A sistemática em vigor para a progressão funcional dos docentes da UFSC é duplamente perversa. A saturação da pontuação é uma punição ao mérito, enquanto a progressão por acúmulo de semestres (e de pontuação) é um prêmio à mediocridade. Essa segunda característica equivale a dizer a um aluno reprovado numa disciplina que a média necessária para sua aprovação será reduzida para 5 numa segunda tentativa, para 4 numa terceira tentativa, e assim por diante. Por conta desta lógica distorcida, a distribuição dos docentes pelos níveis da carreira reflete não o mérito, mas apenas o tempo de serviço. Ela leva a situações inconcebíveis, como a existência de professores associados que não satisfazem os requisitos mínimos para serem membros dos seus próprios programas de pós-graduação, ou associados em ciência básica que estão comemorando uma década sem publicar sequer um artigo científico em revista indexada − numa clara deturpação das regras estabelecidas pelo MEC para essa classe de docente. No fim, todos progridem e chegam igualmente ao topo da carreira, independente de terem feito muito ou muito pouco. A mensagem que essa sistemática passa ao corpo docente é a mais perniciosa possível. E as conseqüências são previsíveis. Não se constrói uma universidade respeitável premiando a mediocridade.
A nova proposta de progressão funcional elimina estas aberrações da sistemática em vigor, transformando a progressão dos docentes numa efetiva progressão por mérito. Essa proposta foi construída e lapidada ao longo de 3 anos por contribuições de muitos docentes, visando assegurar que a avaliação premie o mérito em todas as áreas de atuação da universidade, seja em ciência básica, tecnologia, humanidades ou artes. A proposta ainda elimina a subjetividade embutida no índice de qualidade (IQ) e a obrigatoriedade de cada docente ter que desenvolver concomitantemente os três tipos de atividades (ensino, pesquisa e extensão) para progredir. Houve, e continua havendo, tempo de sobra para discuti-la e melhorá-la.
A despeito de todas as melhorias essenciais da nova proposta, ainda há os que preferem a sistemática de progressão em vigor. Em artigo recente (1), os Profs. Gerson Ouriques e Ricardo Marinelli propõem que se mantenha a sistemática atual, modificada com a eliminação do IQ e da saturação da pontuação. Os autores não explicam porque rejeitam a nova proposta de progressão se a mesma contempla todas as modificações que defendem, e se esquivam de ir ao âmago da questão: manter a sistemática atual implica em preservar a progressão por tempo de serviço, o prêmio à mediocridade. Quando todos progridem independentemente do que fazem, não existe avaliação, tampouco prêmio ao mérito. O que dirão os alunos que avaliamos rotineiramente ao descobrir que alguns dos seus professores sofrem de um constrangedor receio de ser avaliado?
A questão da progressão funcional dos docentes tem implicações mais profundas. Docentes de ensino fundamental e médio com emprego de 40 h semanais recebem bem menos e estão em sala de aula 3-4 vezes mais tempo que seus colegas universitários. A sociedade que nos paga os salários se pergunta: por que os docentes universitários custam tão mais caro que seus colegas dos ensinos fundamental e médio e o que eles fazem de tão importante que requer tanto tempo fora de sala de aula? A resposta é simples. A missão da universidade vai além da transmissão do conhecimento. Compete a ela gerar conhecimento e formar pessoas que igualmente saibam fazê-lo. Gerar conhecimento não é tarefa trivial − toma tempo e custa caro. Se fosse fácil, não haveria paises pobres e subdesenvolvidos. Um país que quer ser soberano precisa de universidades capazes de gerar conhecimento, e essa tarefa compete primordialmente ao seu corpo docente.
Esse discurso só se sustenta se for demonstrado na prática. Quando docentes universitários exibem desprezo pelo mérito e medo de avaliações, estão apenas reforçando a suspeita de que os muros da academia escondem uma legião de marajás do ensino com dificuldades para justificar seus salários. Nesse cenário, não é de estranhar a falta de apoio que os docentes universitários tem para seus pleitos salariais, nem a baixa repercussão que o discurso sobre a importância da universidade encontra no governo e na sociedade.
A UFSC só pode ter o respeito da sociedade que lhe sustenta e o reconhecimento de sua importância estratégica para a nação se seus docentes mostram com clareza que acreditam no mérito e que não tem receio de avaliações. Quem gera conhecimento e/ou aplica-o à solução de problemas, forma mestres e doutores, e constrói a reputação da universidade com seu trabalho diário não tem porque ter medo de ser avaliado ou de uma sistemática de progressão por mérito.
Raymundo Baptista
Departamento de Física