Foi numa sexta-feira 13 de agosto de 1982. Eram 13 horas quando alguns agentes da Polícia Federal (PF) invadiram nossa casa no Conjunto Guarani, no Córrego Grande, aqui em Florianópolis. Comandados pelo delegado João de Deus Cardoso vinham à procura de “material subversivo” sobre a Guerrilha do Araguaia. Uma portaria do ministro da Justiça da época, Ibrahim Abi-Ackel, mandava apreender e prender quem tivesse esta publicação.
A mãe de minhas três filhas à época, com idades entre um e sete anos, me ligou na Universidade, naquele horário, para me avisar da invasão. Sem mandado de busca e de prisão, adentraram em casa vasculhando todos os ambientes e separando todo e qualquer material que fosse considerado suspeito. Qualquer um que tratasse de política, sociologia, economia ou filosofia onde aparecesse o nome de Marx, Engels, Lênin, Stalin, Trotski, Mao Tse Tung ou Che Guevara, mesmo que de editora conhecida e à venda em livrarias do comércio da cidade. Juntaram três caixas de livros e levaram para a viatura da PF.
Lembro bem, ao chegar em casa às 13h30, que o delegado acima citado me disse: “Você está preso por subversivo, nos acompanhe, vamos para a viatura!”. Nesse momento chegavam advogados que acompanhavam representantes da Associação dos Professores (sob a presidência do professor Raul Gunther, de saudosa memória, pois recém falecido), da Universidade (procurador João José Fagundes enviado pelo reitor, professor Ernani Bayer), do Sindicato dos Engenheiros (sob a presidência do engenheiro Carlos Alberto Ganzo Fernandes), da OAB (desculpem, mas não lembro o nome de quem representava a entidade na ocasião) e alguns jornalistas. Lembro do acadêmico e hoje professor do Curso de Jornalismo da UFSC, Ivan Giacomelli, que registrou com fotos aquele momento. Dirigindo-se ao delegado da PF, o professor Raul e os advogados presentes assumiram o compromisso de me levarem até à delegacia regional, pois não permitiriam que fosse no camburão como elemento (termo corriqueiro no meio policial) “subversivo”. E assim aconteceu, fui com os advogados acompanhado de várias pessoas presentes.
Chegando na delegacia no Estreito, o delegado regional me recebe e disse afirmativamente: “Você espere aqui, que providenciaremos a sua remoção para Curitiba para ser interrogado”. Este havia sido o mesmo procedimento adotado quando da prisão dos estudantes na novembrada de 1979. O então deputado federal Nelson Wedekin e Roberto Motta, na época deputado estadual, acompanhados por representantes de entidades estudantis como DCE e UCE, foram até lá para se solidarizar comigo.
Comunicaram-me que estava ocorrendo panfletagem em vários locais (terminais de ônibus, na UFSC e no calçadão) denunciando a invasão. Que meu colega Luis Fernando Bier Melgarejo tinha imprimido uma bela poesia de Maiakovski que retratava a questão que vivia naquele instante: “[…] Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondemd+ pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada […].”
É de ressaltar o papel dos deputados, das entidades e da UFSC, que solicitaram a minha liberação e que o interrogatório fosse feito aqui em Florianópolis. É bom lembrar que eu tinha endereço pessoal e profissional fixos e não havia nenhum mandato de prisão dirigido a mim. Eu poderia retornar na segunda-feira, 16 de agosto, para meu depoimento, marcado às 14 horas.
Muitas matérias jornalísticas foram publicadas desde minha prisão na sexta-feira, 13, até a liberação na segunda-feira, 16, respondendo ao processo em liberdade. Algo que nunca aconteceu, pois não fui chamado e nem soube de qualquer encaminhamento posterior. Apenas consegui um relatório que foi solicitado pela Andes (na época, Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior) sob a presidência do hoje prefeito da cidade de São Carlos (SP), professor Newton Lima Neto, após a reabertura democrática na década de 90.
Outros aspectos relevantes que ocorreram poderia narrar aqui, mas por falta de maior espaço, recomendaria aos interessados lerem o livro “Da cor amarela” editado pela UFSC em 2005, do hoje jornalista e antigo militante comunista Caê de Castro, que com muita propriedade e numa linguagem muito acessível relata esta passagem, entre outras, de uma das histórias da repressão no Brasil e em Santa Catarina, ocorrida há 25 anos.