O nosso Obama de saias

Nos últimos tempos poucos fatos mexeram tanto com o mundo político e com o imaginário dos cidadãos como a possibilidade da senadora Marina Silva vir a ser candidata a Presidente da República pelo Partido Verde.

Marina parece encarnar não somente o novo, mas uma vontade represada nos subterrâneos do desejo coletivo da população e da vontade forjada na luta pelo desenvolvimento sustentável.

No momento em que escrevo este artigo, estou no Acre participando de um evento internacional – o II Encontro Trinacional de representantes do Ministério Público, Magistratura e Polícias (Brasil, Bolívia, Peru). Talvez por isso sinta o maior impacto do abalo sísmico do anúncio da possibilidade da candidatura Marina à Presidência.

Se ela causou um verdadeiro tsunami e embaralhou todas as peças do jogo sucessório Presidência é aqui no Acre que esta notícia mexe com as raízes mais profundas do PT e da estrutura de poder no Estado. Até pelo que representou Chico Mendes, o perfil do PT no Acre apresenta uma ligação mais estreita entre desenvolvimento econômico, justiça social e equilíbrio ambiental. E quem melhor incorporou estes valores com maior entusiasmo e legitimidade foi no meu entender Marina Silva.

Não vou me deter nos aspectos programáticos e de viabilidade eleitoral da Senadora ser uma candidata viável para ocupar o Palácio do Planalto, neste momento me interessa mais os aspectos simbólicos de sua trajetória e o sentimento coletivo de resgate da ética na política, bem como o desenvolvimento sustentável colocado na ordem do dia do futuro debate eleitoral.

Marina, por outro lado também incorpora um perfil que pode ser associado a dois dos principais ícones da luta social e ambiental no país: Lula e Chico Mendes.

Lula, como já é de conhecimento geral, vem de Garanhuns, interior pobre do Sertão Pernambucano, o retirante nordestino que perdeu um dedo no torno se tornou o maior líder sindical do país e daí alçado a condição de Presidente da República.

Marina Silva saiu das entranhas da floresta amazônica, nascida no seringal Bagaço, próximo a rio Branco, administrado de maneira feudal em um canto esquecido do Brasil. A menina frágil comprometida por doenças resultantes da contaminação por mercúrio e diversas malárias se tornou vereadora, deputada, senadora e Ministra do Meio Ambiente, agora parece tocar o coração de todos os brasileiros como se estivesse saldando nossa dívida com a floresta e seu povo, por sucessivos anos de atividade predatória e de descaso com seu povo. Da mesma forma, ela está alimentando de esperança a possibilidade do novo na política. O novo com qualidade e com competência.

Lula já representou isso, Marina representa não só a esperança na política, mas a possibilidade de crença na coisa pública para as futuras gerações que atualmente já não tem em quem se mirar como símbolo da transformação e concretização de sonhos. Ela também se encontra, enquanto parlamentar e durante toda a sua trajetória, fora das obscenidades perpetradas atualmente no Senado, bem como nunca subscreveu os imorais acordos feitos em nome da governabilidade.

Chico Mendes se tornou um ícone internacional da luta pela defesa da ecologia. Grande ironia, a ideologia que se afirmava como novidade nos paises desenvolvidos vai ter justamente em um seringueiro pobre e alfabetizado depois da maior idade (e Marina se alfabetizou somente aos 16 anos, ironicamente seu professor e mentor político é o atual governador do Acre, Binho Marques) o símbolo da luta dos intelectuais engajados do primeiro mundo em defesa da floresta amazônica.

Marina é a legitima sucessora de Chico Mendes e com ele travou batalhas e “empates” no interior da Floresta Amazônica, trazendo a público seus problemas e suas mazelas e dando ao seu povo um senso de dignidade e construção da cidadania onde os mais elementares direitos do homem não passava de mera abstração. Marina Silva é, em termos simbólicos, uma incorporação da luta social que representou o Lula com a luta sócio-ambiental que representou o Chico Mendes, tendo como elemento diferencial e potencializado o fato dela ser mulher.

Acredito serem estes elementos simbólicos da exploração do trabalho, da exploração da natureza, da discriminação contra a mulher e por conseqüência por todas as discriminações perpetradas pela nossa sociedade branca patriarcal e veladamente racista que fazem de Marina como ninguém representante do que convencionalmente chamamos de excluídos. E a possibilidade, a simples possibilidade dela concorrer ao mais alto cargo da república, podendo tornar-se presidente do Brasil, nos faz sentir mais cidadãos, mais incluídos.

A política tem vivido seus melhores momentos do improvável, do imprevisível, quando não do que era considerado impossível.

Quem à época poderia imaginar a queda do muro de Berlim e o fim do comunismo, justamente no momento em que ele estendia suas fronteiras na África e em alguns países periféricos?

Quem imaginaria que um negro há mais de vinte anos prisioneiro do regime racista do Apartheid na África do Sul viesse a ser presidente daquele país?

Quem imaginaria que um operário, retirante nordestino pudesse vir a ser presidente do Brasil? E um índio Aimará ser presidente da Bolívia?

E um negro ser presidente dos Estados Unidos da América?

A política é a arte do improvável e da reinvenção permanente do social.

Se nos Estados Unidos eles puderam, porque no Brasil nos também não podemos?

Marina Silva é o nosso Obama de saias!!!

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Artigo publicado originalmente no jornal Brazilian News, de Londres, em 27 de agosto