Um dos princípios básicos que deve guiar a universidade é o da neutralidade, entendido não como um posicionamento alheio as mais variadas vertentes do pensamento ou ideologias, mas sim como algo que não privilegia nenhuma vertente em particular. Por esta ótica, não devemos esperar que um reitor pense a universidade como um “instrumento de emancipação das classes subalternas”. Com efeito, se esta fosse a “grande função de um reitor” nós seríamos levados a incômoda pergunta: “Como e em que direção se daria esta emancipação?” Não me parece óbvio que haja um consenso sobre isto e, não havendo um consenso, devemos deixar a universidade como ela sempre foi, i.e. como um celeiro de produção das mais variadas ideias que, por si só, constituem um bem comum para todos. Afinal, quando as classes menos favorecidas tiverem amplo acesso a este bem comum, elas construirão sozinhas a saída para seus problemas sem incorrer no erro da sedução do discurso de uma “vanguarda” de fanáticos iluminados que, como a história nos mostra nas nações onde tiveram êxito, apenas reduziram a classe trabalhadora a um estágio de penúria ainda maior.
É inegável que o discurso da emancipação das classes subalternas traz consigo o velho ranço da luta de classes, motor ideológico dos inveterados marxistas que ainda hoje abundam em nossas universidades. Obviamente, não há problema algum nisso contanto que este discurso fique restrito à esfera individual de cada um. Contudo, se um administrador o colocar como ponto central da sua administração ele estará ferindo o princípio da neutralidade, desvirtuando assim a função da universidade. Para o bem da própria universidade, devemos recusar um reitor cuja política institucional carregue um perfil tão ideologicamente delineado.
Causa estranheza, então, cobrar que um reitor se posicione a favor do movimento pelo passe livre, exatamente quando a liderança desse movimento termina um de seus artigos (ver http://www.fltcfloripa.libertar.org/?p=215#comments) com as palavras: “Vale à pena repetir: Que as classes dominantes tremam diante de tal ameaça! Nada temos a perder a não ser nossos grilhões!”, uma clara alusão ao que se lê no fim do jocoso manifesto do partido comunista. Da mesma forma, em nome da liberdade de expressão, é aceitável que um professor escreva artigos enaltecendo a ditadura cubana pela ocasião de seus 50 anos, ainda que seus argumentosestejam em forte contradição com a realidade, nada favorável , de abusos de direitos humanos que a ditadura castrista carrega. Contudo, o que causa mesmo estranheza é uma comunidade acadêmica ainda hoje aceitar que o ditador cubano ostente um título de doutor “honoris causa”, pelo simples fato dele ter comunizado sua nação.
Por fim, é fato que a universidade “não pode jamais deixar de levantar sua voz, fundamentada na ética e na autoridade científica, para se contrapor à destruição do tecido social humano promovida pelo capitalismo neoliberal”, como também não pode, em nome da mesma ética e autoridade científica, deixar de levantar sua voz para apontar o fracasso das alternativas baseadas nas inúmeras vertentes do socialismo que, onde foi implantado, conseguiu a façanha não só de destruir por completo o tecido social como também dizimar, em larga escala, os próprios seres-humanos que compunham este tecido. O alto custo da reengenharia social que todos os regimes ditos comunistas perpetraram e ainda perpetram (vide Cuba, Coréia do Norte, China etc.) é uma triste lembrança disso.
Tampouco pode a universidadefinanciar institutos pretensamente dedicados a pensar os problemas da América Latina, mas que o fazem unicamente sob a ótica marxista, pois,neste caso, para benefício de todos deveria oferecer também umaleituraonde a América Latina fosse pensada de forma diferente.Se estes institutos são financiados por órgãos externos fica então caracterizada uma interferência externa na universidade com fins de doutrinação.
Um dos desafios de qualquer um que pretenda ser reitor éentão a capacidade de conjugar os vários espectros de pensamento que compõem a universidade sem, contudo, deixar de defender o caráter plural e singular que reside na produção do conhecimento. Que este conhecimento, na sua origem, não seja usado como forma de impor à sociedade um modo de pensamento único, mas a permitautilizá-lo na forma como bem desejar.
Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática