Em termos de intervenção política, de suas iniciativas e práticas, a massa crítica de professores, pesquisadores, docentes e pensadores, embora se orientem pela perfectibilidade das palavras, pelo rigor da argumentação e por uma presumida erudição, não tem garantidas a congruência de suas opções diante de conjunturas, nem a pertinência de suas posições em face a questões substantivas, ou adequação perante demandas de comunidades em que se insere.
Se houvesse correlação entre sapiência política e sucesso eleitoral, os departamentos de Sociologia e Política e afins seriam criadouros formidáveis de líderes, governantes e estadistas. E cientistas políticos poderiam intercambiar posições com políticos com faceira desenvoltura. Mas sabemos que a condição de refletir, pesquisar e elaborar sobre o fenômeno político é tributária de preparação acadêmica especializada e submetida a parâmetros de método. Enquanto o exercício da política remete-se preferentemente à capacidade de estabelecer vínculos sociais, sintonizar com necessidades e demandas reais e habilidade em captar a imaginação de muitos, traduzindo isso tudo em formulações programáticas e pragmáticas.
Esta digressão é endereçada especialmente aos meus colegas do CFH e do CED, centros privilegiados em competências relativas à área de política e que, como demonstram os resultados das eleições à diretoria da Apufsc, neste outubro, ao votarem majoritariamente na Chapa 1 “Valer a pena”, em expressiva dissintonia com a maioria de seus colegas de outros centros da UFSC, parece que não captaram os ventos da mudança, ou não foram capazes de reconhecer seus contornos e exigências de renovação. Escudaram-se em posições de princípio, o que é louvável, reafirmaram posições ideológicas, o que é defensável, mas se equivocaram em formular uma proposta política que incorporasse o visível e irresistível apelo por mudanças na forma de conduzir nossa entidade sindical. O reconhecimento da dignidade política desta escolha não os resgata do equívoco ao sufragar a Chapa 1, a despeito da grande experiência política e talento pessoal de muitos de seus integrantes.
O resultado das eleições se resolve pela singela contagem aritmética dos votos. A natureza e o significado político do resultado demanda considerações abrangentes e complexas. A formação dos campos majoritário e minoritário, extraídos das urnas, obviamente determina quem governa e quem vai para a oposição, mas não resolve por inteiro e de uma só vez a questão democrática.
A maioria, vencedora, pelo fato mesmo de ser maioria, numa coletividade ampla e diferenciada, incorpora diversos segmentos, agrega e expressa indivíduos ou coletivos situados em distintas posições do espectro político-ideológico. A tarefa de dar consistência política a uma gestão e implementar um programa coerente, torna-se um desafio.
Poder-se-á descaracterizar a direção de uma entidade se esta buscar apenas expressar a somatória das forças que a sustentam, ou sobrepor suas frações constitutivas sem uma adequada e fina operação metabólica política. Maiorias sempre terão uma relativa baixa coesão ideológica. Será irrealista ou improdutivo tentar compactar a heterogeneidade destas forças num todo, que será inevitavelmente artificial e frouxo. Será tentador resolver estes dilemas pelo apelo a fórmulas tão consagradas quanto esquivas do tipo, unidade na diversidade, afirmar uma força hegemônica, etc. Elas fazem certamente algum sentido, mas não equacionam, por sua invocação, os problemas práticos. Na prática de uma gestão, a unidade política e administrativa será sempre instável e provisória. As ações deverão ser calibradas por uma interação permanente entre os membros da direção e outros atores relevantes, balizados pelos interesses e expectativas da comunidade que representam. Não haverá o consolo de racionalidades administrativas que produzam consensos pela sua suposta isenção e objetividade. Se o consenso por renovação está dado, e este é o cimento básico que torna a direção eleita da Apufsc um grupo dirigente apto às suas tarefas e compromissos, haverá, por outro lado, tensões e alguns conflitos. Em torno, por exemplo, da natureza e dinâmica das mudanças, das táticas para conduzi-las, das práticas que a conformam, das estratégias para implementá-las e consolidá-las.
As forças da Chapa 1, derrotadas nesta eleição, provavelmente compõe um conjunto de maior coesão ideológica e unidade política. Está, pois em condições de oferecer um embate qualificado com as propostas e ações da chapa vencedora. Mas é preciso que faça também uma avaliação dos resultados negativos que a levaram a tamanho insucesso. Será que não esteve demasiadamente “ out of touch and out of tune” com este momento de nossa entidade, com os anseios, expectativas e demandas de seus filiados? e qualquer maneira, sua contribuição como fiscalizadora e questionadora da nova gestão será mais que bem vinda, necessária.
Transição – A Chapa 2 “Pela renovação da Apufsc” teve o inegável mérito de captar e expressar o anseio pela renovação da entidade. Ao capitalizar este sentimento difuso, porém majoritário, como mostraram as urnas, assume agora imensa responsabilidade.
A responsabilidade de concretizar as potencialidades que este tempo e este anseio encerram e que é preciso fazer desabrochar.
Nesta transição que se abre será particularmente difícil criar e consolidar uma coligação de forças, segmentos e grupos portadores de uma nova equação, que compatibilize heterogeneidade de composição e diversidade de concepções em torno da vida sindical e de como renová-la, no interesse do conjunto dos professores.
Será preciso ter clareza sobre o campo de ação do sindicato nesta nova e inquietante conjuntura de crise do capitalismo, saber captar a direção geral do sentimento de mudança e de suas tendências, seu ritmo e formas de desenvolvimento, e ainda avaliar a natureza e a amplitude dos custos que queremos e podemos pagar por este processo de renovação. Identificar o que deve ser preservado, reconhecendo acertos e conquistas de direções e lideranças anteriores, e o que deve ter descontinuidade, merecendo ser superado.
Não faltarão argumentos com que cada grupo, com seu próprio método, fará convergir ou modificar o balanço desta disputa em seu próprio favor, e com algum talento, em seu próprio proveito. Na medida em que nos emprestam a capacidade que lhes solicitamos, os mais diversos e mesmo disparatados argumentos podem servir aos nossos objetivos. Com grande e igual arte tanto podemos lançar luz e produzir alguma lucidez sobre a realidade de uma dada situação, quanto produzir um ofuscamento que nos coloca calmamente ao lado de esdrúxulos disparates.
Para não validarmos qualquer caminho na busca da verdade possível e sempre provisória, nem cairmos no relativismo tão em moda, talvez pudéssemos nos valer da recomendação de E.Bloch, de que “ só se chega ao conhecimento crítico quando há um interesse moral anterior em adquiri-lo”. E uma vez adquirido, a questão é o que fazer com ele: elevarmos-nos contemplativamente, ou torná-lo efetivo e ativo realizador de nossos projetos.
Para além das narrativas que os diversos campos elaboram para sustentar suas posições e para racionalizar sejam seus ganhos ou suas perdasd+ para além da presunção de maior coerência, fidelidade à princípios e trajetórias com que procuram legitimar-se diante de si mesmos e de outros, convém valorizar o que temos em comum: nossa condição de membros de uma mesma comunidade. Uma comunidade que se respeita a si mesma para credenciar-se ao respeito dos outros, um grupo profissional privilegiado por suas competências e saberes, que só pode afirmar a dignidade desta condição, colocar-se-á em sintonia com as demandas da sociedade e a serviço do povo, segundo os parâmetros de civilidade, de justiça e da democracia.
O melhor que podemos esperar do continuado embate de idéias, convicções e esperanças em nosso meio, é que destas refregas resultem novos eixos a balizar a participação sindical, instituindo novas práticas, crescentemente democráticas, numa Apufsc revitalizada, reencontrando assim o espírito de seus melhores momentos e a combatividade de suas maiores conquistas.