Marco Aurélio e a “ciência” do Direito

Quando eu estudava engenharia em Porto Alegre, lá no distante século passado, morei, nos três primeiros anos, em uma casa com quarenta estudantes das várias áreas: Medicina, Odontologia, Física, Economia, Direito, …

Um colega que estudava Direito vivia comentando o que lhe era ensinado (creio que numa disciplina chamada Introdução à Ciência do Direito) sobre as provas de que Direito era uma ciência. O amigo e colega parecia obcecado com a ideia de ser o Direito uma ciência. Ele era ouvido por todos e respeitosamente ignorado. Até que um dia eu, que não estava bem dos bofes, perguntei se ele já vira algum estudante de Física, Química, Biologia, Matemática ou Engenharia, entre outras áreas, preocupado em demonstrar que o que estudava era ciência. Acho que, tomado de surpresa, o colega não entendeu o meu ponto e tive então de explicar. É que naquelas áreas de conhecimento, o conteúdo científico era tão evidente que ninguém se preocupava em demonstrá-lo. Não havia, por exemplo, uma disciplina dedicada a demonstrar que seus estudos eram científicos. Seria uma perda de tempo, por óbvia natureza. A discussão parou por aí e aquele colega jamais voltou ao assunto.

Marco Aurélio de Mello, entre tantas besteiras que disse no programa Roda Viva, afirmou, várias vezes, enfático e empolado como sempre, ser um cientista do Direito – este senhor, sempre que fala parece pensar que o mundo deixa de girar só para ouvi-lo, tal o grau de sapiência e auto estima que se atribui.

Não pretendo estender-me, por enquanto, sobre esta falácia da ciência do Direito. Mas não consigo deixar de lembrar-me de Alberto Einstein, quando ele foi informado de que um grupo de cem cientistas alemães (obviamente com pendores nazistas) assinaram uma declaração afirmando que sua teoria generalizada da relatividade estava errada. Einstein, imperturbado, afirmou: “Se minha teoria estiver errada, não serão necessários cem cientistas para constatar o erro: basta um”.

Então eu afirmo: se o Direito é uma ciência, não será preciso um tribunal (isto é, uma reunião de magistrados) para afirmar um resultado de análise de processo: basta um juiz. E, em sendo analisada a questão jurídica por um colegiado, é de se esperar que o resultado da análise seja o mesmo vindo de todos os juízes, se de fato laboram sobre uma ciência. Alguém dirá que o Direito não é uma ciência exata. Nem a medicina, retruco. Entretanto, se alguém laborando sobre a ciência da medicina e as técnicas que dela derivam chegar à conclusão de que um paciente não tem câncer, então não tem câncer e ponto final. (A menos que o médico seja de péssima qualidade, caso em que poderá sofrer sérias consequências, circunstância que não se vê na prática do Direito).

O vídeo abaixo de Augusto Nunes (o moderador do programa Roda Viva) mostra três ideias – que ele qualifica como de hospício – do “cientista” do Direito Marco Aurélio de Mello:

1. Criou, sem ter competência funcional para tal, a figura jurídica do impeachment do vice-presidente. Esta figura só poderia ter sido criada na Constituição Federal, mas não o foi. Qualquer estudante de primeira fase de Direito sabe que não pode haver pena se não houver o crime (ou irregularidade) formalmente definido. E a Constituição não estabelece a pena de impeachment de vice-presidente, simplesmente porque não definiu o crime (ou os crimes) que demandaria esta pena. Foi por perceber esta ideia de girino que Temer, um constitucionalista de qualidade reconhecida, disse que deveria voltar à primeira série do curso de Direito para entender o “cientista” Marco Aurélio.

2.  Marco Aurélio tem sido cansativo em tanto afirmar que as pedaladas de Dilma não configuram crime de responsabilidade fiscal e que não são suficientes para o impeachment. No programa Roda Viva, afirmou e reiterou este absurdo, várias vezes. Mas agora manda o presidente da Câmara abrir o rito processual de impeachment de Temer. Por que razão? Por supostas pedaladas fiscais!!!… Pedaladas, aliás, que só sua mente de “cientista” do Direito consegue ver.

3. Finalmente, a “ciência” do Direito de Marco Aurélio lhe autoriza a usurpar a competência, unipessoal e autocrática, do presidente da Câmara – conferida a este pela Constituição Federal – para acatar, ou não, um requerimento de impeachment. Foi uma usurpação de competência constitucional o que este fenomenal “cientista” fez, ao determinar ao presidente da Câmara a abertura de um rito de impeachment, por supostas pedaladas fiscais, contra o Vice-Presidente da República.

Eta “ciência” mais atabalhoada, esta do Marco Aurélio.

Socorro, Einstein!

 


José J. de Espíndola

Doutor (Ph.D.) pelo ISVR da Universidade de Southampton, Inglaterra, doutor Honoris Causa pela UFPR, Professor Titular da UFSC, Departamento de Engenharia Mecânica, aposentado.

 

http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/direto-ao-ponto/tres-ideias-de-hospicio-numa-canetada-so/