Não Esquecemos. Não Perdoamos! A Traição Comunista de 1935

Os eventos ocorridos entre os dias 23 e 27 de Novembro de 1935 em Natal, Recife e Rio de Janeiro, conhecido pelo nome de “Intentona Comunista”, marcam a primeira tentativa de tomada de poder pelos comunistas. Evento descrito no meio militar como traiçoeiro e infame, verifica-se hoje uma tendência revisionista de “diminuir” o significado golpista da intentona comunista colocando-o na mesma categoria dos movimentos e revoltas contra o governo durante a década de 20 e início da década de 30 e que eram de cunho eminentemente político. Nesta ótica, a intentona constituiria “uma luta nacional anti-imperialista que implantaria um governo popular, evitando assim a “fascistização” do governo Vargas”, iniciado com a revolução de 1930. Tal leitura, contudo, não encontra respaldo na análise dos fatos e por isso não se sustenta. Com efeito, em linhas gerais, a intentona comunista de 1935 representa um fato novo entre as várias revoltas do período republicano, pois se enquadra nas ações fomentadas pelo Movimento Comunista Internacional com intuito de submeter às nações ao comunismo, isto é, seu foco principal não era político, mas de natureza estrutural e ideológica. Assim, a intentona comunista de 1935 foge ao caráter das revoltas no período de 1922 a 1930 pela própria declaração de seus objetivos e daquilo que ela articulava. Faremos aqui uma breve análise do evento, contrapondo algumas leituras.

Em depoimento coletado no livro “Prestes: Lutas e Autocríticas”, Prestes afirma:

“… em torno do levante de 35 há uma mentira que precisa ser esclarecida. A história oficial diz que Moscou determinou o levante. Não é verdade É uma mentira. Foi o Comitê Central do nosso partido que optou e se decidiu pelo levante. Nosso partido concluiu que havia condições para chegar ao poder, particularmente porque a ANL gozava de grande prestígio e foi colocada arbitrariamente na ilegalidade por GetÚlio. A ANL foi a frente Única mais ampla que já houve no país: era uma frente democrática, contra a fascistização do país, que tinha como plano a revolução nacional libertadora, antiimperialista e antilatifundiária.”

Para fixar idéias, lembremos que a revolta de 1922, ao qual se seguiu as revoltas de 1924 e 1926, foi um sintoma de uma crise do sistema político que teve seu auge na revolução de 1930, culminando com a ascensão de Vargas ao poder. Este processo revolucionário representou o fim da chamada Velha República e trazia consigo uma vontade de mudar, entre outras coisas, a estrutura política e eleitoral que se mostrava até então viciada. Como diz Ferdinando de Carvalho [1]:

“Reivindicavam os liberais uma total remodelação do quadro político nacional, com a erradicação do sistema viciado pelo coronelismo e pela sistemática fraude eleitoral. Vários elementos comunistas pretendiam associar-se a essa corrente, a fim de aproveitar-se de seu conteÚdo revolucionário, mas essa atitude, tachada de “reboquista” era combatida dentro do próprio partido.”

Vargas, tentando consolidar sua liderança em vista da crise que desta vez convergia na sucessão de Washington Luís, coopta vários “ex-tenentes” convidando-os para postos de confiança. Assim, entre dezembro de 1929 e janeiro de 1930, Prestes encontrou-se secretamente com GetÚlio Vargas que lhe havia prometido um alto posto militar no movimento que levou a revolução de outubro de 1930. Prestes recusou e, gozando de um grande prestígio junto à opinião pública devido a sua participação na Coluna “Miguel Costa-Prestes”, rompe com seus antigos companheiros “tenentes” e, numa carta aberta de março de 1931, afirma ter aderido ao “internacionalismo proletário”.

Lembremos que o Partido Comunista Brasileiro já havia sido formado em 1922. Contudo, faltava aos quadros do partido à disciplina e os conhecimentos necessários para avançar a revolução comunista. São enviados então ao Brasil agentes do Komintern, entre eles, Harry Berger, cujo nome verdadeiro era Arthur Ernst Ewert, agente alemão bem-versado na organização de golpes subversivos, e Olga Benário. Sobre Olga, sabe-se que ela ingressara na Juventude Comunista na Alemanha e, com o fracasso da revolução na Alemanha, foi levada em 1928 a então URSS onde passou a fazer parte do setor de propaganda e agitação da Konsomol (Juventude Comunista Internacional). Sendo casada com B.P. Nikitin, secretário de um comitê da Konsomol, deixa seu marido russo para acompanhar Prestes ao Brasil. Conta-nos Agnaldo Del Nero Augusto [2]

“O Komintern não poderia entregar, sem controle, a revolução comunista brasileira a um homem que até aquele momento sequer pertencia aos quadros do partido. Controlar esse homem, portanto, era a missão prioritária de Olga, que também teria a seu cargo a segurança de Prestes. Assim, acompanhou-o ao Brasil, entrando na história-cobertura como mulher dele. Olga Bergner Villar, casada com Antônio Villar. Olga seria a sombra de Prestes, criada pela luz de Moscou.”

Para a execução do empreendimento golpista faltava ainda uma entidade mais robusta e atuante do que as tradicionais “frentes únicas”, “ligas” e “sindicatos” que aparelhadas pelos comunistas atuam a nível da “agitprop” (agitação e propaganda). Era necessário algo mais para criar tensões e crises, elementos que criam o ambiente favorável para uma insurreição armada É aqui que surge a ANL. Conta-nos Ferdinando de Carvalho [1]

“Não existe revolução espontânea”, dizia Lenin.“é preciso que se construa uma situação em que os fatores da crise estejam tão aguçados que a insurreição se desencadeie pelo motivo mais fÚtil”.

Os comunistas elaboraram uma concepção maquiavélica: a “teoria da transformação das revoluções”. Segundo este conceito, as massas são conduzidas à rebelião por ideais liberais e democráticos. Depois, através de uma radicalização das ações ou desmoralização da própria revolução, as massas passam a apoiar os extremistas vermelhos. Uma operação dessa natureza tencionavam aplicar em nosso País.

Com esses objetivos, surgiu em março de 1934, a Aliança Nacional Libertadora, fundada com o ostensivo apoio do PCB. Com um programa figuradamente liberal, tinha em vista amalgamar toda a organização subversiva e esquerdista, levantando reclamos radicais, excitando as massas a uma demagogia impressiva. Foi lançada através de um Manifesto á Nação, assinado por vários militares e civis […]”

Em sua análise, Ferdinando de Carvalho continua, dizendo

No mundo bolchevista, a ANL surgia como uma estrela de primeira grandeza. Era a vanguarda do Movimento Comunista Internacional na América Latina. Concretizava um dos objetivos do Komintern que assim se expressou:

“A missão dos comunistas no Brasil é expandir a ANL, a fim de gerar um levante nacional, baseado no programa popular revolucionário contra os bandidos imperialistas e contra o governo de dominação reacionária encabeçado por GetÚlio Vargas”. [1]

Vemos então que a ANL congregava um amplo espectro político, nitidamente de esquerda, mas não exclusivo a comunistas, embora estes atuassem para ser a força dominante. De fato, na sua primeira reunião pública no teatro João Caetano no Rio de Janeiro, Prestes foi aclamado presidente de honra da ANL.

O papel subversivo da ANL se verificou em inúmeras cidades brasileiras,

“Sua pregação perniciosa e ameaçadora levantou protestos e apreensões. Não se escondiam suas intenções de congregar todos os descontentamentos, de inflamar todas as insatisfações para fomentar a subversão”. [1]

Já a ilegalidade da ANL ocorre após um manifesto onde ficava explícito o caráter marxista-leninista da Aliança. Neste manifesto, Prestes acusava Vargas de fascista e subordinado ao imperialismo e conclamava o povo a insurreição armada para a implantação de um governo popular. Diante disso, Vargas consegue aprovar a Lei de Segurança Nacional que lhe aumentava os poderes.

Com a ilegalidade da ANL, os comunistas apressam o golpe que tramavam. Harry Berger escrevia em um dos seus relatórios ao Komintern:

A etapa atual da revolução armada no Brasil. Está em franco desenvolvimento uma revolução nacional antiimperialista. A finalidade da primeira etapa é a criação de uma vasta frente popular – operários, camponeses, pequeno-burgueses e burgueses que são contra o imperialismo – depois, a ação propriamente dita, para a instituição de um governo popular nacional revolucionário, com Prestes à frente e representantes daquelas classes. Mas, como condicional básica, esse governo se apoiará nas partes revolucionárias infiltradas no Exército e, depois, sobre os operários e camponeses articulados em formações armadas”.

“Nesta primeira fase, não serão organizados sovietes, porque isso reduziria, prematuramente, as hostes populares. Não obstante, o poder verdadeiro estará em maior escala nas aldeias, nas mãos das Ligas e Comitês de camponeses que se formarão e que também articularão formações do povo em armas para a proteção do Governo Popular e para a defesa dos seus interesses. Nessa primeira etapa, a ação será, antes de tudo, desencadeada contra o imperialismo, os grandes latifÚndios e contra os capitalistas que, traindo a Nação, agem de comum acordo com o imperialismo.”

“Nós só passaremos a modificar os objetivos da primeira etapa, só erigiremos a ditadura democrática dos operários e camponeses na forma de sovietes, quando a revolução no Brasil tiver atingido uma grande concentração. Os pontos de apoio do Governo Popular Nacional Revolucionário serão os sovietes, mais as organizações de massa e o Exército Revolucionário do Povo. A transformação do Governo Popular Nacional Revolucionário, com Prestes à frente, tornar-se-á oportuna e real com o desenvolvimento favorável da Revolução do Governo Popular”. [1]

Fica demonstrado claramente os objetivos e a associação da Aliança Nacional Libertadora com o Movimento Comunista Internacional, o que evidencia um primeiro ponto de divergência entre o que Prestes afirmou sobre o golpe comunista de 35 ter sido uma decisão do partido e não de Moscou.

O resultado da intentona não poderia ser outro – um redundante fracasso – não somente pela má organização do golpe, mas principalmente pelo erro de avaliação de alguns que não permitia ver que faltava apoio popular a causa. Acostumados a pensar que são representantes e guia dos trabalhadores, os comunistas têm sido sistematicamente rejeitados e contrariados em seus interesses pelos mesmos trabalhadores que julgam defender.

A consequência direta do fracassado golpe comunista foi o que pavimentou o golpe definitivo de Vargas com o Estado Novo de 1937. De fato, o golpe comunista serviu de pretexto para Vargas criar o “Estado de Guerra”, além de dar condições objetivas para rasgar a Constituição de 1934, que previa eleições em 1938. Vejamos o que diz Thomas Skidmore [3]

“Vargas precisava de bem pouco estímulo para se acreditar indispensável. Desde a revolta comunista de 35, vinha pensando na possibilidade de um golpe. A facilidade com que o Congresso lhe dera poderes de emergência, encorajava projetos de um regime autoritário que eliminasse as divididas forças políticas e deixasse o presidente de mãos livres para levar a cabo a reorganização do Brasil, da forma que lhe aprouvesse.”

“Quanto aos militares, o comando do Exército vinha planejando uma solução autocrática para a crise política brasileira desde a revolta comunista de novembro de 1935. Os militares superiores estavam céticos quanto à capacidade do Brasil para suportar a confusa indecisão da competição política aberta, e estavam assustados com a perspectiva de maiores progressos por parte dos radicais de esquerda – os quais, se chegassem ao poder, poderiam afastar as Forças Armadas da posição de árbitros finais dos conflitos políticos.”

E aqui nós vemos que também é equivocada a afirmação de Prestes de que o golpe comunista de 1935 seria uma reação a uma suposta “fascistização” do governo Vargas. Com efeito, se a intentona é de 1935, então o caráter fascista mencionado por Prestes se referiria ao período 1930-1935. Mas, quais seriam os elementos do governo Vargas neste período que evidenciariam algo próprio ao fascismo? Analisemos aqui apenas alguns aspectos. Depois da revolução de 1930, Vargas fora conduzido a presidência pela Assembleia Constituinte de 1933-34 numa eleição indireta que de certa forma legitimava seu governod+ a Assembleia Constituinte também estabelecia eleições livres em 1938, mas sem a possibilidade de reeleição de Vargas, o que indicava que estava em curso uma “ordem institucional” que pretendia atender as reivindicações implícitas nas revoltas da década anterior. Ora, em relação a isso tudo, pode-se tão somente conjecturar que Vargas estaria inclinado (tal qual os comunistas) a um projeto autoritário e ditatorial desde o início, contudo, independente de quaisquer conjecturas é bem provável que sem a intentona comunista Vargas não teria nenhum elemento suficientemente forte para justificar um golpe, ficando bastante reduzida suas pretensões. Ou seja, ainda que pudesse ser tomado como verossímil (o que não é!) a versão dos comunistas em justificar a intentona de 1935 como uma reação ao que eles viam como um “fascismo” de Vargas, por ironia do destino, foi exatamente a ação dos comunistas que indiretamente produziu as condições para a ditadura do Estado Novo, esta sim, repleta de características totalitárias, território comum de fasci-comunistas.

Referências:

[1] “Lembrai-vos de 35”, Gen. Ferdinando de Carvalho

[2] “A Grande Mentira”, Gen. Agnaldo Del Nero Augusto

[3] “Brasil: de GetÚlio a Castello”, Thomas Skidmore

*Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática da UFSC