O Estupro da Universidade: o projeto da Universidade Popular e o caso da UFRJ

Em um texto recente, “O Fascínio da Greve”, expus dois grupos de docentes segundo a forma como cada um deles concebe o sindicato, identificando um tipo de docente que se vê iminentemente como um ativista cuja função é transformar a sociedade (dentro de uma ótica marxista, embora muitos nem estejam cientes disso), mesmo que na consecução deste projeto ele venha a comprometer boa parte de seu tempo, que poderia ser melhor empregado em atividades de ensino, pesquisa e extensão. Este docente-ativista atua no sindicato inicialmente tomando o poder do sindicato e, posteriormente, transformando o sindicato num super-sindicato, que age muito além das questões inerentes a carreira docente, deformando a função do sindicato como um órgão de defesa dos direitos da categoria para torná-lo refém de uma estreita concepção político/ideológica. Um exemplo de uma central sindical que atua movido por questões político-ideológicas nós vemos na Conlutas, a central sindical capacho do partido nanico PSTU, e como exemplo de sindicato político-ideologizado nós temos a ANDES, filiado à Conlutas. A prova da inclinação político-ideológica de ambos é fácil de ser percebido da leitura dos documentos e objetivos dessas organizações.

Mas, será que a ação deste docente-ativista se dá unicamente no aparelhamento do sindicato? Provavelmente não.  Vemos que há ativistas tanto entre os STA’s (servidores técnicos administrativos) quanto entre os estudantes e, em conjunto com os docentes-ativistas, estes ativistas têm um interesse em ocupar posições-chave nos órgãos colegiados da universidade. Não é de se estranhar que tais segmentos demonstrem tanta rejeição à lei que determina que em consultas a comunidade universitária seja dado um peso de 70% a manifestação dos docentes1, pois tal qual o super-sindicato defendido pelo docente ativista, a universidade também pode ser instrumentalizada para o projeto (marxista) de transformação da sociedade. Neste caso, basta ter o poder dos órgãos colegiados onde são feitas as deliberações.  Há um nome bem apropriado para o projeto desses ativistas que leva a um verdadeiro estupro da universidade, pois perverte e corrompe a natureza da universidade submetendo-a a um projeto político-ideológico (marxista): a Universidade Popular.

A fim de ilustrar para os perigos do avanço deste projeto abominável da universidade popular que se concretiza no domínio dos órgãos colegiados da universidade, finalizo com uma carta de um grupo de professores eméritos da UFRJ, endereçada ao ministro da educação, que sinaliza o estágio avançado em que se encontra este projeto espúrio da universidade popular na UFRJ (o texto em destaque não está presente no texto original)

CARTA DOS PROFESSORES EMÉRITOS DA UFRJ

Exmo. Sr Ministro da Educação

Professor Renato Janine Ribeiro

Esplanada dos Ministérios, Bl. L – 8o Andar – Gabinete 70047-900 – Brasília – DF (e-mail: [email protected])

Rio de Janeiro, 20 de agosto de 2015

Senhor Ministro,

Na qualidade de Professores Eméritos da UFRJ trazemos à sua atenção nossa profunda preocupação com episódios recentes que vêm ameaçando a nossa Universidade enquanto instituição de ensino, pesquisa e extensão de qualidade. Nossa preocupação vai além da quase completa paralisação das aulas e atividades administrativas numa greve que já dura 3 meses. Greves por longos períodos já ocorreram no passado, mas o que presenciamos agora é de gravidade sem precedentes: a transformação de instâncias sindicais em canais de tramitação dos procedimentos acadêmicos, e de decisão sobre questões da alçada do Conselho Universitário e do próprio Reitor.

Relatamos a seguir apenas dois exemplos de episódios recentes de nosso conhecimento:

1) Foi negado o pedido de afastamento do país de docente visando participar de evento científico representando a UFRJ. O processo seguiu as etapas iniciais de avaliaçãod+ porém, antes de ser encaminhado à Reitoria, duas entidades ligadas ao SINTUFRJ (Sindicato dos Trabalhadores em Educação da UFRJ), “Comando Local de Greve” e “Comissão de Ética” sentiram-se no direito de analisar e negar o afastamento por não considerá-lo uma atividade essencial. Solicitações análogas de outros docentes tiveram o mesmo desfecho. Na prática isto representa uma usurpação, aparentemente consentida, da autoridade da Reitoria, à revelia de qualquer norma ou regulamento da Universidade.

2) Em reunião do Conselho Universitário de 13/08/2015, o professor Afrânio Kritski, diretor da Faculdade de Medicina e com aprovação da respectiva Congregação, solicitou posicionamento do Conselho Universitário, órgão colegiado máximo da UFRJ, sobre o reinício das aulas na sua Unidade, conforme desejam seus professores. Em resposta, o Pró-Reitor de Graduação, professor Eduardo Serra, informou que o Conselho de Ensino de Graduação deliberou que excepcionalidade deste tipo deveria ser encaminhada ao CLG (Comando Local de Greve), procedimento acatado pelo Reitor, não incluindo o assunto na pauta do Consuni.

Entendemos que a avaliação de questões acadêmicas por instâncias de caráter sindical, como o “Comando Local de Greve” e a “Comissão de Ética”, invertem a prática universal em instituições de ensino e pesquisa do julgamento pelos pares, inviabilizam a convivência universitária sadia e prejudicam gravemente a reputação da nossa Universidade.

A UFRJ segue uma rota perigosa, que em breve poderá tornar-se irreversível. Certos de sua compreensão sobre a gravidade da situação institucional vigente, contamos com sua ação pronta e enérgica no sentido de apurar as responsabilidades por episódios como os descritos e regularizar os procedimentos acadêmicos da UFRJ.

Fonte: http://infogbucket.s3.amazonaws.com/arquivos/2015/08/27/carta_emeritos.pdf

Nota:

1. Há uma justificativa plausível para a lei que determina um peso de 70% para a manifestação dos docentes em consultas feitas a comunidade universitária. Ora, se universidade tem um perfil acadêmico medíocre é certo que a opinião pública responsabilizará majoritariamente o corpo docente e não os STA’s. Ou seja, o que determina efetivamente uma universidade ser medíocre é a qualidade do trabalho docente, independente da qualidade com que os STA’s e os alunos desempenham suas atividades. De forma bem concreta, ainda que uma universidade tenha uma maioria de STA’s que desempenham um serviço de altíssima qualidade e eficiência, se os docentes não desempenham bem sua função a universidade não formará bons alunos, nem produzirá conhecimento de qualidade que devolva a sociedade o investimento que ela fez. Assim, é natural que se tamanha responsabilidade recai sobre os docentes, eles devem ter um peso maior na condução da universidade. Obviamente, se a mediocridade é fruto da péssima função desempenhada essencialmente pelos docentes, conclui-se também que a qualidade acadêmica de uma universidade é fruto primordialmente associado ao trabalho docente, o que mais uma vez justifica um peso diferenciado dado aos docentes nas instâncias de deliberação.

*Marcelo Carvalho

Professor do Departamento de Matemática da UFSC

 

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