Nos termos da constituição brasileira, as universidades devem se pautar pela indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. A predominância do regime de dedicação exclusiva dos docentes, em instituições como a UFSC, torna indispensável essa exigência. Sem ela a universidade pode se isolar em algumas torres internas de marfim.
De outo lado, em recente apresentação na FIESC, o ex-reitor Álvaro Prata relembrou estatísticas que mostram uma inversão entre a situação brasileira e aquela que ocorre em países economicamente mais desenvolvidos. No Brasil, cerca de 70% dos cientistas inovadores estão nas universidades. Em países tecnologicamente mais avançados esse mesmo percentual está nos sistemas produtivos externos de bens e serviços.
Os modelos de interação universidade-sociedade diferem significativamente nestas situações tão díspares. Assim as universidades de ponta dos Estados Unidos podem concentrar seus esforços na pesquisa básica e aplicada porque o setor produtivo tem capacidade para desenvolver as tecnologias necessárias para atender às demandas da sociedade. Neste modelo mais linear, conhecido como árvore da ciência, os frutos são os serviços e bens adequados para aquele país.
Países como o Japão e a Coreia do Sul precisaram adotar outros modelos. A chamada árvore da tecnologia parte das demandas existentes na sociedade e trabalha no sentido inverso, construindo estruturas adicionais às universidades, os centros de tecnologia, para gerar conhecimentos mais apropriados para os setores produtivos. O Brasil precisa criar seu próprio modelo.
A sociedade brasileira tem potencial para aspirar uma posição de vanguarda no mundo atual. Acredito que suas universidades podem dar uma efetiva contribuição com conhecimentos relevantes para atender suas necessidades de qualidade de vida. Para isto é imprescindível uma crescente interação entre a pesquisa e as demandas sociais e ambientais da nação. Uma pesquisa alienada resultará em um ensino alienante, como bem coloca o professor Silvio Paulo Botomé do CFH.
Atuando na direção de uma fundação de apoio da UFSC desde 2008, tenho constatado o grande esforço de muitos professores em buscar recursos extra-orçamentários para viabilizar suas pesquisas. A rápida evolução das ciências exige uma constante renovação de seus laboratórios. O envolvimento dos alunos torna-se bem mais eficaz quando os temas dos projetos estão mais vinculados com suas futuras atuações profissionais.
Tais pressupostos de necessidade premente de envolvimento externo estão esbarrando atualmente e de forma crescente nos procedimentos adotados na UFSC para o tratamento dos direitos de propriedade intelectual. Segundo consta do site do IBPI, o instituto brasileiro que trata deste tema, as universidades estão passando a ser usuárias desse sistema de proteção na medida em que vislumbram obter rendimentos para custear suas atividades. Para o IBPI, o caráter nitidamente empresarial e concorrencial desse ramo do direito, parece inadequado para o ambiente universitário e alerta para o novo espírito mercantilista que adentra as universidades.
A propriedade intelectual se subdivide em direito autoral e propriedade industrial. As universidades, especialmente as públicas, são os locais por excelência das inovações científicas que geram direito autoral por meio de publicações. Segundo a legislação, os direitos morais de autor são de caráter inalienável, imprescritível e irrenunciável. As inovações em produtos, processos, sistemas e negócios, geradas nas universidades, podem ser patenteáveis, mas os direitos gerados raramente são comercialiazáveis, gerando rendimentos futuros.
O Instituto Nacional de Propriedade Industrial, órgão que analisa os pedidos de patente, demora cerca de cinco anos para conceder o respectivo registro. Com a evolução cada vez mais rápida da ciência e da tecnologia, torna-se bastante provável que a obtenção desses direitos resulte em uma típica vitória de Pirro, pois a correspondente tecnologia já estará obsoleta. Também é inócuo um registro de patente apenas no Brasil.
Por estas razões, a USP adota uma política de propriedade intelectual caracterizada pelo apoio às iniciativas dos seus professores. Tanto no direito autoral, como no campo industrial, os setores especializados daquela conceituada Universidade prestam auxílio para que a comunidade universitária obtenha os devidos registros junto aos órgãos competentes, no Brasil e no exterior.
Na UFSC ocorreu um processo benéfico de conscientização que culminou com a Resolução 14/2002 do Conselho Universitário e a criação do Departamento de Inovação Tecnológica (DIT), que tem a excelente missão de estimular e fortalecer as interações da UFSC com entidades externas e contribuir para a transferência de resultados das pesquisas acadêmicas para a sociedade que custeia as universidades públicas.
Infelizmente, decorridos dez anos, a regulamentação da UFSC já necessita de atualizações. A edição de leis sobre inovação pelos governos federal, estadual e municipal e a prática de sua implementação estão exigindo novas interpretações, mais consentâneas com a realidade atual da propriedade intelectual numa universidade realmente pública.
Com base em interpretações genéricas da legislação e da regulamentação, a Pró-Reitoria de Pesquisa editou o Memorando Circular 005 de 08/08/12 que relaciona cinco motivos e conclui pela frustrante impossibilidade de participação dos professores da UFSC em editais do setor elétrico brasileiro que tenham a forma do Concurso 12/07579 da CELESC.
Não tenho conhecimento de que este posicionamento da UFSC tenha sido adotado em outras IFEs brasileiras. Em Minas Gerais, consciente da importância estratégica do aumento da eficácia da CEMIG para todos os mineiros, a FAPEMIG divulgou um Edital conjunto, destinando um volume adicional de R$ 10 milhões, totalizando R$ 30 milhões para projetos de pesquisa e desenvolvimento.
Raul Valentim da Silva
Professor aposentado