O debate sobre o imperialismo e a luta de classes, abandonado por uma parte da esquerda e desterrado pela maioria dos pós-modernos, sempre esteve presente na vida dos povos latino-americanos. O projeto de construção de um Estado-nação foi o caminho percorrido pelos grupos organizados para se contrapor à dominação imperial. Tanto que o Documento de Santa Fé II (1988), que orientou a política externa da Casa Branca, afirmava que “o matrimônio do comunismo com o nacionalismo, na América Latina, representava o maior perigo para a região e para os interesses dos Estados Unidos”.
Acaba de ser lançado pela Editora da UFSC, o livro do cientista político estadunidense James Petras sob o título Imperialismo e luta de classes no mundo contemporâneo. O autor analisa temas como a base econômica do poder imperial, o realinhamento de governos latino-americanos a Washington, a ALCA e sua pedagogia para a opressão, a conexão EUA-Iraque-Israel e o sionismo, as políticas antiimperialistas e, por último, o grande debate revisitado capitalismo versus socialismo.
Para Petras, as empresas multinacionais são um dos eixos que fundamentam o poder econômico do imperialismo. Os EUA continuam sendo dominantes em termos absolutos e relativos: contam com 227 (45%) das 500 multinacionais mais importantes, seguidos pela Europa Ocidental, com 141 (28%), e Ásia, com 92 (18%). Esses três blocos regionais controlam 91% das principais multinacionais do mundo (p. 12). A dita globalização, para o autor, pode ser entendida em seu sentido mais amplo como o poder derivado de tais empresas, o que lhes permite movimentar capitais e controlar o comércio, o crédito e o financiamento. Além disso, as multinacionais estadunidenses mais importantes são indústrias militares relacionadas diretamente com a guerra e com a construção de seu império. Fred Halliday chamou “triângulo de ferro” a esta conexão entre Congresso, Pentágono e complexo industrial-militar destinado a aumentar os gastos com a defesa.
Os EUA e a Europa são dois Estados imperiais que se diferenciam apenas no método de dominação e exploração. Enquanto o imperialismo europeu adota uma estratégia diplomática de “comércio-investimento-mercado”, os EUA utilizam a via colonial militaristad+ enquanto Bruxelas propõe um estilo de controle multilateral, consultivo e de cooperação, Washington lança mão da ação unilateral e do monopólio do poderd+ enquanto a Europa busca estabelecer uma cooperação com as elites dos países árabes e com Israel, Washington – influenciado pelos sionistas – prioriza uma relação exclusiva com Tel Aviv.
Ao analisar a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), Petras mostra que esta organização “proporciona ao imperialismo estadunidense um amparo legal e de tomada de decisões para determinar o comércio, os investimentos, as políticas sobre a propriedade e a legislação trabalhista, bem como a natureza, o gasto, a forma e o conteúdo dos sistemas de saúde e educação” (p. 71). Isso estabelece um novo sistema político, assim como a base legal para o controle de toda a estrutura socioeconômica da América Latina.
O tema central do livro, no entanto, é o estudo feito por James Petras e Robin Eastman-Abaya sobre a conexão EUA-Iraque-Israel e o sionismo. Os analistas de política internacional costumam afirmar que o apoio estratégico-militar de Washington a Tel Aviv é fundamental na manutenção de um Estado forte, belicoso e expansionista. A doutrina Nixon-Kissinger, ao reconhecer que os EUA “não poderiam mais fazer o papel de policial do mundo” e que, portanto, “esperariam que outras nações fornecessem mais guardas para a ronda de sua própria vizinhança”, atribuiu a Israel, bem como a outros países, entre eles o próprio Brasil, a função de atores regionais. Dentro desta perspectiva estratégica, tanto Israel como o Brasil desempenharam uma função subimperialista em suas áreas de influência. Hoje, porém, segundo Petras e Eastaman-Abaya, é Israel que, por meio de sionistas estadunidenses importantes, detém o poder dentro dos EUA. A Casa Branca chega a adotar políticas altamente prejudiciais aos seus interesses, somente com o intuito de beneficiar a Tel Aviv. Um exemplo é a guerra contra o Iraque, cujo principal beneficiário é o Estado de Israel, já que conseguiu a destruição de seu inimigo árabe mais forte no Oriente Médio, ou seja, o regime que dava apoio à resistência palestina.
Poucos são os analistas políticos que mostram “a excessiva influência” que os governos israelenses exercem sobre os EUA, por meio de poderosos grupos de pressão e indivíduos sionistas nos setores estratégicos de sua economia, como também no Poder Executivo, no Congresso, nos partidos políticos, na mídia e no sistema financeiro. Os mais conhecidos sionistas, segundo Petras e Eastaman-Abaya, são Alan Greenspan (ex-diretor do Banco Central), Paul Wolfowitz (ex-diretor do Banco Mundial), Richard Perle (Defense Policy Board), Douglas Feith (secretário de Defesa Adjunto), David Frum (redator dos discursos de Bush), Elliot Abrams (encarregado da Política para o Oriente Médio) e tantos outros. Petras e Eastman-Abaya analisam, então, vários casos pontuais em que os interesses dos EUA foram prejudicados para favorecer Israel (p. 115-120). O mais recente, e de uma enorme gravidade, diz respeito às Torres Gêmeas, já que os investigadores federais estadunidenses têm razões para acreditar que o serviço de inteligência israelense sabia preventivamente do ataque de 11 de Setembro e não comunicou Washington porque a Tel Aviv interessava a guerra como justificativa para destruir seus inimigos árabes. Para ambos os autores, este domínio de Israel está baseado na diáspora e nas redes judaicas muito bem estruturadas, que têm acesso direto aos centros de poder e propaganda do país imperial mais poderoso do mundo. A relação EUA-Israel é a primeira da história moderna na qual um país acoberta crimes praticados por terceiros contra si próprio.
Imperialismo e luta de classes também analisa as políticas antiimperialistas e sua forma de resistência ao longo do tempo. Se no período da Guerra Fria os movimentos antiimperialistas eram rotulados de conflitos entre blocos (socialismo versus capitalismo ou Terceiro Mundo contra Primeiro Mundo), hoje eles têm uma conotação de exploração de classes. Além disso, a política econômica imposta pelas autodenominadas instituições financeiras internacionais (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento) contribuiu decisivamente para a transformação da estrutura de classe em todo o mundo.
O Iraque, juntamente com a América Latina, são os lugares em que se verificam os maiores descontentamentos populares com a pilhagem do imperialismo e, concomitantemente, com a queda no nível de vida das pessoas. Os atores deste movimento são, em sua grande maioria, trabalhadores pobres urbanos e rurais, estudantes de classe média baixa, professores, religiosos, movimentos sociais radicais, grupos indígenas e organizações guerrilheiras e se baseiam nos impactos negativos diretos sobre o nível de vida, empregos, produção agrícola e controle da política econômica.
James Petras finaliza seu livro analisando o grande debate que permeou todo o século XX e continua presente nos dias de hoje: capitalismo versus socialismo. O autor mostra que as decisões econômicas, assim como as propriedades nacionais, eram de domínio público no socialismo. Com o colapso deste sistema, as empresas multinacionais estadunidenses e européias se apropriaram de todas as riquezas dos ex-países comunistas. Isso tem gerado desemprego em massa, quando não emprego temporário, e uma grande emigração para outras partes do mundo.
Imperialismo e luta de classes no mundo contemporâneo é um livro polêmico, atual e instigante, que por certo deverá suscitar muitos debates e, por que não dizer, paixões também.