No que parece ter sido um seminário LGBT para a infância, ocorrido em 15/05/2012 na Comissão de Direitos Humanos e de Educação e Cultura da Câmara, encontramos algumas declarações que merecem reflexão e que se mostram bem atuais. Analisemos cada uma delas.
1. “Trabalhar gênero e sexualidade não tem idade mínima, na verdade, a gente está falando de questões que tem a ver com todas as faixas etárias.”
Será mesmo? Afinal, existe algo óbvio nesta assertiva quanto a não existir uma idade mínima, ou faz-se alguma referência a um princípio inquestionável determinando a forma como a questão deve ser abordada? Não creio, mas, admitindo que a proposição seja verdadeira, surge uma inconsistência, pois deveria haver um elemento comum pertinente a sexualidade e que seria de interesse de todas as faixas etárias, algo que é falso e que leva a rejeição da própria assertiva. Com efeito, lidando com a infância, há um traço fundamental exclusivo desta fase que a distingue das demais fases e que remete a algo imediatamente identificado com a “inocência e pureza do mundo infantil”. Essa pureza é compreendida como excluindo qualquer desejo sexual, já que isso inevitavelmente introduz um elemento que é estranho ao mundo infantil, pois demanda um esforço de fantasia e imaginação que é incompatível com o limitado alcance cognitivo das crianças. Tal erotização das crianças, embora não ocorrendo naturalmente, pode, contudo, ser forçado por um agente externo, e é aqui que fica delineado um primeiro ataque a infância.
2. “… As brincadeiras sexuais infantis também podem envolver os outros, meninos buscando conhecer os corpos de outros meninos e meninas, e meninas buscando conhecer os próprios corpos e o de outras meninas e meninos. […] Então, quando meninos e meninas brincam, inclusive sexualmente em seus corpos, com outros meninos e meninas, eles não estão sendo gays ou lésbicas quando fazem isso com pares do mesmo sexo, não é disso que se trata. … Que deixem as crianças brincarem em paz. Isso as tornará adolescentes e adultos mais inteligentes e potencialmente mais perspicazes no enfrentamento e na transformação do mundo que lhes deixamos como herança.”
Como a citação acima fala de “brincadeiras sexuais”, parece que o sentido não inclui o simples toque ocasional e não sistemático entre crianças nas suas brincadeiras tradicionais de correr e pular, mas se refere a práticas que constituem uma iniciação precoce a auto erotização. Neste ponto, será mesmo que é parte do universo infantil a busca do prazer sexual, ou isso não seria algo antecipado da errática vida adulta? Um exemplo concreto desta perversa penetração do universo adulto no mundo infantil nós vemos na artificialidade de danças onde crianças simulam o ato sexual ao som de mÚsicas com letras de conteÚdo sexual explícito, como se elas física e psicologicamente dispusessem dos meios para isso.
Entramos aqui na mesma categoria de “atitudes sociais” ainda não formadas e que precisam ser devidamente corrigidas pela inabilidade das crianças perceberem o alcance do que fazem. No caso das “brincadeiras sexuais”, fala-se de uma pretensa necessidade da criança “conhecer” seu corpo bem como o corpo dos outros, mas se esquece que esse “conhecimento” do seu corpo e do corpo dos outros é apenas parte de um longo processo que demandará continuamente mais conscientização da criança (e a consequente perversão de seu mundo infantil) a medida que ela é estimulada nesses jogos. Assim, incidentalmente, uma criança que tenha por hábito a auto erotização deveria ser corrigida desse hábito pela total incapacidade de compreender que tal processo de auto estímulo sexual demanda uma série de pré-disposições físicas e mentais que ela ainda não possui, basta considerar, por exemplo, que o próximo estágio é passar do auto estímulo ao estímulo produzido por terceiros, o que por sua vez assume o consentimento de outra pessoa baseado no entendimento do que se está fazendo, ou seja, um discernimento que crianças ainda não tem. O absurdo desse processo se materializa na situação onde uma criança exposta a esse processo de erotização passa a ver como normal uma “brincadeira sexual” jogada com um parceiro que é agora um adolescente ou adulto, transformando assim o abjeto abuso sexual em uma mera generalização da suposta inocente (pasmem!!) “brincadeira sexual”.
A Última assertiva selecionada é bem reveladora do neo-paganismo que estamos presenciando:
3. “Cada vez que alguém vai ao fundamento dessa cultura, que é a Bíblia, e toma a Bíblia ao pé da letra, a gente pode chamá-la de fundamentalista sem medo de ser feliz.”
Do jeito que está colocado, fica evidente que toda opinião contrária a agenda LGBT será vista como fundamentalista. Temos então que sob o pretexto de se combater o fundamentalismo religioso (meramente cristão? Por que não hare-krishna, budista, ….?), que supostamente alimenta o preconceito contra homossexuais e outros tipos identificados no movimento LGBT, muitos advogam o direito de se ensinar nas escolas a forma particular com que encaram a manifestação da sexualidade e cujo conteÚdo está em franca oposição ao olhar cristão. Mas, porque haveria o movimento LGBT de ter uma primazia nesta questão a ponto de exigir que as escolas ensinem a agenda de gênero às crianças? Ora, sendo a sexualidade uma questão de foro íntimo é inerente a cada um decidir o que lhe convêm dentro de suas próprias concepções, ou, por acaso, existiria uma Única forma, pretensamente “correta” (por critérios puramente humanos), de se encarar a sexualidade? Não há! Cada um, afirmando suas convicções, pode igualmente advogar ter a visão “correta” e, neste caso, o militante LGBT ao excluir a possibilidade de haver outra manifestação positiva da sexualidade, além da sua, torna-se tão fundamentalista quanto um cristão que é acusado da mesma coisa pelos militantes LGBT.
O ponto de equilíbrio a ser buscado aqui não é uma flexibilização de um e outro ponto-de-vista, mas sim o reconhecimento que cada indivíduo expressa suas opções de foro íntimo como bem desejar. Contudo, este princípio é violado toda vez que se invoca a pseudonecessidade do Estado se intrometer na questão, institucionalizando o ensino da agenda de gênero entre crianças e adolescentes nas escolas. De fato, se o argumento é de se combater o preconceito contra homossexuais e outros tipos então o Estado deveria pensar seriamente em medidas para combater também a cristofobia, verificada em várias profanações de templos e eventos religiosos.
Assim, reconhecido que nenhum grupo tem a primazia de impor sua visão sobre o outro, é evidente que a escola pública não pode privilegiar a agenda de gênero em detrimento de outras concepções sobre a sexualidade. Aqui, se a escola pública deseja abordar a questão ela deve fazê-lo respeitando as convicções e valores que cada estudante previamente já traz de casa, dando assim liberdade para que cada um se instrua na vertente que seja mais atinada com suas convicções É necessário então que a escola que deseje abordar a questão da sexualidade seja capaz de oferecer visões que não atentem contra as convicções e valores de quem quer que seja. Assim, um estudante que seja inclinado a pontos defendidos pela dita ideologia do gênero poderia optar pela vertente apresentada pelo movimento LGBT, já um estudante que fosse cristão optaria pela vertente cristã etc..
Lembremos que ao estado laico cumpre a obrigação de atuar ao largo de questões religiosas tanto no sentido de não sofrer a interferência da religião como também de não interferir em assuntos das religiões. Assim, o Estado não pode interferir em questões religiosas dos indivíduos nem impor uma educação que de alguma forma fira os seus valores religiosos. Ora, a questão da educação sexual nas escolas públicas tem se tornado um campo para a militância do movimento LGBT como vemos nas inúmeras cartilhas distribuídas nas escolas. Em vista disso é preciso garantir o direito dos pais saberem previamente o conteÚdo a que seus filhos e filhas estão submetidos, bem como o direito de ter respeitado seus valores familiares, sendo exigido assim que as escolas ofereçam uma instrução compatível com esses valores.
Voltando aos trechos selecionados (1,2,3), eles expõem de forma clara a intencionalidade de se subverter a infância eliminando gradativamente suas características próprias como a inocência e a pureza ao permitir uma erotização das crianças antes mesmo delas terem infuso o desejo sexual. A demarcação do que seja o território que se entende por infância não é de domínio de educadores nem psicólogos, mas de todos os que lidam diretamente com crianças: pais, catequistas, professores, religiosos etc., e, assim, requer uma abordagem mais ampla.
*Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática da UFSC