Artigo resgata debates e luta docente por carreira única desde o final da década de 1970
No final da década de 70, mais precisamente na gestão 78/80 da Apufsc, foram formadas comissões de estudos sobre vários assuntos, entre elas uma Comissão sobre Plano de Carreira, que incluía professores do ensino superior e do 1° e 2° graus. Em momento algum, naquelas discussões, falou-se em dois planos de carreira: formulávamos propostas para os docentes das Ifes, independentemente do nível de ensino em que exercessem a profissãod+ falávamos em ensino, pesquisa e extensão como função de todos os docentes, como elementos constitutivos – e instituintes – da profissão. Na UFSC: à época, não se apresentavam dúvidas quanto à Carreira Única, seja entre os membros da Comissão e diretoria da Apufsc, seja no movimento docente como um todo (alguns ainda se lembrarão das concorridas reuniões da Comissão com o coletivo dos docentes, realizadas no auditório da Reitoria).
É importante lembrar que não havia, até então, um plano de carreira que vigorasse em âmbito nacional. As discussões e estudos que empreendíamos eram parte do movimento mais amplo que se construía nacionalmente, através dos Encontros Nacionais de Associações de Docentes (Enad – foram realizados três), que culminaram com a criação da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior em 1981, no 1° Congresso Nacional de Docentes Universitários, em Campinas (SP). Éramos todos docentes das universidades, portanto, docentes universitários (isto estava claro ao menos para nós, delegados e observadores da Apufsc no Congresso).
Nas greves nacionais de 80 e 81, a questão da Carreira Única não se colocava como a vimos hoje – ainda não havia duas carreiras, o que se concretizou em 1981, quando o MEC antecipou-se e “presenteou” as instituições federais autárquicas de ensino com dois planos de carreira, um para os docentes do ensino superior e outro para os docentes do ensino de 1° e 2° graus. Creio que foi a partir desse momento que nós, professores do Colégio de Aplicação, passamos a considerar a multiplicidade de escolas de 1° e 2° graus que compõem a rede federal desse nível de ensino: escolas técnicas, agrotécnicas, instituições de educação especial, centros de educação infantil, colégio isolado de educação propedêutica de 1° e 2° graus, colégios de aplicação vinculados às Ifes, com diferentes feições e funções – a UFSC, por exemplo, possui quatro escolas com três diferentes tipos de ensino: dois colégios agrotécnicos de 2° grau, um colégio de aplicação de ensino fundamental e médio, um núcleo de educação infantil, o NDI (a questão da diversidade será retomada posteriormente). Foi a partir de 1981 que se formalizou a distinção, dentro do Movimento Docente na UFSC, entre docentes do ensino superior e docentes de 1° e 2° graus, criando para os professores do Colégio de Aplicação uma situação no mínimo esdrúxula: separados do conjunto ao qual pertencemos até hoje, e com o qual nos identificamos – docentes da UFSC –, e membros de um conjunto cujos vínculos conosco são, na maioria das vezes, apenas formais, em função das diferentes finalidades a que se propõem as diversas escolas federais de ensino fundamental e médio.
O Colégio de Aplicação começou a participar coletivamente dos movimentos grevistas em 1984, quando todos os professores pararam suas atividades em todos os setores, mas a carreira única não era ainda bandeira de luta em nível nacional. Aliás, a participação dos docentes de 1° e 2° graus era bastante diferenciada nas diversas Ifes: em algumas delas (na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS -, por exemplo), os professores dos Colégios de Aplicação não podiam sequer filiar-se à Associação de Docentes local, restrita aos docentes do ensino superior. Aqui na UFSC jamais se estabeleceu esse tipo de diferença entre os professores – participamos como sócios e membros de diretorias desde a fundação da Apufsc, inclusive como seus delegados em eventos nacionais.
Com a articulação nacional entre universidades autárquicas e fundacionais, começou também, a partir de 84, uma aproximação maior entre os docentes de 1° e 2° graus das Ifes e destes com o movimento docente nacional, através de eventos específicos organizados pela Andes e pelas AD, durante Congressos nacionais ou Conad – em 86, no Congresso da Andes em Salvador, houve uma reunião de delegados e observadores que, apesar de ter conseguido apenas 15 minutos na Plenária Final para apresentação de algumas conclusões, foi fundamental para indicar a formalização da existência desse segmento na vida do movimento docente nacional e o compromisso da gestão 86/88 com suas questões (inicialmente consideradas específicas, em seguida como questões do MD). Nessa época, havia sido criada uma entidade chamada Andef – Associação Nacional dos Docentes do Ensino Federal de 1° e 2° graus, que pretendia unificar a representação desses docentes em âmbito nacional (incluindo as escolas técnicas, agrícolas e as pertencentes às Ifes). Para muitos de nós, era uma situação incômoda e equivocada que se apresentava: com a filiação à Andef, seríamos representados localmente pela Apufsc, fazendo parte do conjunto dos docentes nacionalmente, os docentes do ensino superior continuariam a ser representados pela Andes, e nós pela Andef, ou seja, novamente estaríamos juntos na base e separados nas negociações nacionais. E a Apufsc seria filiada às duas entidades nacionais… Como a Andef esteve presente no Congresso de Salvador, essa questão e suas implicações demandaram, a partir daí, muita discussão no interior do movimento docente, e exigiu dos docentes de 1° e 2° graus uma solução no ano seguinte.
Em março de 87, iniciou-se uma das mais significativas greves nacionais, a primeira greve unificada, pois reunia docentes das autarquias e fundações – formas jurídicas que diferenciavam as IFES desde sua organização interna até planos de carreira, incluindo salários. A pauta de reivindicações destacava a isonomia salarial, o Regime Jurídico Único e, conseqüentemente, um plano de carreira único para os docentes das Ifes. E nesse contexto surgiu a pergunta: com relação aos docentes de 1° e 2º graus dessas instituições, as reivindicações seriam as mesmas? A diretoria da Andes gestão 86/88 criou uma Coordenadoria de 1º e 2º graus para encaminhar as discussões específicas desse segmento, e dela participavam, além de um diretor da Andes, principalmente professores dos colégios das Universidades Federais de Uberlândia e Minas Gerais (UFU e UFMG). Essa Coordenadoria passou a realizar reuniões nacionais paralelas às do Comando de Greve, com o objetivo de afunilar as reivindicações do setor. Participei como representante do 1° e 2° graus da Apufsc, levando a proposta de Carreira Única para os docentes das Ifes, consolidando a nossa tradição (nesse primeiro momento, em âmbito local só havíamos reunido os docentes do Colégio de Aplicação e NDI. – esta não era uma proposta da Assembléia Geral da Apufsc). Com exceção de Santa Catarina e Sergipe, todos os delegados presentes defendiam a proposta de Carreira unificada (ou isonômica, não lembro do nome com exatidão), segundo a qual deveria haver duas carreiras docentes, unificadas salarialmente a partir da formação dos professores: docentes nível C para 1º e 2° graus e auxiliares de ensino na carreira do ensino superior, cuja exigência de formação para ingresso é o curso de graduação, teriam o mesmo salário e a partir desse piso haveria tabelas específicas.
Convencidos pelos representantes de Sergipe e Santa Catarina de que a proposta de Carreira Única era a mais correta, os delegados de 1º e 2° graus voltaram às bases com a tarefa de deflagrar a discussão e a conseqüente aprovação da proposta nas assembléias gerais da categoria, além de definir nos colégios, como decorrência da decisão, a desfiliação da Andef, optando pela Andes como representante de todos os docentes das Ifes. Aqui na UFSC tivemos sucesso nas duas questões: realizamos reuniões nos diversos centros de ensino ou departamentos, debatendo o papel dos colégios de aplicação e a Carreira Única, e posteriormente a proposta foi levada à Assembléia Geral para a aprovação quase unânime. A justa polêmica que nossa reivindicação levantou foi quanto à posição dos professores do Colégio de Aplicação relativamente à greve: queríamos incluir um novo item na pauta de reivindicações do movimento docente em greve nacional, mas não havíamos entrado em greve! Ou seja, queríamos conquistas, mas não o ônus da greve – à época, a maioria dos professores do Colégio de Aplicação não acatava as decisões das Assembléias Gerais da Apufsc: após a Assembléia Geral, o Aplicação fazia sua própria reunião, e deliberava se acatava ou não as decisões tomadas pelo fórum específico da categoria. A minoria que defendia o cumprimento das decisões das Assembléias Gerais acabava por se submeter – “um por todos e todos por um”? A cobrança surgida nas discussões sobre Carreira Única serviu também, portanto, para materializar a incoerência desse comportamento e o mau-caratismo nele subjacente e a ele inerente (espero que esse comportamento tenha sido definitivamente superado aqui no Colégio de Aplicação).
A Carreira Única não foi conquistada na greve de 87d+ mesmo assim, tivemos ganhos significativos, principalmente salariais, e dois planos de carreira, um para os docentes de ensino superior, outro para todos os docentes de 1º e 2º graus da rede federal de ensino. Cabe ressaltar que o Crub não apoiou a reivindicação de Carreira Única para os docentes das Ifes (a Andifes não tinha ainda sido criada) – tivemos o apoio da Fasubra e da UNE nesta e em outras questões. O avanço conseguido, em termos de carreira, foi a isonomia salarial entre professores auxiliares nível 1 e professor classe C nível 1, referida anteriormente, e atividades de pesquisa e extensão foram estendidas à carreira docente de 1º e 2º graus, porém, com predominância das atividades de ensino – “são próprias do pessoal docente de 1º e 2º graus, predominantemente, as atividades de ensino, além da pesquisa e da extensão…” (é mais ou menos esta a redação do art. 10 do Plano de Carreira que entrou em vigor em agosto de 87). E a reivindicação de Carreira Única continua como bandeira do MD, fazendo parte das pautas da Andes-SN desde então.