Livre arbítrio na UFSC: versão DCE

Ao violarem o direito de livre circulação em um espaço públi­co, os ocupantes da reitoria demonstraram ter pouca afinidade com os princípios da tolerância e respeito. Mas, o caráter singular da universidade reside exatamente na afirmação destes princí­pios ao mesmo tempo em que transfere para o campo da argu­mentação os duros embates que se originam da construção e con­fronto de ideias. Assim, com suas ações truculentas, os invasores deixaram de lado o domínio das ideias, não insistindo mais em construir um argumento forte o suficiente para convencer aqueles com o qual divergiam e assim ganhar a discussão. Tal opção é um atestado da incapacidade de quem não acredita que pode ganhar apoio para suas reivindicações atuando exclusivamente através da argumentação.

O movimento estudantil no Brasil há muito tempo é domina­do por uma ideologia estranha ao que poderíamos esperar de um ideário estudantil diverso. Prestes, no livro “Lutas e Autocríticas” na pag. 167, já em 1963 admitia que os representantes da UNE eram fortemente influenciados pelo Partido Comunista. Será que algo mudou desde então?

Quem já se deu ao trabalho de estudar as táticas subversivas tradicionalmente usadas em sindicatos e universidades irá reco­nhecer uma delas na ocupação da reitoria. E aqui devemos ficar perplexos. A perplexidade, neste caso, não surge na forma de atu­ação das lideranças, afinal, caso sejam mesmo estudantes pro­fissionais a serviço de ideologias espúrias, até que eles cumprem bem o seu papel. O estranho é ver uma massa de estudantes que consentiu na proposição das lideranças, submetendo-se à mesma manipulação que afeta os trabalhadores, com o agravante de, pelo menos teoricamente, terem instrução suficiente para perce­ber esta submissão.

Ora, se não perceberam por falta de estatura intelectual em contrariar uma corrente de opinião monolítica que lhes seduz com utopias que são realizadas somente através de práticas au­toritárias, então, não deveriam estar na universidade pois vivem num estado de servidão intelectual e nem se dão conta que, com suas ações, negam os valores de respeito e tolerância, condição necessária para estarem na universidade. Se perceberam e con­sentiram, negaram conscientemente os valores anteriores, mas já não são de todo intelectualmente servis.

Contudo, vivem em contradição e transformam-se em elemen­tos nocivos a própria universidade pois na contradição traem o valor verdade que Jules Monnerot em seu livro, “Desmarxizar a Universidade”, identifica como outro dos pilares fundamentais da universidade.

Devemos também refletir até que ponto os estudantes com suas ações intimidatórias não estão coagindo professores e ten­tando influenciar decisões do CUn, ou de departamentos, ou da própria Administração Central. Sem esta reflexão, como distin­guiremos o limiar que separa uma reivindicação justa de uma reivindicação abusiva? Lembremos que os estudantes são um grupo transitório na universidade, sem necessariamente nenhum compromisso com ela depois de formados. Não é razoável deixar que tenham a palavra final em tudo e decidam sobre assuntos diversos. Isto é ainda mais verdadeiro em relação a esses que ocu­param a reitoria pois, ao abandonarem o campo do embate das ideias e levados pelo fascínio do totalitarismo, demonstraram não ter capacidade para fixar limite algum, afinal, mal conseguem fixar limites para si mesmos.

Falemos agora dos estudantes que não ocuparam a reitoria. Talvez tenha sido o compromisso de cada um deles com a própria formação que os levaram a continuar estudando, atarefados em seus trabalhos, listas de exercícios e se preparando para provas. Que terror! Dirão alguns. Provas e avaliações são dispositivos que subjugam os alunos supervalorizando o conteúdo e o saber em detrimento de uma formação mais humana. Mas, a crítica é descabida pois será que russos, americanos e agora chineses con­seguiram a façanha de levar homens ao espaço confiando num sistema educacional universitário corroído por princípios de cá­rater duvidoso?

No caso da brutalidade dos regimes ditatoriais comunistas não sobra muito espaço para humanismos. Também, não vemos casos de ocupação de reitorias nesses regimes, porque será? Como é bom que estes que ocuparam a reitoria não estão submetidos a uma ditadura comunista mas vivam num regime capitalista que, numa prova de extrema candura, permitem que eles realizem este abuso. Ah, sim, e o livre arbítrio do título? Ora, caro leitor, não achas que ao silenciarmos e deixarmos alguns estudantes impo­rem sua visão autoritária de mundo sobre nós, não estamos acei­tando livremente a arbitrariedade deles?

 

Marcelo Carvalho
Professor do departamento de matemática