As greves comandadas pela “velha Apufsc”, em sintonia com os docentes de todo o país, foram de fundamental importância para criar uma carreira nacional do magistério superiord+ para permitir o ingresso na universidade por meio de concurso público, garantindo a estabilidade no empregod+ para conseguir a dedicação exclusivad+ para estabelecer a aposentadoria integrald+ para assegurar maiores investimentos na educação públicad+ e para manter a universidade pública, gratuita e comprometida com a maioria de sua população. “A Universidade”, afirmava Raul Guenther, “não foi privatizada, a Universidade não foi destruída devido à luta e à mobilização destas categorias. Por isso, quando a gente pensa na greve como forma de luta, nós temos que pensar nessa perspectiva histórica” .
Aquelas greves foram verdadeiras análises da realidade política local e nacional, das quais participavam não apenas a comunidade universitária, mas parte significativa da população de Florianópolis. “Universidade na Praça”, com os docentes dando aulas às pessoas que se aglomeravam para ver e conhecer a produção de conhecimento feito na UFSCd+ outdoors, espalhados pela cidade, informando a todos os objetivos da luta do sindicato com frases tais como “querem matar a universidade, não permitiremos” ou “se o governo topa tudo por dinheiro, nós não”d+ passagem pelos municípios que rodeiam a capital, entregando documentos aos prefeitos e às câmaras de vereadores, quando não com a oportunidade de divulgá-los à população nos finais das missas dominicais, foram apenas algumas das estratégias dos comandos locais de greve. Para tanto, “grandes caminhadas”, afirmam Célio e Marli, “foram realizadas da Universidade até o centro da Capital. As escadarias da Catedral Metropolitana e adjacências foram palco, por várias vezes, da exposição pública das demandas do Movimento Docente. Nas esquinas mais movimentadas, ampla panfletagem era realizada. Na Praça XV de Novembro, em meio ao público, professores tratavam de realizar dadas atividades, divulgando, assim, realizações da UFSC” .
Na sede da “velha Apufsc” havia um movimento constante de pessoas quase que 24 horas diárias com reuniões, com feituras de cartazes e, principalmente, com elaboração de documentos que serviam para aprimorar o debate, não apenas por aqui, mas em todos os sindicatos do país. Exercia-se um protagonismo nacional, tanto que o primeiro presidente da Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior foi o professor da UFSC Osvaldo Maciel. Quando o governo afirmava categoricamente que havia feito a última proposta aos grevistas e que se negava a manter aberta a mesa de negociações, as lideranças redobravam o trabalho e quase sempre se abriam novas perspectivas de diálogo. Foi assim, com muita luta e muita resistência, que se tornaram realidade algumas de nossas conquistas históricas.
Diferentemente de todas essas lutas anteriores e aproveitando-se de mudanças de conjuntura, do novo perfil de docente que passou a entrar na universidade e de equívocos cometidos pela “velha Apufsc”, surge um movimento conservador, com alguns componentes fascistas , que vai desembocar na “nova Apufsc”, abandonando totalmente a concepção de sindicato de luta, de resistência e de classe. No entanto, nem de resultado se tornou a “nova Apufsc”, pois a recuperação da URP tão prometida, e até assegurada em conversas privadas por seu primeiro presidente, Armando de Melo Lisboa, não se concretizou. A grande realização deste sindicato foi a de levar a sede da associação para dentro de um shopping na Trindade, afastando a diretoria do contato direto com os professores. Nas palavras de Saramago, talvez se goste tanto de lá que suas cinzas sejam, um dia, espargidas pelos corredores das lojas.
A primeira greve comandada pela “nova Apufsc” foi um desastre total, já que o comando local, juntamente com a diretoria, sempre esteve contra a própria greve. Dos três integrantes, muitas vezes estavam dois na sede da associação e, literalmente, atabalhoados, perdidos, soltando palavras ao vento. Não bastasse isso, não produziu nenhum documento relevante sobre este movimento, que se espalhou rápido e forte em todo o paísd+ não soube conduzir as assembleias analisando e relatando a conjuntura nacional dos docentes, tanto que (pasmem!) as redes de televisão davam mais informações que o próprio sindicatod+ não manteve contato direto com as universidades para avaliar com outros dirigentes a situação no Brasil, buscando um quadro fidedigno à realidaded+ não teve a visão histórica, característica dos grandes líderes, de superar suas desavenças raivosas com o Andes-SN, antepondo a qualquer divergência os interesses primeiros da categoria dos professoresd+ não buscou equilíbrio emocional para administrar posições divergentes quando as mesmas surgiramd+ não repassou todas as informações de que dispunha, sonegando aquelas que não lhe interessavamd+ não praticou a democracia nas assembleias, ao encaminhar propostas de acordo com seus interesses, chegando a interromper uma AG abruptamented+ enfim, o comando local de greve não soube conduzir o movimento que representava a categoria dos docentes e ficou extremamente satisfeito quando a greve chegou ao seu final.
A grande lição desta greve fracassada na UFSC – e forte em quase todo o país – é a constatação da necessidade urgente de superar este sindicalismo de maus resultados, de atitudes autoritárias, de isolamento cada vez maior e que representa cada vez menos a categoria dos docentes. O que chama a atenção é o número aproximado de 500 professores que entraram na UFSC nos últimos concursos realizados e não se filiaram à “nova Apufsc”, apesar de representantes deste sindicato terem feito proselitismo, à convite da gestão Prata-Paraná, quando do encontro dos novatos para informações sobre a universidade no auditório da reitoria. Além disso, este sindicato aposta na despolitização dos filiados, eliminando os seus antigos instrumentos de publicação, como revistas, jornais e programas no rádio e na TVd+ não se relaciona com outros movimentos da cidade e da regiãod+ compra imóveis de alto valor sem consultar os filiados, realizando, a meu juízo, operações perigosasd+ viola o próprio Estatuto ao se dar conta de que a criatura se voltou contra o criadord+ envergonha a categoria ao representá-la nos eventos oficiais, como no discurso de um membro da diretoria na posse da nova administração da UFSC, parecendo-se o mesmo muito mais a um pastor que a um professord+ enfim, tocamos no fundo do poço no que se refere a um sindicato de docentes de ensino superior.
É hora de pensarmos em uma mudança radical neste sindicato que escapou das mãos dos conservadores, tornando-se cativo de uma nova direita , para que ele possa representar decentemente todos os seus filiados. Afinal, somos responsáveis por este arremedo que se criou, quer com o nosso consentimento, quer com o nosso voto, quer com nossa omissão. Lembro que a gestão Prata-Paraná apoiou entusiasticamente a criação da “nova Apufsc” por meio de seu chefe de gabinete, assinando a postulação desta associação. Agora, parte do neopratismo, envergonhada da criatura gerada mas sem fazer autocrítica, ou foi para a oposição à “nova Apufsc” ou se filiou ao Andes-SN da UFSC.
É hora de construir um sindicato nacional, democrático, representativo, livre e libertador de sua categoria na UFSC.
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[1] GUENTHER, Raul. A Apufsc na Nova República – de Associação a Sindicato. Plural , n. 6, p. 30,1995.
[1] ESPINDOLA, Céliod+ AURAS, Marli. Movimento docente na UFSC – os longos anos oitenta. In: RAMPINELLI, W. J.d+ OURIQUES, N. Crítica à razão acadêmica : reflexão sobre a universidade contemporânea. 2 ed. Florianópolis: Insular, 2012, p.186.
[1] Refiro-me ao furioso preconceito contra negros, indígenas, pobres, mulheres, bem como contra as pessoas que assumem publicamente uma ideologia de esquerda ou uma diversidade sexual. A verdade dos fascistas não consiste em uma ideia verdadeira, mas sim em uma ação verdadeira, sendo verdadeira toda aquela atitude que seja eficaz. Na definição de João Bernardo, é “uma revolta dentro da ordem”.
[1] Enquanto o pensamento conservador defende o status quo , aceitando as normas democráticas burguesas, já a nova direita se utiliza do golpismo para atingir seus objetivos estratégicos, desprezando completamente a democracia representativa.
Waldir José Rampinelli
Professor do Departamento de História