Em uma réplica feita a meu texto “As armadilhas do discurso: Grant Osborne vs. Paul Krugman ??”, prof. Rosendo Yunes afirma que “a analogia do prof. Carvalho, entre a hermenêutica da Bíblia e de Krugman, é totalmente irreal …”, contudo, há aqui um evidente engano da parte do prof. Yunes em compreender o paralelismo que eu tracei entre a análise hermenêutica de Osborne com o que Krugman escreve, pois em momento algum eu afirmo que Krugman fez ou tem que fazer um trabalho de hermenêutica, já que provavelmente Krugman é a fonte das suas próprias idéias e isso confere uma certa originalidade ao que ele argumenta (reconhecida pelo prêmio que obteve) e, portanto, neste caso ele não estaria interpretando ninguém. Na verdade, eu deixei claro em meu texto anterior que quem deveria fazer tal trabalho hermenêutico é o professor Yunes que utiliza idéias de Krugman sem o devido trabalho de explicar concretamente ao leitor que idéias seriam essas.
Assim, não há nada a comentar na réplica do prof. Yunes quando ele escreve algo como:
“Se o prof. Carvalho lê a introdução do livro de Krugman poderá observar que ele escreve da crise de países como Grécia, Irlanda e Espanha com um desemprego de 23%d+ e entre jovens de 50%. Escreve que a falta de trabalho penaliza a muitas pessoas, no Brasil a 12 milhões de pessoas. Comenta da Grande Crise de 1929, relacionada com a de 2008, comenta a opinião de Keynes, outro destacado economista, que não compactuo com o poder do dinheiro, que escreveu uma frase essencial: “No auge, e não na depressão, é a hora da austeridade”.”
Não!!! De modo algum!!!! Prof. Yunes, eu não tenho que ler a introdução do livro de Krugman que o senhor cita para concluir coisa alguma, é obrigação de quem escreve (no caso, o senhor) delimitar suas hipóteses e demonstrar que tais conclusões se aplicam igualmente ao Brasil. Afinal, como o prof. Yunes acertadamente observa:
“A economia não é uma ciência com leis como a física a nível macroscópico. Não são leis, são probabilidades estatísticas como na física quântica, porque o comportamento individual não pode ter predição.”
Assim, admitindo que são princípios gerais que não necessariamente se aplicam individualmente urge então que o prof. Yunes explique de forma lógica seu raciocínio, a menos que prof. Yunes esteja expressando apenas a sua opinião pessoal e, neste caso, cada um tem a sua e não precisamos discutir.
Assim, retorno a este ponto de forma mais objetiva, solicitando que o prof. Yunes torne seu texto compreensível levando em conta dois aspectos:
1. Enunciar e explicar as premissas que estão no livro de Krugman
2. Expor de forma dedutiva e lógica como ele conclui a premissa central de seu penúltimo texto, a saber
“Hoje, mais que nunca, existem provas claras de que a política fiscal é importanted+ que um estímulo fiscal ajuda a economia a criar emprego, enquanto que reduzir o déficit orçamentário reduz o crescimento, ao menos no curto prazo. E, no entanto, estas provas parecem não estar chegando ao poder legislativo”.(*)
No entanto, julgo pertinente tecer alguns comentários a algumas colocações feitas pelo prof. Yunes em sua réplica. Vejamos.
Prof. Yunes escreve,
“Nossa própria experiência, que o Prof. Carvalho deve conhecer respeito da economia Argentina, demonstra que a PEC é completamente errada. Ao assumir o mandato o ex-presidente Nestor Kirchner, a Argentina estava, talvez, em sua pior depressão da história, com dívidas que não poderiam ser pagas, e foi quando foram estimulados os gastos em salários, saúde, educação, obras públicas etc. etc. além de reduzir a dívida externa usaria em 70%, recuperou-se a economia e o crescimento de Argentina para 10% anual por vários anos.
A Argentina repatriou aproximadamente entre 1200 e 1500 cientistas e conseguiu em poucos anos ser o oitavo país em lançar dois satélites para comunicação, por uma empresa privada, apoiada pelo Estado, que atualmente pela nefasta política de austeridade está em vias de desaparecer.”
Vemos aqui a incompreensibilidade do discurso, pois se a Argentina estava tão bem assim na presidência de Kirchner, por que será que agora, com Macri, se faz necessário adotar políticas de austeridade que são nitidamente antipopulares? Bom, o Brasil fornece uma pista, já que nos anos de governo Lula e depois no primeiro mandato de Dilma se acreditava que estávamos num “perpetuum mobile”” de desenvolvimento e, hoje, a realidade de alto desemprego e recessão econômica mostram que era exatamente isso, um “perpetuum mobile”, algo que sabemos ser irrealizável e não sustentável.
Prof. Yunes escreve que
“Segundo levantamento da consultoria brasileira Infinity Asset, Brasil ainda ocupa a liderança entre os maiores pagadores de juros reais no mundo, descontando as projeções medias de inflação futura: 8,49%, Rússia 4,27%, Colômbia 3,61%, Argentina 2,55%, China 2,30%, México 1,35%, Índia 0,95%, estão no topo da lista. Estes juros usurários sugaram a sangue de nosso país não permitindo seu desenvolvimento.”
Ora, apelando para que o leitor seja indulgente com minha ignorância sobre aspectos econômicos, não é um fato que os juros são fixados pelo Banco Central, cujos diretores são indicados pelo próprio governo? Assim, o que impediria o governo atual e seus antecessores (sob a batuta do PT) de nomear um diretor que reduzisse a taxa de juros? Mais ainda, como bem colocou o prof. Fernando Holanda da FGV na sua exposição no seminário sobre a PEC organizado pela APUFSC, os juros altos são a medida do risco associado à atividade econômica de quem empresta. Havendo confiança no governo reduzem-se os juros. Mas, se o prof. Yunes me permite, gostaria de mencionar outro ponto sobre a questão da dívida. Ora, sabemos que os estados do RJ e RS estão a beira da insolvência e, segundo o prof. Holanda, o maior credor desses estados é o governo federal. E aqui vemos mais uma vez a incompreensibilidade do discurso, pois será então que a crítica de “usurário” que o prof. Yunes aplica aos credores privados do governo federal, não se aplicaria igualmente ao próprio governo federal como credor dos Estados? Definitivamente, causa-me muita estranheza que o prof. Yunes tenha ignorado este singelo aspecto em seu texto!
Prof. Yunes escreve que
“Imagina o sr. professor quanto ganhou Soros, o capitalista americano, que depositava milhões de US$, com Malan e Armínio Fraga seu empregado, no governo neoliberal do PSDB com juros de 26% e agora novamente no poder. Esse capital especulativo, sem dúvida nenhuma foi nefasto para nosso país..”
Na verdade, o mais incrível mesmo prof. Yunes é você não perceber que George Soros continuou a lucrar durante os governos do PT, e você sequer mencionou isso. Tens razão de criticar o PSDB, mas não deixe de submeter à mesma crítica os governos do PT cujo desastre produziram 12 milhões de desempregados e a crise econômica de agora.
Prof. Yunes escreve que
“O senhor professor acredita em pessoas, sem princípios, que são meras marionetes do poder econômico e que trocam de posição segundo sua cobiça, numa fictícia democracia onde a informação, base fundamental da mesma na atualidade, é monopolizada fundamentalmente por poderosos grupos econômicos donos de jornais, TV, internet etc. etc. que repito, deveria ser dada, democraticamente, manifestando todas as opiniões, pelas universidades comprometidas com o país real.”
Caro prof. Yunes, eu acredito apenas naquilo que um bom argumento indica. Houve um seminário na APUFSC onde quatro pessoas expuseram suas razões a favor e contra a PEC. Dos quatro, eu assisti os dois primeiros e foi suficiente para mim os argumentos apresentados por um deles, prof. Holanda da FGV, e alguns artigos de economistas a favor e contra a PEC que eu lia na sede da APUFSC. Agora, o discurso que emana das universidades não detém necessariamente honestidade intelectual para fechar a questão, nem por um lado nem por outro, dado o alto grau de ideologias que obscurecem o pensamento livre e independente. Neste sentido, infeliz é a nação cujas instituições acadêmicas deixam de ser governadas pelo pensamento livre, independente e rigoroso, algo que vimos ocorrer recentemente nos episódios das ocupações onde um certo segmento preferiu deixar de lado a força persuasiva da boa argumentação para usar a força da intimidação e violência cerceando o direito de ir e vir de outros.
Prof. Yunes finaliza seu texto escrevendo
“Compreendo que toda atitude política tem um componente religioso e que toda religiosidade tem um componente político por isto como o prof. Carvalho citou um evangelista, Grant Osborne, desejaria perguntar respeitosamente ao prof. : 1) O Reino de Deus predicado por Jesus e para os que sofrem agora e serão recompensados no céu? Ou o Reino de Deus é uma obrigação nossa de construir um mundo de irmãos, com um pai comum, um Reino de solidariedade, de amor, de cooperação e não de competição mortal como a atual?.3) Acredita que a PEC 55 contribuirá com o Reino de Deus ou do Dinheiro?”
Discordo integralmente da primeira parte da sua afirmação:
“Compreendo que toda atitude política tem um componente religioso e que toda religiosidade tem um componente político…”
Na verdade, como cristão (e atualmente entendo o cristão não como quem segue uma dada denominação cristã, seja ela evangélica, católica, etc., mas sim quem, a semelhança de Simone Weil, tenta seguir o Cristo que não se deixa aprisionar por nenhuma religião ou comunidade organizada) acho que a verdadeira prática do cristianismo nem é política nem é religiosa, mas transcendente e justa. O próprio Cristo ensina isso como vemos no seguinte trecho de Mateus 22, 17-21, onde lhe perguntam se era lícito ou não pagar tributo a César. A reposta que Jesus dá a questão que maliciosamente lhe tinham feito não é nem de ordem política nem religiosa, assim, Jesus devolve a questão àqueles que haviam feito. Da mesma forma, respondo a sua pergunta eliminando qualquer insinuação de ordem política ou religiosa que esteja implícito no seu questionamento e, assim, sobre a PEC55 eu apenas elaboro se seria lícito vermos as contas públicas do governo desequilibradas e o sofrimento que isso causa ao povo sem nem mesmo tentarmos controlar os gastos?
A PEC55 é uma tentativa de responder a tal questão.
Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática