Memorial descritivo

Justificativas e necessidades sócio-econômicas reais para recebimento da bolsa

Talvez devesse começar essa justificativa proclamando as mazelas que nosso país enfrenta em um momento de auto-reflexão: invocaria as desigualdades de todo tipod+ denunciaria a falsidade que corrói as diferentes instâncias da nossa vida pública e privada. Talvez devesse criticar nosso individualismo hipócrita. A facilidade com que atropelamos os desejos, os sonhos, as metas e a felicidade de quem convivemos cotidianamente. Minguamos a dignidade de um outro que nos é desimportante, apesar de estar ao nosso lado. O que me assusta é que a excessiva preocupação com os próprios desígnios, numa atitude egoísta que beira a deslealdade, simplesmente vem deixando de ser comum pra se tornar banal.  Acordamos e damos bom dia pro nosso precioso umbigo sem percebermos que estamos a fazê-lo. 

Poderia começar essas linhas alardeando a distância de casa. Mas os 1.500 km que separam o município de Viçosa (MG) de Florianópolis (SC), apesar de dolorosos me são suportáveis. Em certa medida até fazem bem. Se por um lado perdi a convivência rotineira com quem amo, por outro ganhei uma nova maturidade em enfrentar o mundo. Falo não da aquisição de grandes poderes, mas da capacidade de lidar com as perdas e ganhos, com os problemas e soluções da universidade e da vida.

Não fiz grandes feitos até hoje. Aliás, segundo os parâmetros dos que regem atualmente a pós-graduação no Brasil como se fosse uma bolsa de valores com indicadores e cotações que tornam o sentido de produzir conhecimento algo medíocre, não realizei feito nessa vida. Não inventei resumos. Não coloquei meu nome em trabalhos que não fiz. Não simulei dados. Não escrevi coisas em que não acredito. Poderia ter feito mais, melhor. Mas poderia ter feito mais, contrariando preceitos dos quais não quero abrir mão. Tenho como meta colher frutos de um bom trabalho e não rifar meu nome em páginas e índices de banco de dados que ninguém nunca vai ler, mas que vão virar pequenos números contabilizados no maníaco controle da produção acadêmica nacional.

Poderia focar toda essa justificativa na minha suposta debilidade financeira para me manter. Ando a pensar que para sobreviver, todos damos um jeito. Não passo mais e nem menos sacrifício que a maioria de nós no programa. Somos uma elite que não é apenas intelectual. Para grande parte de nós, mestrandos, o acesso à universidade pública foi garantido por uma história de estabilidade familiar, inclusive financeira. O aluguel é caro, tiro dinheiro do lazer. Alimentação é dispendiosa, faço minhas refeições no RU. Adoro cachorros e crianças, mas ainda não posso tê-los: não posso sustentá-los. Há dois anos não compro roupas novas. Passei a adorar usar tênis gastos. Abre-se mão das coisas com certa facilidade quando se aprende que para viver precisamos de menos do que imaginamos. 

É claro que se sobrevive com uma sensação de descrença num país que quer fazer ciência sem dar condições pros pesquisadores que quer formar. Vivo com a cabeça que tende a ficar baixa frente à minha família que se desdobra pra me manter em outra cidade acreditando no meu sucesso acadêmico. Mas também sobrevivo erguendo a cabeça pra essa família que me orgulha e me enche de gratidão ao não pedir nada em troca por essa ajuda. O que mais eu disser, estaria sendo falso e pedinte de uma maneira que eu me prepus a não ser. Por fim, peço desculpas a quem a sinceridade incomodar.