Os (des)caminhos da democracia

Finda-se, nesta primeira quinzena de outubro, o mandato para o qual fui eleita com o maior número de votos para representar os aposentados no Conselho de Representantes (CR).  Os votos a mim confiados certamente deveram-se à confiança e ao apoio às posições políticas, educacionais, sindicais e sociais que expus e defendi durante 41 anos (como estudante e depois como professora na UFSC).  Minhas convicções e prática não mudaram, por isso não me candidatarei a um segundo mandato, em primeiro lugar porque a eleição convocada não é mais para a Apufsc – SSindical do Andes-SN (volto a esse ponto mais tarde), e em segundo lugar porque convivi, neste ano de representação, com a “democracia” que apregoa a diretoria da Apufsc – SSindical e seus apoiadores no CR, e vi como ela funciona.

Não posso acreditar numa democracia que descumpre diuturnamente o regimento que modificou recentemente e que, mais que ninguém, deveria defender como filho dileto tão reverenciadod+ não posso acreditar numa democracia cujos defensores, após enfatizarem a necessária pluralidade ideológica num sindicato, chamam de asnos aqueles que deles discordaremd+ não posso acreditar numa democracia que proclama a importância e a função deliberativa do CR, mas só leva como pauta para suas reuniões questões burocráticas e administrativas, impedindo o debate político-sindical – e quando representantes, com aval de seus pares, incluem questões de responsabilidade deliberativa do CR (e não da diretoria, que regimentalmente é executiva), são chamados de “golpistas” e ensejam até recurso devido a tais questões não estarem “na pauta previamente divulgada”d+ uma democracia cujos representantes, na condução dos trabalhos do CR ou na plenária, interrompem aos gritos seus opositores, inclusive exigindo “não olhe para mim”(!)d+ uma democracia que não presta contas dos seus gastos, descumprindo o regimento, que prevê assembléias ordinárias em março e outubro para prestação de contas da diretoria, após aprovação pelo Conselho Fiscald+ que decide incluir nos descontos da Unimed e Uniodonto 4,5% sem autorização explícita dos usuários – mais uma apropriação indébita (além das nossas contribuições sindicais ao Andes-SN, que continuam “retidas em conta própria”) talvez não faça diferença para essa democracia que se pauta em pareceres jurídicos.  Uma “democracia” que não está restrita à Apufsc – SSindical , que se espalha pela UFSC, a exemplo do acontecido na Editora da UFSC e relatado pelo prof. Rampinelli neste Boletim e no Diário Catarinense de 4 de outubro p.p.. Partilho da opinião de que essa “democracia” é de mão única e não pode ser tolerada, pois, “a tolerância nos exime de tomar posições e nos responsabilizar por elas. A tolerância debilita as diferenças discursivas e mascara as desigualdades”, e “tem familiaridade com a indiferença”(1).

Porém, houve uma deliberação coletiva que decidiu “desfiliar” a Apufsc –SSind do Andes-SN e transformá-la em sindicato estadual.  É uma decisão soberana, que respeito.  Estou certa de que os professores que assim o decidiram lembraram (ou ouviram falar) das lutas iniciadas em 1978 por Plano de Carreira Única, aposentadoria integral, autonomia universitária, aposentadoria por tempo de serviço, paridade entre ativos e aposentados, isonomia salarial, Regime Jurídico Único, vinculação percentual para a educação, ciência e tecnologia, prevista nas Constituições Federal e Estaduais, LDB, reajustes salariais dignos, democratização da sociedade brasileira e da universidade, manutenção dos diretos dos professores e do caráter público das universidades federais.  Mesmo assim, concluíram que foi pouco, ou que essas “coisas” não são mais importantes para a UFSC.  Recorro a Hobsbawn, primeiro em paráfrase e depois em citação: me entristece que muitos daqueles que lutaram por essas idéias as esqueceramd+ “me entristece ver intelectuais jovens, que não passaram pela história dessas lutas, repetindo e tirando benefício do mesmo tipo de propaganda”(2). Mas repito: respeito a decisão da AG, porém não reconheço o sindicato que querem criar como o sindicato que me representará, porque conheci de perto a democracia que defendem. A sindicalização é um ato voluntário e individual, e concordarão comigo, democraticamente, que não se transferem os indivíduos sindicalizados de um sindicato para outro de forma automática, como um pacote.

E volto ao edital para eleição do CR e Conselho Fiscal: como tais eleições não são mais para a Apufsc – Seção Sindical do Andes-SN (embora o edital se baseie no regimento da seção sindical – juridicamente, isto pode? Choquei!!), e sim para uma entidade que ainda vai ser criada (isto também pode?), não posso participar dela.  E convido os colegas que querem continuar sindicalizados no Andes-SN a também não fazê-lo, e virem discutir conosco os desdobramentos desta questão, que é mais complicada do que quer fazer crer a democracia que atropela.

Venha discutir no dia 15, às 18 horas, na sala Carlos Drummond de Andrade, no CCE, com a presença do presidente do Andes-SN.

(1) DUSCHATZKY E SKLIAR, in LARROSA E SKLIAR.  Habitantes de Babel: políticas e poéticas da diferença.  Ed. Autêntica.

(2) HOBSBAWN, Eric.  Entrevista à FSP – Ilustrada/15-09-2009.