Assisti, como convidado, à formatura dos cursos de Filosofia e Ciências Sociais da UFSC, no dia 27 de março de 2009. Achei a formatura muito bonita, formandos alegres e entusiasmados, professores orgulhosos, pais e convidados contentes. Para mim tudo esteve às mil maravilhas, até o discurso da Professora.Uma professora da Sociologia resolveu dar uma “aula” de ciências políticas em plena cerimônia de formatura. Esconjurou, imagino, tudo o que vai contra sua forma de pensar, o livre mercado, o neoliberalismo, o capitalismo, o imperialismo americano e lá vai. Achei o discurso chocante, inapropriado para o momento, típico de quem está desesperado para passar uma última mensagem. E que mensagem! Professora, a Senhora fez mais uma doutrinação. Esqueceu de abordar com a mesma ênfase as virtudes do capitalismo, do livre mercado, da democracia, etc.
Em relação aos cursos da sociologia não conheço praticamente nada. Conversei, por casualidade, com três alunos e ex-alunos deste curso. O ex-aluno me disse que abandonou o curso porque não agüentava “a politiqueira” do curso. Um dos alunos, um atendente numa livraria, disse-me que a ideologização do curso era muito forte. O terceiro me disse que não ia à formatura por que isto é coisa de burguês. Expliquei-lhe que a formalidade é obrigatória. Ele foi à formatura.
O que me preocupa, na verdade, não é o discurso da professora, e sim a pobreza de seu discurso. Será que a professora, que faz um discurso destes numa cerimônia de formatura, é capaz de manter algum grau de neutralidade, quando, em sala de aula, analisa os diversos sistemas econômicos, políticos e ideológicos? À não neutralidade em sala de aula eu chamo de doutrinação.
Recentemente enviei uma carta ao Magnífico Reitor à respeito da formação dos futuros professores na UFSC, ressaltando a necessidade de a Universidade verificar o quanto a sua estrutura pedagógica é usada para fins que considero ilícitos, como é o caso da doutrinação ideológica. Uma coisa é abrir o espaço para expor todas as linhas de pensamento, função da Universidade. Outra, é tomar partido e encher a cabeça dos alunos com visões unilaterais. Os alunos, mesmo os da universidade, não têm conhecimento e estrutura para se antepor aos argumentos de professores maduros e tarimbados. Como há menores de idade envolvidos, há que considerar os aspectos legais inerentes à doutrinação. Da carta não recebi resposta. Se a Reitoria achar que este assunto não lhe interessa ou não mereça consideração, quem sabe a lucidez de um Diretor de Centro, a Chefia do Departamento ou a Coordenadoria do Curso? Ou, talvez, o Conselho Tutelar?
Pelos frutos se conhece a árvore, diz o ditado. A revista Veja, de 20 de agosto de 2008, sob o título “você sabe o que estão ensinando a ele?” mostrou estatísticas elucidativas sobre a Escola Brasileira e particularmente sobre o que pensam os professores. Assim eles se posicionaram: Apenas 8% dos professores acham que a principal missão da escola é ensinar as matérias enquanto 78% opta por formar cidadãos. Apenas 20% dos professores acha o discurso dos professores neutro, contra 30% às vezes engajados e 50% politicamente engajados. Na escolha dos livros, apenas 44% os escolhe por transmitirem os conteúdos com clareza. Enquanto isto, por parte dos alunos, Che Guevara teve uma avaliação positiva de 86%, Lenin 65% e Hugo Chavez 51%. Lula, com toda sua popularidade, teve de se contentar com pífios 30%. Resultados casuais? Só para ingênuos.
Sempre me impressionou o fanatismo dos adeptos do socialismo e comunismo, dos mais diversos matizes, o que me levou a ler a respeito mais de uma dezena de livros, procurando situar-me e entender este fenômeno. Confesso que estou sem poder entender como idéias, que só conseguiram sucesso na ascensão ao poder e sua manutenção através das armas e mortes, podem ter tamanho apelo. Eu gostaria realmente saber o que faz com que a maioria dos professores que leciona no ensino elementar e médio assuma posições ideológicas que levam os alunos a avaliar positivamente figuras como Lenin e Guevara. Isto provém de ignorância ou é fruto de uma obcecação?
Vejamos rapidamente a bibliografia de Lenin. Lenin assumiu o poder da Rússia com o recurso às armas, derrubando o Czar. Manteve-se no poder até a sua morte com o recurso à força. Permitiu a execução sumária da família do Czar, sem nenhum julgamento. Não admitia uma revolução sem pena de morte. Foi o líder da implantação de um regime socialista (de força) que caiu de podre 70 anos depois. Quando paralisado na cadeira de rodas, pediu para Stalin que abreviasse a sua vida, com o que este último não concordou. É esta figura histórica que é tida em tão alta estima por professores e alunos pelo Brasil afora, ou é uma maquiagem dela?
E Guevara? Rapaz inteligente, decidido, sonhador. Quando jovem, recusou-se a servir o exército argentino porque não queria servir a um governo autoritário (Peronista). Seu sonho, ser o revolucionário do mundo. É um colecionador de frases, repetidas aos montes. Creio que seu feito principal é ter ajudado os Castro a implantar o regime cubano (autoritário). Bem, se alguém considera o regime cubano um sucesso, vai ter que passar um tempo em Cuba. Guevara, depois que saiu de Cuba acumulou uma série de fracassos (inclusive em sua terra natal), cumulados com sua execução na Bolívia. É pouco para ser o herói dos professores e da maioria dos alunos (brasileiros)! Conforme Tony Judt, em Pós-guerra, uma história da Europa desde 1945, os relatos românticos de guerrilheiros do Terceiro mundo enrijeceu a política da contracultura que não vingou na Europa e que “ não devemos nos iludir com a extraordinária pós-vida de Che Guevara, na condição de modelo martirizado, à lembrança de Cristo, segundo a visão dos adolescentes ocidentais”. Parece que não só de adolescentes.
Na História do Brasil temos uma figura “espiritualmente” muito parecida com Guevara, é Garibaldi. Garibaldi era um cidadão do mundo. Com um pouco de papo Garibaldi é trazido para nosso tempo e vira um herói digno de homenagens bem mais merecidas, em nosso meio, do que Che, pois aqui viveu e lutou. Lado a lado Guevara fica em sua penumbra. Em termos de heroísmo Garibaldi dá de goleada em Lenin. Além do mais dá uma estampa mais chamativa nas camisetas do que Che Guevara. Espero que no futuro as escolas lhe façam mais justiça.
Acima eu questionei a razão de certa tendência política de esquerda por parte dos estudantes, procurando sua causa. Hannah Arendt, em seus ensaios, quando analisa o clima intelectual do anti-stalinismo, nos dá certa luz a respeito, quando afirma “Já era bastante ruim, em certo sentido, que todo movimento radical de nossa época (1920-1930) fosse destruído pela identificação com a Revolução Russa e se visse usurpado por elad+ pior ainda foi que a obsessão com a Rússia sobreviveu à desilusão com a própria revolução”. E acrescenta que a geração mais jovem, que não sofreu com a política e nem tem experiência nela, adota posições por falta de alternativas.
Não há na história guinada importante na parte política sem que a intelectualidade a precedesse. Quando a história muda, há intelectuais que perdem seu discurso. Outros, por falta de opção ou capacidade, se aferram aos seus quadros políticos, mesmo que ultrapassados. Reconheço que isto não é pecado e sim uma pobre opção.Quando em 1956 a Russia invadiu Budapeste, Sartre e Simone de Beauvoir perderam seu discursod+ Sobrou-lhes apenas a sua literatura. Ignazio Silone, falando da “Dignidade da Inteligência e da Indignidade dos Intelectuais”, lamentou o seu silêncio e o silêncio dos outros intelectuais de esquerda a respeito destes fatos. Diz: “Tiramos de circulação, como tanques estacionados numa garagem, os princípios de liberdade para todos, dignidade humana e o resto”.
Há quem veja na crise atual o início da queda do capitalismo, da livre iniciativa, etc. Penso que a livre iniciativa, seja qual for o nome que leve, não desaparecerá porque é inerente à liberdade pessoal no amplo sentido. Assim como as intempéries fortificam as árvores assim, com certeza, a crise fortificará e transformará a livre iniciativa. As grandes experiências socialistas e comunistas fracassaram, apesar da potência dos países que a elas foram submetidos. A Antiga União Soviética se decompôs, porque? A atual potência mundial, a China, recorreu à livre iniciativa, porque? A experiência socialista democrática da França de Mitterand fez água, porque? Porque Cuba espera pelo fim do embargo americano? EUA é apenas um país e Cuba tem o resto do mundo para ir em frente. Para sermos honestos, não é a livre iniciativa que vai tirar Cuba do buraco? É duro de acreditar que tenha ainda gente admirando aquele regime. Claro, são aqueles que precisam da democracia para chegar ao poder e. uma vez lá instalados, usam de todos os recursos para se perpetuarem no poder, usando para isto todos os meios, inclusive a força.
Encontrei uma alternativa ao capitalismo, comunismo e socialismo. Lendo Albert Einstein, em Como vejo o mundo, deparei com a seguinte passagem: “Se se separa o judaísmo dos profetas e o cristianismo, tal como foi ensinado por Jesus Cristo, de todos os acréscimos posteriores, em particular aqueles dos padres, subsiste uma doutrina capaz de curar a humanidade de todas as moléstias sociais”. E diz mais: “O homem de boa vontade deve tentar corajosamente em seu meio, e na medida do possível, tornar viva esta doutrina de uma humanidade perfeita. Se realizar lealmente esta experiência, sem se deixar eliminar ou silenciar pelos contemporâneos, terá o direito de se julgar feliz, ele sua comunidade”. Leiam e vejam…
Faço um apelo aos professores. Sejam honestos e tentem mostrar aos seus discípulos todos os lados das políticas e ideologias. Se o estudante, no regime democrático, clama pelos modelos socialistas e comunistas, mostre-lhes o que os estudantes destes regimes aspiravam e sonhavam. Nada melhor que estudar a invasão de Budapeste em 1956 para ver porque a estagnação, a corrupção e cinismo do regime soviético se escancararam. No discurso fúnebre de Imre Nagy, executado pelo regime comunista, Viktor Orbán dissed+ “Verdadeiramente, em 1956, o Partido Socialista dos Trabalhadores na Hungria roubou o futuro da juventude de hoje”. Professor, mostre a seus alunos porque a violência comunista era considerada uma forma de “humanismo proletário”. Faça-os raciocinar no porque mudanças no curso da história e matanças “purificadoras” caminham lado a lado. Que tentem entender a afirmação de Camus de que a responsabilidade diante da história dispensa a responsabilidade diante dos seres humanos. Que reflitam no comportamento da intelectualidade esquerda ocidental que durante quarenta anos contemplou a Rússia, perdoou e até admirou a violência bolchevique. Para eles Moscou era um espelho, que se quebrou em 1956. Por fim, que os alunos entendam que, segundo Havel, o simples ato de formar um grupo político nos obriga a entrar num jogo de poder, em vez de priorizar a verdade.
Agora, que pela América Latina estão requentando “socialismos”, mirando-se em experiências anteriores, é preciso estar atento pois, neste caldo não é possível pinçar apenas aspectos positivos ou supostamente positivos, se esta é a intenção. Hannah Arendt, referindo-se a estes processos, resume-os mais ou menos assim: No inicio os filósofos pensam uma teoria. Depois políticos a assumem. Por fim o povo, ou prepostos, a implementa, à sua forma, em geral sem dar muita bola para as teorias. Um exemplo? O chicoteamento de um oposicionista na Bolívia de Evo Morales. Os grandes desastres são prenunciados por pequenos fatos. Ninguém dá bola? Eu dou. Não sou amigo de chicotes e outros métodos não convencionais de convencer.