A Nova Reitoria da UFSC

A Universidade Federal de Santa Catarina, ao longo de seus cinquenta anos, foi administrada por uma elite conservadora que apoiou integralmente a ditadura militar como também submeteu a UFSC a interesses de grupos econômicos e a castas políticas oligárquicas. “A universidade”, diz Maurício Tragtenberg, “reproduz o modo de produção capitalista dominante não apenas na ideologia que transmite, mas pelos servos que ela forma”.

 No entanto, já em meados da década de 1970, começa uma oposição à administração central entre os técnicos-administrativos, mais especificamente na Associação dos Servidores da UFSC (ASUFSC).  Do lado da reitoria estavam alguns chefes de setor, entre eles Nilto Parma e João Dutra, e, na condição de oponentes, os funcionários Antônio Silva e Manuel Arriaga. Enquanto Parma e Dutra se limitavam a promover festas, realizar eventos esportivos e fazer assistencialismo barato, Silva e Arriaga organizavam a luta política. Em 1978, a Associação dos Professores da UFSC (APUFSC) elege Osvaldo Maciel como seu presidente, que dará um forte impulso na transformação da universidade. Disputou o cargo de reitor contra Rodolfo Pinto da Luz, em 1984, vencendo-o amplamente entre os estudantes, parcialmente entre os docentes e perdendo fragorosamente nos técnicos-administrativos. Raul Guenther deu prosseguimento ao trabalho de Maciel, dentro e fora da universidade, sempre apoiado por valorosos companheiros/as. Jornadas históricas foram realizadas em toda Santa Catarina, quer na formulação democrática do Plano Estadual de Educação (PEE), quer na defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade. E claro, exigindo, entre outras prerrogativas, o direito de escolher o reitor em um processo justo, limpo e democrático.

 A partir de então, se acentua cada vez mais o desejo e a vontade de mudança dentro da UFSC. Eram os tempos da redemocratização no Brasil. A cada quatro anos a oposição apresentava o seu candidato a reitor, com um perfil progressista ou de esquerda, que era sistematicamente derrotado pelas forças conservadoras que utilizavam de todos os métodos para saírem vitoriosas. A velha tese de Victor Nunes Leal sempre prevalecia: tudo era permitido, desde que se ganhasse. A vitória definitiva passava uma esponja regeneradora sobre os métodos arcaicos e patrimonialistas, permanecendo apenas uma vergonha: a de perder.

 Vários candidatos enfrentaram a máquina burocrática e clientelística, como o próprio Maciel, Bolman, Scheibe, Joana e Nildo. Ouriques foi três vezes candidato a reitor, chegando a provocar um segundo turno e assustando as forças conservadoras. Toda esta luta – que significou para muitos sangue, suor e lágrimas, quando não tortura e exílio nos anos de chumbo – preparava o momento histórico para a virada. Diria que dentro de uma concepção braudeliana de média duração. Nestas campanhas, há relatos pontuais comovedores, como o da professora que saiu de uma sessão de quimioterapia e veio pedir votos, não mais pensando nela, mas em uma universidade democrática e de qualidade para a sua filha que cresciad+ como a do estudante que doou toda a sua mesada para a confecção de material de propaganda, já que na noite anterior milícias da chapa oficial haviam destruído tudo o que a oposição fizerad+ como a do técnico-administrativo que enfrentou o seu chefe e usou o adesivo do candidato de oposição, amargando posteriormente uma transferência vingativa. Eram tempos difíceis em que pensar diferente provocava perseguição.

 A vitória de Roselane/Lúcia está inserida nesse contexto histórico. Elas venceram por conta deste acúmulo de décadas. Não foi pelos seus olhos azuis ou castanhos. Elas chegaram à reitoria, agora é preciso tomar o poder para realizar todas as mudanças pedidas e sonhadas ao longo deste tempo. Para tanto, é necessário remover o núcleo de poder que por cinco décadas comandou a UFSC. A coragem para tal ato, mesmo se sentindo pequeno e incapaz diante de tamanha tarefa, se busca na luta histórica “daqueles que sofreram, trabalharam, definharam e morreram sem ter a possibilidade de descrever seus sofrimentos” (Michelet).

 Esquecer a luta pela mudançad+ conchavar com os conservadores para buscar a dita governabilidaded+ dizer que simplesmente vai dar continuidade ao trabalho das administrações anterioresd+ realizar um programa pífio de mais ética, mais transparência, mais democracia, conceitos que nada dizemd+ reproduzir internamente os esquemas intelectuais de dominaçãod+ manter a desigualdade entre as ciências tecnológicas e as humanas, significa traição.

 Espero que docentes e técnicos acompanhem mobilizados as mudanças que devem acontecer. Creio, sobretudo, nos estudantes que votaram muito mais para derrotar um núcleo de poder (via facebook) que para eleger uma candidatura. Agora, eles se dão conta de que emitiram um voto castigo e querem participar. E o podem fazer, quer se organizando, quer discutindo, quer reagindo, quer ocupando. Foi assim que eles despacharam o reitor de Rondônia.
 
Waldir José Rampinelli
Professor do Departamento de Histórica