Sobre a questão da progressão funcional

O Boletim 769 da Apufsc publica um artigo que é fruto de entrevistas expondo a opinião de  professores  de diferentes áreas sobre a questão da progressão funcional. De fato, a ideia original era de que as realidades das diferentes áreas do conhecimento fossem expostas,  contribuindo para a discussão e aperfeiçoamento de uma proposta de progressão funcional que fosse aceita pela maioria dos professores. Infelizmente, dois dos professores que poderiam contribuir para o artigo não responderam à solicitação de entrevista da equipe de jornalismo da Apufsc e ficamos sem ouvir a opinião de professores de áreas onde a atividade predominante é a extensão.

Vivemos, basicamente, 4 realidades distintas em nossa universidade. Na maioria dos centros a atividade de pesquisa caminha junto com a de ensino. Todavia, em algumas unidades de ensino quase não há atividade de pesquisa, apenas extensão. É o caso do Centro de Ciências da Saúde (CCS), onde uma parte dos professores dedica uma boa parte de suas horas de atividade ao atendimento de pacientes do HU. É também o caso de uma parcela de professores da UFSC que prioriza a extensão comunitária, cujos benefícios sociais são visíveis.  Uma terceira realidade é a que vive a área de artes, onde a geração do conhecimento é, frequentemente, consequência do próprio produto artístico (e não o resultado de um processo de pesquisa). A quarta realidade é vivida pelos professores dos novos campi que estão sob a égide do programa REUNI.

Carreira X Progressão

Alguns colegas confundem a questão da carreira com a da progressão. São duas questões distintas.

Carreira. Em nossa estrutura de carreira, da base ao topo da carreira você tem 16 degraus. Você precisa ficar em cada degrau durante dois anos e fazer um memorial e juntar comprovantes ao final de cada 2 anos para progredir. Uma estrutura que pode ser boa para uma repartição pública e para o trabalho burocrático, mas não para o professor de universidade em sua atividade acadêmica. Atualmente, há uma discussão entre os sindicatos, o MEC e o MPOG para eliminar os níveis e preservar apenas as classes, mas nada ainda se definiu como mecanismo de aceleração de progressão, que permita ao professor mais produtivo chegar aos níveis mais altos em menos tempo. Ainda que, no Brasil, isto seja feito no CNPq, esta é uma questão, aparentemente, muito complicada para uma universidade pública brasileira. A proposta original do governo (e que ninguém aceitou) é que esta aceleração seja condicionada ao mínimo de 12 horas em sala de aula no ensino de graduação.

Progressão. Os critérios de progressão funcional, os existentes e os que estão sendo propostos são internos em cada universidade e dependentes da estrutura de carreira e da legislação à ela associada. Cada instituição de ensino tem autonomia para propor os seus critérios de progressão, desde que estes critérios estejam de acordo com a legislação sobre carreira, aprovada no Congresso Nacional.

Na USP a progressão é, hoje, regida pela Resolução Nº 5927, de 08 de julho de 2011. A produção do docente é avaliada por 3 consultores Ad-Hoc, dos quais dois são externos à USP,  escolhidos por uma Comissão de Avaliação Setorial (CAS) que estabelece pesos para as diversas categorias de atividades (docência, orientação, pesquisa, extensão e gestão). Todos estes Ad-Hoc atuam na área do docente e, em consequência, reúnem (em princípio) condições para avaliar o seu trabalho com justiça. Cada Ad-Hoc dá uma nota de 1 a 5 para cada uma das categorias de atividade avaliadas e a CAS consolida estas notas e apresenta um parecer favorável ou não à progressão. É um sistema com um grande peso de subjetividade, com grandes méritos em relação ao que estamos propondo, mas também com alguns problemas. E os professores da UFSC nos disseram em nossa pesquisa de 2011 que não querem uma avaliação onde predomina a subjetividade (e os riscos decorrentes desta subjetividade). Que preferem saber de antemão o que é preciso fazer para progredirem.

Por que critérios de progressão?…

Os critérios de progressão devem ser encarados, não só como uma forma de avaliação, mas como fatores de estímulo para um direcionamento do trabalho do professor, visando a melhoria da qualidade institucional.
E as metas da UFSC (e as de qualquer universidade) são as de produzir, sistematizar e socializar o conhecimento, sobre o tripé ensino, pesquisa e extensão.
Pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB), o ensino é obrigatório e corresponde na UFSC a 20h de atividades semanais, ou 8 horas-aula em sala de aula.
Em seu sentido puro, uma atividade de extensão envolve uma forma de relacionamento com a sociedade, não necessariamente produzindo conhecimento, mas o socializando. Presentemente, há na UFSC, várias outras atividades cotidianas do professor que são classificadas como de extensão: bancas, comissões, eventos etc.
A pesquisa, ao menos a acadêmica, é fundamental para a qualidade do ensino e, ao meu ver, a atividade que precisa de um grande estímulo na universidade pois é a partir dela que o conhecimento é gerado e que, juntamente com a extensão (no sentido puro) distingue uma universidade de um colégio do terceiro grau.

Extensão X Pesquisa

É através da extensão que a universidade estabelece vínculos com a Sociedade. Deste modo, é um componente importantíssimo do tripé ensino-pesquisa-extensão da universidade e tão prioritária quanto os outras. E deve ser estimulada, sobretudo quando induz a produção de conhecimento na universidade. É o que acontece como resultados de nossos contratos com o setor de produção visando a solução de problemas específicos deste setor. É também o caso do nosso professor de Medicina quando em sua atividade de extensão atendendo pacientes do SUS, precisa se debruçar sobre a pesquisa, quando o tratamento padrão para um paciente seu no HU não está dando resultado. E Osvaldo Cruz, um pioneiro nesta área no estudo das moléstias tropicais e da medicina experimental no Brasil, não me deixa mentir neste aspecto.
Alguns colegas reclamaram da baixa pontuação para atividades de extensão (0,08 pontos contra 1,25 para atividades administrativas). Todavia, a primeira pontuação refere-se à “1 hora-atividade”  e a segunda à “1 hora-semanal de atividade“. Uma e outra forma de pontuação levam ao mesmo resultado, quando todo um semestre é considerado. De fato, 0,08 x 18 semanas = 1,44.

Publicação X Produto: a questão da área artística

A grande preocupação da comissão foi a de procurar dar o mesmo valor para méritos iguais, independentemente da área onde o docente atua. E o conhecimento é o que há em comum em todas as nossas áreas. Numa universidade geramos, sistematizamos e socializamos o conhecimento. Estamos aqui para isto.

Publicação. Revistas indexadas (no JCR), mesmo com baixo fator de impacto, são boas revistas. Um artigo classificado como C na proposta foi considerado como requerendo 18 semanas com 20h semanais de atividade (1 semestre)  levando em conta: a) o tempo que é preciso para a pesquisa em si (ela precisa conduzir a resultados originais e inéditos nunca antes publicados ou conhecidos)d+ b) que quem julga este ineditismo e originalidade são ‘referees’ especializados na área do trabalho que você está submetendo (e não um público leigo ou a opinião de um crítico)d+ c) que o julgamento não se dá sobre opiniões, mas sobre o domínio (ou falta dele) do conhecimento na área específica do trabalho que resultou na proposta de artigod+ d) o tempo que se leva discutindo com os ‘referees’ ou i) acatando as suas sugestões (e modificando o artigo) ou ii) mostrando que se está certo e eles estão erradosd+ e) que um artigo não aceito, pontua com ‘Zero’ pontos (o que não ocorre com um produto artístico, literário ou tecnológico).
Este processo de discussão com os referees é uma imensa fonte de aprendizado para o autor e, ao meu ver, uma grande fonte de estímulo para a produção do conhecimento nas áreas exatas e aplicadas. De fato, esta discussão é não só uma fonte de aprendizado para o autor, mas também para os ‘referees’, quando estes ‘referees’ têm consciência de que não são ‘Juízes’ e que sua interação com o autor tem, como grande objetivo, o avanço do conhecimento na área do trabalho.
Evidentemente, nada é exato. Um artigo classificado como C na proposta pode requerer menos ou bem mais do que 18 semanas com 20h semanais de atividade. Da mesma forma uma aquarela ou uma ‘charge’ pode requerer uma fração de hora, ou mais do que 20h, não pelo ato de produção em si, mas levando em conta o tempo que é preciso para transformar uma ideia ou um sentimento numa obra artística.

Produto. O colega Henrique Finco convenceu-me de que a produção artística é um mecanismo importante de geração do conhecimento. Mas, da mesma forma que a produção artística, a produção literária, o projeto arquitetônico e a prática da cirurgia quando envolvem pesquisa, geram conhecimento. Os contos do Borges ou os telhados verdes geram as mesmas inquietações individuais ou sociais que uma  performance ou um curta-metragem. E por que não acrescentar neste rol, a inquietação tecnológica que produz um motor a hidrogênio desenvolvido por alunos em suas disciplinas de projeto integrado, fruto da ideia e sob a orientação de um professor?…São todos produtos, apresentados na forma de uma obra que produz inquietação (transformação) individual, social ou tecnológica. Trabalhar com critérios diferentes para áreas diferentes terá o efeito de segregar estas áreas e destruir os vínculos que elas têm em comum. Seremos um ‘condomínio de áreas‘ e não uma Universidade. E, em nossos cantos, deixaremos, como estamos fazendo agora, de procurar entender uns aos outros.


A quarta realidade: os novos campi

O programa REUNI, ao menos o da UFSC, significa a aceitação por parte de nossas autoridades universitárias do conceito de ‘colégio de terceiro grau‘. Doze horas-aula semanais com turmas de 200 alunos aniquilam uma universidade. O professor reduz-se à uma condição de ‘auleiro‘ e a universidade à de ‘cursinho‘.  Não há proposta de progressão que dê conta deste recado. Mas sobra o alerta da necessidade de nossas autoridades universitárias rediscutirem o REUNI com o MEC e com o governo federal.

Conclusão

Entramos no dia 10 de maio em um período em que uma nova administração assumiu a gestão da universidade, mas a questão da progressão ainda está em discussão.
Por seus problemas (triplicidade, IQ e saturação) os critérios atualmente vigentes são não só ruins, mas injustos.
Considerando os seus objetivos, uma proposta de progressão diz respeito, sobretudo, aos professores (e não apenas à administração da universidade).

Podemos continuar com a discussão e procurar aperfeiçoar uma proposta que seja condizente com as metas de produção, sistematização e socialização do conhecimento de nossa Universidade ou corrermos o risco de ter muito pouco o que  apresentar para a sociedade que nos paga, além de nossas atividades de ensino e dos resultados individuais derivados do esforço de professores que não precisam de estímulo para serem produtivos.

Paulo C. Philippi

Departamento de Engenharia Mecânica