“Em meu país, a educação é toda ela pública, o acesso à educação não depende do poder aquisitivo dos estudantes e ninguém fica sem emprego após formado. Mas o número de vagas na universidade em cada especialidade é, hoje, limitado pelo governo, considerando a demanda por esta especialidade no país. Isto faz com que tenhamos um vestibular e que apenas os candidatos mais bem dotados intelectualmente tenham acesso à estas vagas.”
Foi o que Rafael Hernández García, um jovem cubano de 28 anos, com um diploma em Química e Física Nuclear em um país cheio de problemas, procurou deixar claro no seminário de fundação do Instituto de Pesquisas em Educação (IPE), realizado em Belo Horizonte (MG) e que contou com a participação da Apufsc, num momento em que alguns presentes, inclusive membros do Governo Federal, defendiam a “qualidade social e o direito universal de acesso à educação (incluindo a universitária) como um dos condicionantes do Plano Nacional de Educação. E, também, quando a questão do mérito acadêmico era razão para uma forte discussão.
O Rafael defendeu que este direito universal existia no nível fundamental e médio, mas não na universidade ou em cursos geradores de emprego.
O seminário de fundação do IPE que se realizou nos dias 30 e 31 de março de 2012, na Universidade Federal de Minas Gerais, tratou de duas questões fundamentais: a Qualidade da Educação e o seu Financiamento.
A questão da qualidade foi abordada no dia 30 pela manhã com um debate envolvendo o Coordenador Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, e o Secretário Executivo Adjunto do MEC, Francisco das Chagas Fernandes.
A questão do financiamento foi discutida no dia 30 à tarde com apresentações de José Marcelino de Rezende Pinto – ex-Presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP) e professor da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP de Ribeirão Preto – e Frederico Melo, técnico-economista do Dieese – Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos.
O poder aquisitivo privilegia o acesso à universidade no Brasil, possibilitando que os estudantes oriundos de famílias mais afortunadas (ou menos desafortunadas) tenham uma melhor educação fundamental e média (e melhores oportunidades de ingresso na universidade pública).
Resta ao estudante pobre, mesmo intelectualmente bem dotado, mas com deficiências de formação, matricular-se num curso noturno que não seja muito caro e exigente e trabalhar durante o dia para pagar a mensalidade da universidade. Em uma conversa de cafezinho, o Francisco das Chagas Fernandes, Secretário Executivo Adjunto no MEC, presente no Seminário, confidenciou-me que, enquanto a universidade privada faz lobby no Congresso, a pública não aparece por lá, nem mesmo na Comissão de Educação do Congresso. Este dado foi confirmado por José Marcelino Rezende Pinto, professor da USP e ex-integrante do INEP e por Newton Lima, deputado federal pelo PT por São Paulo e Presidente da Comissão de Educação.
O Newton Lima estará na Frente Parlamentar suprapartidária que estamos criando em defesa das instituições federais de ensino, juntamente com o Esperidião Amim (PP-SC), nosso colega na UFSC, a Fátima Bezerra (PT-RN), o Pedro Uczai (PT-SC), o Paulo Bauer (PSDB-SC) e o Casildo Maldaner (PMDB-SC) e com outras entidades sindicais, incluindo as associadas aos Institutos Federais.
No Seminário, destaco a participação do Prof. José Marcelino Rezende Pinto.
O Marcelino foi um dos criadores do método Custo Aluno-Qualidade inicial (CAQi). Em suas palavras: “A ideia é dar condições mínimas de infraestrutura e recursos humanos para que as escolas tenham condições de oferecer uma Educação satisfatória. A proposta está sendo estudada desde 2002 por educadores membros da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, movimento da sociedade civil. Ela foi aprovada como referencial de investimento pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) e pode se tornar lei caso seja incorporada ao novo Plano Nacional de Educação (PNE). Hoje, o estado do Maranhão, por exemplo, gasta com um aluno metade do que é investido em um estudante paulista. Um dos propósitos do CAQi é acabar com essas disparidades e fazer com que os custos mínimos para garantir uma Educação de qualidade para qualquer matriculado no território nacional sejam garantidos por lei”, explicou o Prof. Marcelino. Apenas quatro estados – Acre, Espírito Santo, Roraima e São Paulo – e Distrito Federal investem os valores que o CAQi está propondo. De acordo com o Prof. Marcelino, o CAQi é a única proposta que faz um cálculo com base nas necessidades da escola e de cada um dos segmentos de ensino. O Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, por exemplo, estipula um valor por estudante. Contudo, ele é obtido com a divisão do montante de recursos disponíveis para a Educação pelo número de matrículas na rede. “É esse cálculo que determina quanto a escola vai receber, independentemente de ela precisar de uma quantia maior. Já o CAQi foi elaborado com outro raciocínio: ele estima tudo o que é preciso para que uma escola tenha condições básicas de funcionamento para que o aluno aprenda. Por exemplo: nas creches, calcula-se que o custo mínimo de uma criança por ano, atendida em tempo integral, é de 6.400 reais, em valores de 2009. Ou seja, uma unidade que tenha 100 crianças com idade até três anos teria que receber 640 mil reais anuais. Já o gasto por aluno no Ensino Médio ficou por volta de 2.380 reais por ano. Esse é um cálculo que nenhum outro mecanismo de financiamento fez até hoje”.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação surgiu em 1999 e, hoje, é considerada a articulação mais ampla e plural no campo da educação básica no Brasil, constituindo-se como uma rede que articula mais de 200 grupos e entidades distribuídas por todo o país, incluindo movimentos sociais, sindicatos, organizações não governamentais nacionais e internacionais, fundações, grupos universitários, estudantis, juvenis e comunitários, além de centenas de cidadãos.
Todavia, as entidades de representação dos professores, servidores e estudantes carecem de um instituto que se dedique ao levantamento de necessidades e estudos de impacto financeiro que faça contraponto aos dados sobre os quais os governos municipal, estadual e federal se apoiam para justificar restrições de investimento na educação fundamental, média e superior, incluindo a pós-graduada.
Concebido pelo presidente do Sindicato dos Professores das Universidades Federais de Belo Horizonte e Montes Claros (Apubh), o professor José de Siqueira, eleito Presidente de ambas as entidades, o IPE e o Instituto de Pesquisas em Educação da América Latina e Caribe (IPE-ALC) nascem como uma organização do Movimento Sindical e do Movimento Estudantil, nos moldes do Dieese e do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
A finalidade do IPE-Brasil é a de fomentar pesquisas em Educação para identificar as demandas do sistema educacional brasileiro, a partir do ponto de vista dos professores, servidores da educação e estudantes dando os meios e conhecimentos necessários para propor à sociedade soluções para os graves problemas da educação, visando o objetivo principal que é a melhoria da qualidade da educação no Brasil.
O IPE foi fundado como resultado de uma iniciativa conjunta envolvendo o Apubh, o Sindicato dos Trabalhadores nas Instituições Federais de Ensino Superior de Belo Horizonte – Sindifes/BH, o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais – SindUTE, o Sindicato dos Professores das Universidades Federais de Santa Catarina (Apufsc-Sindical), a Associação dos Docentes da Universidade Federal de Itajubá (ADUNIFEI) e entidades representativas dos estudantes, incluindo a União Nacional dos Estudantes (UNE).
Também foi fundado no dia 31de março o Instituto de Pesquisas em Educação da América Latina e Caribe (IPE-ALC) , pela APUBH, a Federação dos Docentes Universitários – (FEDUN/Argentina), a Federação de Sindicatos de Docentes Universitários da América do Sul – Fesiduas, Sindical da Universidade de Havana (Cuba) e a Associação Peruana: Universidade, Sociedade e Democracia (ASPERUSD). O IPE-ALC deverá congregar todos os IPES que se formarão nos vários países da América Latina e do Caribe.
A intenção é que o IPE-Brasil, a exemplo de outros institutos de pesquisa brasileiros, dê o suporte que os sindicatos e associações na área da educação precisam para que as suas reivindicações estejam apoiadas sobre demandas de qualidade e estudos de impacto financeiro que garantam a estas entidades um poder de negociação efetivo acima das passeatas, manifestações, protestos e marchas.
E o IPE já nasce com o aporte, além dos professores, dos nossos colegas de trabalho, os servidores técnico-administrativos e dos estudantes que são a nossa razão de ser em uma universidade.
Gostei muito do que eu vi no seminário e sinto que um novo sindicalismo e novas perspectivas estão nascendo, procurando unir professores, servidores e estudantes sobre uma causa comum: a educação no país.
Do ensino básico ao doutorado.