizam cada vez mais a vida do povo brasileiro, principalmente da classe trabalhadora. Os ataques aos direitos da população são cada vez mais severos: desde a Emenda Constitucional 95, ainda do governo Temer, que congela os gastos em saúde e educação públicas por 20 anos, até as contrarreformas da previdência social, trabalhista e do Ensino Médio – afetando de maneira brutal as instituições públicas e estatais, como as universidades públicas, Institutos Federais e escolas, e a vida de nosso povo em geral.
Com os cortes de 30% na educação fica cada dia mais evidente o projeto político de Bolsonaro, Paulo Guedes, Abraham Weintraub e demais ministros para as universidades, através do sucateamento do ensino público e da pavimentação do caminho para a privatização dessas instituições. Não querem que nosso povo se eduque, produza ciência, cultura e arte ou tenha direito ao seu acesso de forma gratuita. Juntamente a esse fato, a contrarreforma da previdência é utilizada como moeda de troca para que os cortes na educação não sejam levados adiante, passando uma mensagem clara: caso a reforma da previdência seja aprovada, o contingenciamento da verba destinada à educação será liberado. Essas medidas demonstram cada vez mais que temos um governo que não se importa com o povo brasileiro, pois as contrarreformas são cada vez mais duras e mais estruturadas para que a vida da população mais pobre do nosso país, das mulheres, negros e negras, indígenas, quilombolas e LGBTs, seja cada vez mais precarizada, empobrecida e relegada à miséria.
Na esteira do projeto entreguista do governo Bolsonaro foi lançado o programa “Future-se” para as universidades públicas, que ainda está em fase de modificações antes de ser encaminhado para votação no Congresso Nacional. Este programa apresenta um modelo de financiamento para as universidades brasileiras sem promover uma análise profunda e concreta da realidade do país, importando modelos de financiamento utilizados em outros países, que foram considerados “melhores e mais avançados”. Ao analisá-lo, podemos notar que em nenhum momento são mencionadas propostas voltadas à permanência e inclusão estudantil, graves problemas estruturais das instituições de ensino superior (IES) no país. Além disso, o texto é fraco e pouco coeso em muitos aspectos, deixando lacunas e dúvidas sobre seu próprio funcionamento.
Segundo dados da Auditoria Cidadã da Dívida, de 2017, 39,70% (R$986,1 bilhões) dos recursos da União são destinados ao pagamento da dívida pública, em detrimento dos investimentos em educação, saúde, assistência social, ciência e tecnologia, emprego, segurança pública e cultura, que totalizaram 15,05% dos gastos totais (R$373,4 bilhões). Ou seja, o gasto da União com as universidades federais no Brasil, em 2017, representou 3,47% (R$50,3 bilhões) do gasto total com a dívida pública. Da mesma forma, os gastos com ciência e tecnologia representaram 0,63% (R$6,34 bilhões) do total gasto com a dívida pública. E o que isso significa? Isso demonstra que a redução do investimento federal em educação superior pública afeta e precariza drasticamente o funcionamento das universidades, desde a produção de ciência e tecnologia até as políticas de permanência estudantil e ações afirmativas – dentre outras políticas de acesso a esse direito que deveria ser universal, estatal e gratuito por motivos estratégicos e humanos. É evidente a precarização das condições de trabalho nas universidades, e também de ensino, pesquisa e extensão, do acesso e liberdade de produção científica e artística – os pilares que deveriam conformar o ensino público, gratuito e estatal das IES.
Segundo dados do Censo da Educação Superior (INEP, 2016), a educação superior no Brasil é majoritariamente privada, com 75,3% das matrículas (aproximadamente 6 milhões), em comparação a cerca de 2 milhões de matrículas nas universidades públicas. Esses números demonstram que o caminho para a privatização do ensino superior brasileiro é cada vez mais uma realidade. Mas isso não vem de hoje: a política de incentivo ao ensino superior privado e mercantilização da educação vem desde a ditadura civil-militar (1964-1985), a partir da contrarreforma universitária de 1968d+ é consideravelmente aprofundada nos anos 90 durante o governo FHC, e através de programas como o FIES, de 2001 e o PROUNI, de 2005, já no governo Lula, que concederam financiamento e bolsas a estudantes matriculados em instituições de ensino superior privadas, em detrimento do investimento em educação pública.
Supostamente, o Future-se apresenta uma “solução” para o problema do financiamento das universidade públicas. No entanto, foi construído sem a participação daqueles que estudam mais profundamente a educação pública e a produção de ciência e tecnologia, e sem uma análise prévia da situação financeira da Instituições Federais. Em linhas gerais, o programa vai na contramão da Constituição de 88 ao incentivar o suposto “autofinanciamento das universidades”, que “poderão” buscar fomento em fundos variados, desde a isenção tributária para empresas até a venda de imóveis públicos – ou seja, privatização de patrimônio do povo. Na prática, o que a proposta apresenta é a desresponsabilização cada vez mais aberta e formalizada do financiamento público e estatal da universidade, em benefício da vinculação cada vez mais direta e íntima destas instituições com a iniciativa privada, os bancos e o grande capital internacional. O programa Future-se pode acabar totalmente com a escassa autonomia que resta à gestão das universidade, ao abrir as possibilidades para que a gestões das Instituições Federais de Ensino Superior sejam geridas por Organizações Sociais (OS), em uma situação muito semelhante à da implementação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), que, na prática, privatizou os hospitais universitários e colocou em risco sua função pedagógica, experimental e sua posição de vanguarda na produção de conhecimento em diversas áreas.
Esse programa é uma contrarreforma universitária mascarada de inovação e desenvolvimento no campo da pesquisa e produção de conhecimento nas universidadesd+ seu caráter se dá no sentido de cada vez mais abrir para que se tenha investimento de viés privado. Entendemos que é papel de todo o movimento universitário – de técnicos, docentes e estudantes – e de todo o nosso povo defender o direito ao acesso gratuito às instituições públicas de ensino superior, à produção de ciência, tecnologia e cultura, e travar uma luta forte e unitária contra a implementação deste programa em qualquer universidade ou instituto. Esse ano, as entidades estudantis, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), as Uniões Estaduais, os Diretórios Centrais, os Centros Acadêmicos e os grêmios estudantis, assim como estudantes de todas as partes do Brasil, tiveram um importante papel na luta contra o projeto obscurantista de Bolsonaro: na organização de grandes atos em defesa da educação, nos dias 15 e 30 de maio, e na Greve Geral do dia 14 de junho. Em continuidade a isso, agora é necessário, mais que em qualquer outro período, organizarmos uma luta nacional consequente contra este problema e suas raízes que já se encontram dentro de nossas instituições, nas parcerias público-privadas, na instalação de Empresas Juniores, no funcionamento promíscuo das fundações de direito privado, que gerem parte significativa dos recursos para extensão e pesquisa dentro das universidades orientadas por interesses privados.
Após a divulgação do programa, a reitoria da UFSC lançou uma nota institucional com apontamentos relativos a este, assumindo postura passiva ao não tomar uma posição mais firme sobre o Future-se. Pelo contrário, reafirma o incentivo às parcerias público-privadas, startups e empresas juniores, e não toma posição referente às lutas que terão de ser travadas para barrar essa ameaça à autonomia universitária. Apenas no fim do texto a Administração Central faz uma defesa recuada da autonomia constitucional e se coloca em defesa do caráter público, gratuito e inclusivo das universidades. Em um momento como esse, em que os ataques às universidades públicas se tornam cada vez mais diretos e mais graves, a unidade em defesa da educação pública é imprescindível, sendo o enfrentamento à política privatista do governo tarefa de toda a comunidade universitária. A unificação das três categorias (professores, técnicos e estudantes) é fundamental para que se faça uma grande mobilização da educação no dia 13 de agosto, e nos próximos períodos, contra os ataques do governo de Bolsonaro. Por estes motivos, não podemos vacilar em defender cada centavo de investimento do Estado para a educação pública e gratuita. Não podemos apoiar qualquer tipo de intervenção de caráter privatizante que oriente a produção científica para o uso dos monopólios internacionais e das classes dominantes nativas.
Em defesa da educação pública para o povo!
Todos à luta contra a implementação do “Future-se”!
Por um grande ato no dia 13 de agosto, com todos os setores da educação, contra a política educacional desse governo e seu projeto de miséria!
Diretório Central dos Estudantes da UFSC – DCE Luís Travassos
Gestão “Canto Maior” – 2018/2019
C.G.