As cotas são a solução?…

Ainda que seja a favor de ações afirmativas, sou contra cotas. Tanto as sociais quanto as raciais. Mas acredito que, com a nova “Lei das Cotas”, a questão a ser discutida seja sobretudo a das cotas sociais.

E limito-me à elas.

Na lei das cotas aprovada no congresso e sancionada pela Dilma: a) 50% das vagas são para alunos oriundos da escola públicad+ b) a metade destes 50% são para alunos oriundos de famílias com rendimento per-capita inferiores ou iguais à 1,5 salários mínimos.

Quanto às cotas raciais elas são uma fatia de cada um destes 25% definida de acordo: i) com a proporção de negros (ou índios) em cada estado e ii) com a renda familiar.

Mas se você é negro e fez o ensino médio na escola privada, você não tem direito às cotas, na nova lei.

Deste modo, na situação presente, preocupa-me muito mais a universidade pública estar sendo usada para sanar uma deficiência do ensino público fundamental e médio, do que as cotas raciais em si. Não é para isto que a universidade existe e a consequência, ao menos a médio prazo e longo prazo, será o enfraquecimento da universidade pública e o (consequente) fortalecimento das instituições privadas de ensino superior.

Uma coisa muito parecida com o que ocorre hoje com o ensino fundamental e médio: você deixa de viajar nas férias e até vende o carro e anda de ônibus, mas você faz o que pode para que o seu filho não ‘caia’ no ensino público (e ele só vai para lá quando você não tem outra alternativa).

Qual a razão das cotas: a) uma vontade política de inclusão do pobre na universidade favorecendo a diversidade ou b) um ensino publico fundamental e médio ruim ?…

Ninguém irá certamente discordar que a segunda alternativa é a correta.

O bom ensino . O estudante pobre estaria incluído na universidade pública se o ensino público fundamental e médio fosse bom. Mas o que é o bom ensino?…É bom o ensino privado ou apenas deixa os estudantes mais aptos para as questões do vestibular?…

Só existe um bom ensino: aquele que dá autonomia ao estudante. Desta forma, não existem duas boas formas de ensinar física. Apenas uma!… Aquela em que o aluno entende e domina os princípios. Toda a cinemática se baseia em dois conceitos: o de “velocidade” e o de “aceleração”. O que vale mais a pena: ensinar estes conceitos ou as “receitas” que permitem que você calcule a velocidade e o deslocamento de um veículo em “movimento retilíneo uniformemente acelerado”?… E nisto o Feynman não me deixa mentir. Em uma de suas palestras quando no Brasil: “O principal propósito da minha apresentação é provar aos senhores que não se está ensinando ciência alguma no Brasil!”. O que vale mais a pena: contar a história do Egito ou discutir sobre as pessoas, os métodos e os dados que foram usados para que a história do Egito viesse à luz?…Como ensinar princípios e não “receitas” com mestres que não têm tempo para irem além das “receitas”?… Que se prostituem em 3 turnos para poderem sobreviver?…

Está aí, ao meu, ver a raiz do problema e a razão do insucesso de nossas escolas públicas em fazer aprovar os seus estudantes em nossos vestibulares.

O tom . Mais grave do que isto: diferentemente do que acontece nas universidades, não é a escola pública que “dá o tom”, que estabelece os critérios de qualidade no ensino fundamental e médio. Por falta deste “tom” o ensino privado, especialmente o médio, virou mercadoria e as escolas privadas são, hoje, “shoppings” onde os produtos são vagas na universidade. E agradeço ao Reinaldo Haas, nosso colega no Departamento de Física por me alertar sobre este ponto.

As cotas são a solução?…

O calote . E aqui cabe uma segunda pergunta: ‘É função da universidade (pública) suprir a deficiência de formação do estudante oriundo do ensino médio? …’ Se você responder sim, estará atribuindo à universidade uma função que não é dela e sim das instituições de ensino médio e fundamental (ou seja, do Estado ). O número de vagas na universidade pública é limitado. A universidade é elitista e assim deve ser. Deste modo, entram na universidade os estudantes mais capazes ou com melhor formação. Há certamente estudantes capazes nas escolas públicas e privadas, mas com má formação. E este problema é muito maior nas públicas. E isto (deficiência de formação ) é um problema que o Estado deve resolver. Uma dívida que precisa ser paga. Todavia, feito ‘caloteiro ‘, o Estado,  longe de pagar esta dívida, a rola sobre nós (sobre a universidade pública ).

As cotas são a solução?…

Partidos . Você nunca vai ouvir da boca de um político que ele defende as cotas sociais porque o ensino público fundamental e médio é medíocre. Ele dirá, sim, que as defende porque “quer ver o pobre na universidade “. Pura mentira!…O que ele quer é o voto do pobre (a grande maioria do povo )!…E aí adota um discurso de ‘inclusão e diversidade ‘… Quando o partido deste político é o governo e sua base de apoio é maioria no congresso, ninguém da oposição correrá o risco de votar contra. Isto seria suicídio eleitoral. O governo e sua base defendendo a inclusão do pobre na universidade e você votando contra isto?…”Você é louco?…Quantos votos você acha que irá perder nesta história?. ..”

Fatalismo? … Dou aulas para a terceira fase e com a experiência de  43 anos de magistério, consigo distinguir os cotistas pela forma como eles me fazem as perguntas e pela forma como respondem. Percebe-se, é verdade, um esforço maior em tentar aprender de alguns e alguns alunos entre estes cotistas são muito inteligentes. Mas a maioria deles ou desiste da disciplina ou é reprovada. Por enquanto eles são uma pequena fatia em cada turma e consigo dar fluxo para a disciplina, apoiado na maioria (meus índices de aprovação têm sido de 60-70% ).  Mas nenhum professor consegue dar uma aula para uma turma que pouco entende do que ele está falando. E daqui a alguns semestres a metade dos meus alunos serão cotistas. Não haverá como dar fluxo à disciplina, a não ser baixando o nível (e exigindo menos ). Isto significa redução da qualidade dos nossos formandos (e a redução da sua competitividade no mercado de trabalho ). E daqui a alguns anos, as boas universidades serão aquelas onde só filho de rico entra (as públicas serão…’para dar diplomas’ e uma “outra cara” para as estatísticas do IBGE).

Estou sendo fatalista?…

Tá bom. Ainda não sendo a solução, a lei das cotas é só por dez anos. Em dez anos o Estado brasileiro vai criar vergonha, tomar jeito e teremos um ensino público fundamental e médio de qualidade. Mais importante que isto, será ele que dará o “tom” para o ensino privado, com professores bem pagos e orgulhosos por estarem ensinando as nossas crianças e jovens (e não sendo obrigados ao papel de “putas” em 3 períodos) .

E daí não precisaremos mais de cotas.

 

Paulo Cesar Philippi

Departamento de Engenharia Mecânica