Quem é responsável por nossas perdas salariais?

Preâmbulo

No boletim  n° 686 os professores Alberto Franke, Bartira Grandi e Paulo Rizzo apresentaram o artigo “Boatos e fatos sobre negociações salariais”, no qual mostram dois outros gráficos que evidenciam as nossas perdas salariais, e cuja fonte é o GT Verbas da Andes-SN. Neste artigo afirmam que a Andes-SN não pode ser responsabilizada pelas nossas perdas, estimadas em R$ 1,19 bilhões, e rejeitam a hipótese que levantei na edição n° 685 do boletim da Apufsc.

A bem da verdade, as perdas que apresentei foram estimadas a partir de um gráfico divulgado pelo Proifes, e consideram apenas os professores da UFSC, no período compreendido entre 1995 e a data atual, com base em dados de uma única classe específica de professores.


Dados da Andes confirmam perda bilionária dos professores da UFSC

Mas, se tomarmos por base os dados contidos nos gráficos apresentados por Franke, Bartira e Rizzo, é provável que as perdas salariais dos professores da UFSC superem o montante inicialmente estimado. Há pelo menos duas fortes razões para se fazer esta afirmação. A primeira, é que nos gráficos da Andes-SN, contrariamente ao do Proifes, foram desconsideradas as progressões funcionais ocorridas ao longo do tempo (a tal “água no moinho do Proifes” reclamada pelos três professores), com a justificativa de que estas progressões não são ganhos da classe, mas vantagens pessoais obtidas por mérito. A segunda razão é que a classe tomada como referência pelo Proifes foi, comparativamente com as outras classes de professores, uma das mais privilegiadas em termos de recomposição salarial nos últimos anos. Ora, neste sentido, os autores do artigo citado não acrescentam nenhum fato novo. Muito pelo contrário, corroboram com a estimativa feita, dando margens, inclusive, à suposição de que as perdas totais aqui na UFSC possam ter sido ainda maiores do que as estimadas inicialmente.


As desculpas que não convencem

Entretanto, a rejeição da hipótese que responsabiliza a Andes-SN por estas perdas e a tentativa de capitalizar em favor da Andes-SN os “ganhos” que ela não produziu, não parece estar devidamente fundamentada. Os articulistas tentam minimizar a importância do fator competência do interlocutor nas negociações com o governo, e jogam a responsabilidade para a base. Além disto, buscam justificar as perdas que tivemos, no fato de que outras categorias também saíram prejudicadas nas negociações com o governo, como se estas também fossem causas das nossas perdas, ou mera fatalidade do destino que afetou a todos. Ora, não há nenhuma consistência científica nestas justificativas.

De fato, considerando que os dados apresentados nos gráficos em questão foram corrigidos pela inflação, as perdas calculadas, que representam 4 anos de nosso trabalho, em 15 anos de trabalho realizado, são reais. Outro fato relevante para esta análise, é a constatação de que o Brasil não teve seu PIB reduzido neste período. Logo, se perdemos, é porque alguém ganhou. E se este alguém obteve êxito, no mesmo contexto político-econômico em que colhemos fracassos, então devemos buscar os indícios que nos ajudem a identificar quais as causas disto.


Fatores que explicam nossas perdas salariais

Entre os fatores que podem ser arrolados como possíveis causadores das nossas perdas (ou ganhos) salariais, alguns parecem ser mais pertinentes que outros. Entre eles temos: (a) a política praticada pelos governantesd+ b) a competência e o empenho do sindicato nas negociaçõesd+ e (c) a defasagem salarial, medida em relação ao salário de referência.

Neste estudo o fator política de governo está representado por duas variáveis categóricas: uma corresponde ao período de FHC (1995-2002) e outra ao período de Lula (2003-atual). Apesar do período em que estes governantes ocuparam a presidência do país, adotou-se uma defasagem de 1 ano, para compensar o efeito de terem recebido de seus antecessores o orçamento do primeiro ano de governo. O fator competência e empenho do sindicato, por sua vez, está representado por outras duas variáveis categóricas, as quais correspondem aos grupos que estiveram, no período em análise, diretamente envolvidas nas negociações com o governo, denominados de Andes-AD e Proifes. Aqui, considerou-se que entre 1998 e 2000 houve a quebra da hegemonia da Andes-AD na direção da Andes-SN, por parte do grupo que fundou o Proifes, e que a partir de 2006 volta ao cenário na condição de uma segunda entidade representantiva de professores. O percentual de defasagem salarial medido no início do período, em relação ao salário de referência de janeiro de 1995, juntamente com a variação percentual do salário no ano, completam os dados da tabela 1 (ao lado).

Os dados apresentados na tabela 1 foram submetidos ao modelo de regressão linear múltipla, onde a variável dependente (coluna 7) foi ajustada em relação às demais variáveis explicativas apresentadas (colunas 2 até 6). Esta técnica estatística é universalmente aceita nos meios acadêmicos para análise de dados coletados em pesquisas. Os resultados obtidos seguem no quadro 1.

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Na última linha dos quadros 1 e 2 são apresentadas as funções lineares ajustadas, que explicam a variação dos salários reais com base nos fatores arrolados. Nestas expressões temos:

– Variação real de salário, esperada para um dado período anual, expressa em função dos fatores explicativos adotados no modelod+

– Fator que representa o efeito do governo FHC na variação de nossos salários reais, sendo igual a 1 no período em que o orçamento da união foi definido por FHC (e zero nos demais)d+

– Fator que representa o efeito do governo Lula na variação de nossos salários reais, sendo igual a 1 no período em que o orçamento da união foi definido por Lula (e zero nos demais)d+

– Fator que representa o efeito do grupo Andes-AD na variação de nossos salários reais, sendo igual a 1 no período em que este grupo esteve em cena como representante da classe dos professores (e zero nos demais)d+

– Fator que representa o efeito do grupo fundador do Proifes na variação de nossos salários reais, sendo igual a 1 no período em que este grupo esteve em cena como representante da classe dos professores (e zero nos demais)d+

– Defasagem real acumulada até o início de um dado período, tomando como referência o salário de janeiro de 1995.
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Neste quadro, chama a atenção o coeficiente negativo e o baixo valor da estatística t de Student associados ao fator Andes-AD. Em outras palavras, isto significa dizer que a contribuição deste fator para a variável dependente é negativa, com tendências para zero. Ou ainda, explicando para leigos, existem indícios de que a Andes-AD não tenha contribuido para a melhoria de nossos salários reais. A certeza com que isto pode ser afirmado, segundo o teste estatístico realizado, é da ordem de 60,8% (valor da probabilidade). Para aqueles que achavam que a Andes-SN, controlada pela corrente hegemônica Andes-AD, lutava por ganhos reais de salário, fica somente a desilusão, pois nenhuma evidência estatística significativa foi encontrada de que ela tenha atuado neste sentido nos últimos 15 anos. Muito pelo contrário, a pouca influência que o modelo aponta é de que ela atuou negativamente para obtermos ganhos salariais.

Igualmente, outro resultado que chama atenção no quadro 1, é a baixa influência direta que o governo FHC representou na variável dependente, contrariando o senso comum de que esta seria uma variável significativa. De fato esta sensação de perdas associada ao governo FHC pode ser facilmente explicada, quando confrontada a atuação do mesmo com a do governo Lula, visto que este parece ter contribuído de forma mais decisiva que o primeiro, na recuperação salarial da classe em estudo. Um outro aspecto que contribuiu para termos melhorias salariais, principalmente neste segundo período do governo Lula, foi a necessidade de atrair novos professores para ocupar os cargos abertos com o projeto de ampliação da capacidade das universidades federais. É a velha lei da oferta e da procura que mostra aqui a sua importância.

Considerando que as variáveis das colunas (2) e (4) mostraram-se pouco significativas, as mesmas foram eliminadas da análise, e uma nova regressão foi realizada. Este tipo de operação em análises de regressão linear múltipla são comuns, e faz parte de um procedimento conhecido como stepwise regression. Os resultados obtidos com esta nova regressão encontram-se no quadro 2, onde se observa a significância de todas as variáveis envolvidas, com probabilidade inferior a 13,2% (um resultado que pode ser considerado satisfatório do ponto de vista estatístico, considerando o tipo de experimento e a pequena série histórica disponível).


Resumindo…

Dos fatores inicialmente levantados, apenas Lula, Proifes e a defasagem salarial no início de cada período apresentaram significância estatística, e contribuíram positivamente para aumento dos salários reais. O fator Lula contribui com 7,7% ao ano, Proifes com 14,5% ao ano e uma defasagem salarial de 10% no início de um dado período, resulta numa tendência de reposição “automática” de 4,59%.

Andes-AD e FHC foram considerados igualmente pouco relevantes, do ponto de vista estatístico, para as nossas variações reais de salário. Além disto existem outros fatores não explicados pelo modelo, que estiveram presentes ao longo do período de análise, e que respondem por perdas anuais médias da ordem de 15,5%, mas que foram parcialmente compensadas por Proifes, Lula e a variável defasagem salarial.


Tolerância a um sindicato “nada irrelevante”…

Apesar da Andes-AD ter-se mostrado quase neutra em relação aos ganhos reais de salário, isto não minimiza a responsabilidade dela em relação às nossas perdas. De fato existem fatores que contribuem negativamente com uma variação real dos salários, da ordem de 15,5%, não explicados pelas variáveis do modelo, que precisam ser compensados com uma atuação eficaz do sindicato, para mantermos nossos salários em níveis decentes. De fato não se pode contar com a eterna benesse de um governo que momentaneamente nos é favorável, e que recompõe parcialmente estas perdas, até mesmo porque este interesse em ampliar a capacidade das universidades federais é política deste atual governo, e a pressão para o aumento dos salários deve reduzir quando o quadro funcional se estabilizar.

É necessário, portanto, que o sindicato esteja mais comprometido com as nossas causas, aspecto que a Andes-AD, quando comparada ao Proifes, deixou a desejar. É evidente que a crítica não é feita às pessoas que compõe a Andes-AD, mas aos métodos e os objetivos traçados por este grupo, os quais não têm produzido os efeitos necessários às melhorias de salário e das condições de trabalho de nossa classe.

Outros aspectos, observados em relação a atuação do grupo Andes-AD na condução do sindicato nacional, justificam a “irrelevância” deste fator. De fato, um aspecto que não pode ser negligenciado é o viés profundamente ideológico imposto por este grupo à base, composta pela grande maioria dos professores. A análise dos relatórios dos CONAD”s e Congressos da Andes-SN, nos quais o grupo Andes-AD têm-se mantido hegemônico, nos mostra claramente que os objetivos primários do sindicato tem sido a busca permanente pela implantação de um governo “socialista”, em detrimento das necessidades e objetivos da classe de professores que o sustenta. Estes documentos são públicos e estão disponíveis na página da própria Andes-SN.

O episódio da carta sindical perdida desde 2003, “recuperada” sem as devidas formalidades legais, somente depois de seis anos e quando a Apufsc suspende os repasses financeiros, é outra questão que precisa ser esclarecida. Não fosse esta carta parte de nossa segurança jurídica, este fato até poderia ser menosprezado. Mas este episódio mostra claramente qual é o interesse da Andes-AD na classe dos professores.

Pautas intermináveis, com centenas de ítens, que vão do apoio à invasão de terras à retirada das tropas do Haiti, mostram a total falta de foco na condução da Andes-SN, e, o quão defasados estes estão do pensamento da maioria dos professores. Neste sentido não é de se estranhar o afastamento das bases em relação às “causas sindicais”, e o consequente esvaziamento que gradativamente se implantou no movimento docente. Isto também explica a realização de assembléias com meia duzia de presentes, realizadas em torno de mesas de diretoria, comprometidas apenas com a direção nacional da Andes-SN, e sem nenhum compromisso com as bases. Isto explica por que a categoria está demobilizada. E, muito provavelmente, por conta disto temos acumulados as perdas sistemáticas de 15,5% ao ano demonstradas no modelo de regressão apresentado no quadro 2.

Precisamos dar um basta a isto tudo. É hora de assumirmos nossas responsabilidades. Não podemos esperar mais 15 anos para ver no que isto tudo vai dar. Já se passou tempo demais. Precisamos recolocar o destino da categoria novamente nas mãos de todos professores que silenciosamente construiram e constróem as universidades federais deste país, lugar de onde este poder de decisão nunca deveria ter saído.