Muito se tem discutido sobre o que consiste o conceito de “democracia” na universidade e como isso determina a escolha para reitor, bem como qual deve ser a representatividade de professores, servidores e estudantes em órgãos deliberativos como o CUn.
Pretendo analisar um ponto específico (entre várias outras possíveis leituras) relacionado com um obscuro “Movimento Universidade Popular” (MUP) , e de como a implementação das ideias desse movimento se misturam com a pauta de alguns grupos bastante ativos nas várias instâncias de deliberação da própria universidade.
Inicio, assim, com a questão:
A quem interessa o “voto universal” para escolha de reitor?
Como sabemos, o voto universal contraria a lei 9.912 de dezembro de 1995, que no seu inciso III afirma:
“Em caso de consulta prévia à comunidade universitária, nos termos estabelecidos pelo colegiado máximo da instituição, prevalecerão a votação uninominal e o peso de setenta por cento para a manifestação do pessoal docente em relação à das demais categorias”
Assim, em contraste com esse artigo, vemos que a defesa do voto universal tem por objetivo diminuir a representatividade docente na condução da universidade.
Para aprofundar nossa análise, eu cito aqui um trecho do texto do Prof. Paulo Philippi, “Democracia na UFSC”, disponível no boletim da APUFSC, (http://www.apufsc.org.br/noticias.php?id_noticia=307), onde lemos o seguinte sobre o “GT Endashd+Democracia” (grupo de trabalho no CUn designado pela reitora Roselane Neckel):
“Os estudantes que participam da comissão são oriundos da chapa 1 que concorreu no ano passado para o DCE com a seguinte plataforma: I) por um protagonismo estudantil autônomo atuante dentro das esferas universitáriasd+ II) pela ampliação das cadeiras estudantis no Conselho Universitário e demais órgãos colegiados visando uma representação paritáriad+ III) em defesa de projetos de pesquisa-extensão populares e IV) em defesa do Hospital Universitário 100% SUS.”
Fixemos nossa atenção no item (III): “defesa de projetos de pesquisa-extensão populares”. No que exatamente consiste isto? Para entender o que isto representa eu utilizarei um trecho de outro texto “Fundações: Um mal necessário?”( http://desacato.info/2013/11/fundacoes-um-mal-necessario/) de autoria de um grupo, também obscuro, chamado “Brigadas Populares”:
“O povo, que precisa que o conhecimento produzido por esta instituição esteja sempre conectado com os problemas sociais que o afetam e que necessitam de soluções Endashd+ não as assistencialistas, mas aquelas que vão à raiz dos problemas. O povo precisa fazer parte de todo o processo, desde a aprovação de um projeto até a sua avaliação. Só assim, quando mudarmos a atual estrutura da UFSC, teremos uma Universidade realmente a serviço da sociedade e do interesse público.”
Tal proposição, como foi posta, ou revela uma total ignorância e má-fé na compreensão do que é a universidade, qual é a sua função e a sua dinâmica, ou faz parte de um processo mais amplo que visa aniquilar a universidade na sua concepção livre, para implementar outro projeto que é autoritário e de marxização da sociedade. Com efeito, se aceitamos que a universidade desempenha o papel de desenvolver, congregar e disseminar o conhecimento, ela deve então ser organizada e dirigida pelos que detém o conhecimento, isto é, os docentes, logo, como pode alguém propor que um típico cidadão comum possa avaliar projetos cuja real valoração assume, a priori, um conhecimento que este típico cidadão não detém? Obviamente, resta então a segunda possibilidade, onde tal proposição revela-se parte de um ataque orquestrado contra a universidade como instituição que, como dissemos, é LIVRE para desenvolver e disseminar o conhecimento.
Ora, a universidade, sendo um lugar onde se desenvolve mÚltiplos saberes, exerce uma influência sobre os vários segmentos externos a universidade, sendo por sua vez influenciada pelas demandas desses segmentos. Sua finalidade Última, contudo, deve ser o desenvolvimento harmonioso de todos os estratos sociais e não o acirramento das diferenças entre esses estratos. Mas isso somente é atingido quando a universidade pode desempenhar sua função livremente, pois não há criação autêntica e eficaz que seja submetida a formas pré-fixadas e cerceadoras de pensamento. Da mesma forma, soa muito estranho a afirmação de que “o conhecimento produzido pela universidade deve estar conectado com os problemas sociais que afetam o povo, e que necessitam soluções, e de que por isso o povo precisa tomar parte nessas decisões”, pois a identificação de quais são esses problemas e quais são suas possíveis soluções passa necessariamente pelo conhecimento que emana da universidade, propriedade exclusiva dos que, por direito, tem capacidade adquirida para isso, os docentes.
A perversão desta primazia dos docentes na condução da universidade, e da imposição de dispositivos que visam cercear o caráter de livre desenvolvimento e disseminação do conhecimento, fica evidente nos dois últimos parágrafos do texto das “Brigadas Populares”, já mencionado, que transcrevo a seguir:
“Para isso precisamos transformar a estrutura burocrática desta Universidade, exigindo um compromisso de seus gestores, nunca visto nesta instituição […]. O movimento estudantil é o Único agente capaz de proporcionar estas transformações, pois nós, diferente de tantos outros […], reitoras e reitores, não temos um vínculo nefasto que amarra e distancia esta Universidade de seu real propósito É por isso que convidamos organizações estudantis/políticas, centros acadêmicos, DCE, estudantes, técnicos, professores, todas e todos que compartilham desta reflexão a assinarem esta carta e começarmos a refletir e pensar sobre uma Universidade diferente desta que temos hoje”.
Afinal, o propósito real da universidade aludido aqui é o malfadado projeto de marxização da sociedade (uma análise das propostas do MUP indica isso). Os proponentes da agenda do MUP são exatamente estes que pretendem aniquilar a universidade livre. Eis aí um exemplar simplificado, mas significativo, do que consiste o MUP e quais são alguns de seus objetivos. Não entrarei no mérito do texto das “Brigadas Populares” do quanto a atual administração central (ou as anteriores) possivelmente se distancia (distanciaram) ou se aproxima (aproximaram) deste projeto do MUP. Que cada um avalie por si.
A meu ver, reconhecendo que há um ataque do MUP a universidade LIVRE, a questão emergencial que se põe aos docentes é não aceitar o encaminhamento que o GT-democracia está dando a questão da escolha de reitor e que em breve será apresentado a comunidade universitária em relação ao voto universal (caso realmente optem por essa via). Aos docentes urge então (I) boicotar qualquer processo de escolha que lhe tire os 70% de representatividade, (II) organizar uma votação apenas entre os docentes caso o CUn insista em violar a lei 9.912 e decida pelo voto universal, e (III) questionar na justiça o processo de escolha tendo em vista o que diz a lei 9.912.
Por ora, é preciso que todos os que realmente defendem a universidade LIVRE assinem o “Manifesto a Comunidade Universitária” exigindo o cumprimento da lei 9.192. Quanto ao MUP, resta conhecer um pouco mais o que ele representa, de onde ele se origina, quais são seus objetivos e finalmente dar um basta a sua interferência na universidade.
*Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática da UFSC