Conforme noticiado nas redes sociais, o Procurador Chefe da Procuradoria Federal junto a UFSC, no exercício da sua função, notificou um ex-aluno da UFSC a “se abster de usar o nome/marca/brasão da UFSC sem a devida autorização. O não atendimento imediato poderá implicar no ajuizamento das ações judiciais pertinentes, inclusive visando às devidas indenizações por dano moral e a imagem da Universidade Federal de Santa Catarina” . (obs.: O grifo não é meud+ consta no documento original da notificação.)
Como base para esta notificação, o procurador chefe menciona dois processos números 23080.059173/2013-10 e 23080.060319/2013-70 sem sequer mencionar o conteÚdo de cada um deles.
Numa primeira vista, esta notificação pode parecer apenas mais um entre tantos outros encaminhamentos que o procurador chefe analisa para a justa defesa da imagem e do bom nome da universidade. Contudo, no meu entendimento, tal notificação revela que talvez tenhamos atingido o perigoso limiar entre a liberdade e a supressão do livre pensamento e da opinião como ficará claro no que será exposto a seguir.
Da forma como está posta, nos perguntamos como pode o procurador chefe notificar o ex-aluno nestes termos sem nem mesmo embasar o objeto da sua ação, limitando-se simples e difusamente a lembrar ao ex-aluno das devidas indenizações por dano moral a imagem da Universidade Federal de Santa Catarina. Qual a intenção disso? Estamos diante de uma intimidação? é essa a forma usual de agir da procuradoria federal?
Insatisfeito, o ex-aluno procurou se instruir sobre o conteÚdo dos processos 23080.059173/2013-10 e 23080.060319/2013-70 e verificou que são denúncias anônimas feitas a ouvidoria da UFSC e repassadas ao procurador chefe contra a página da UFSCon – “Juventude Conservadora da UFSC” (http://ufscon.wordpress.com/). Segundo o ex-aluno, ao que parece, a argumentação que constitui as denúncias anônimas é sem fundamento, pois não consegue tipificar nenhum ato ilícito por parte dos textos dos articulistas da UFSCon, revelando assim, tão somente, o descontentamento e desconforto dos autores da denúncia com relação as opiniões da UFSCon. Reforça isso o fato de que se houvesse algum crime nas opiniões emitidas pela UFSCon certamente o procurador chefe junto a UFSC não limitaria a notificação a um mero caso de uso não-autorizado do nome/marca/brasão da UFSC.
Há aqui um problema gravíssimo que o procurador chefe deve explicações à comunidade universitária e que se refere ao encaminhamento de denúncias anônimas. Com efeito, vejamos o que a procuradoria geral da UFSC recomenda à ouvidoria sobre o procedimento a ser seguido nos casos de denúncias anônimas e que constitui o parecer número 014/MC/PG/08 do qual transcrevo o seguinte trecho:
“Para casos desta natureza (a denúncia anônima), é orientação da Advocacia Geral da União – em consonância com as decisões do STF sobre a matéria – de que se promova uma apuração inicial sem formação de processo ou procedimento, sendo que a diligência destinada a conferir plausibilidade dos fatos deve ser executada com prudência e descrição.
Concluída essa fase preliminar, encontrados elementos de verossimilhança, o fato deve ser comunicado ao Reitor para que formalize a abertura do processo apuratório pertinente.”
Ora, é razoável aceitar que aquilo que a procuradoria recomenda à ouvidoria seja algo a que a própria procuradoria deva se submeter. Vemos então que embora a notificação não constitua um processo (e nisso o procurador está sendo fiel ao próprio rito pré-processual) ela deixa claro tal possibilidade ao assinalar ao ex-aluno as possíveis ações legais e indenizatórias assumindo, a priori, um caráter nitidamente coercitivo e intimidatório. Contudo, se analisarmos as outras partes da recomendação citadas anteriormente, é válido questionar o procurador chefe sobre quais foram os elementos de verossimilhança que ele encontrou nas denúncias anônimas para fundamentar a sua notificação. Mais do que isso, que dê evidências inequívocas de que realmente foi feita uma apuração de modo a conferir plausibilidade aos fatos que constam na denúncia anônima. Assim, faço em público os seguintes questionamentos ao procurador chefe:
(i) Que embase a partir das argumentações postas nas denúncias anônimas feitas a ouvidoria (processos números 23080.059173/2013-10 e 23080.060319/2013-70) qual o fundamento da notificação feita pela procuradoria federal junto a UFSC.
(ii) Que explique no consiste a utilização indevida do nome/marca/brasão da UFSC, já que a menção que se faz ao nome UFSC nos termos UFSCon ou APUFSC me parecem muito semelhantes e, certamente, há textos de opinião na página da APUFSC que, dependendo de quem lê, podem ser considerados como desfavoráveis a uma pretensa “boa” imagem da universidade.
Tentando entender a atual conjuntura, comparo o tempo presente com aqueles passados nas administrações anteriores e vejo que estamos regredindo no que diz respeito ao exercício do livre pensamento na UFSC. De fato, tenho a impressão que estão proliferando junto aos órgãos oficiais da universidade denúncias anônimas motivadas por questões ideológicas ou doutrinárias. O que é inaceitável aqui não é tanto a atitude de quem faz a denúncia anônima – já que muitas vezes esse recurso é meramente um artifício criminoso para falsas acusações que nem deveriam ser consideradas – mas sim uma possível incapacidade de quem, por questão de ofício, está encarregado de comprovar a veracidade das alegações. Assim, fica a dÚvida se a manifestação desses órgãos oficiais (como no caso da notificação feita ao ex-aluno) não seja um reflexo de uma identificação com a mesma ideologia ou doutrina do denunciante anônimo. Isso só ficará claro se o procurador chefe responder de forma bem fundamentada as questões (i) e (ii).
*Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática da UFSC