A omissão da Administração Central da UFSC durante as ocupações

Em sua nota, “Balanço da Gestão”, vinculada neste Boletim, o magnífico reitor da UFSC, Prof. Luiz Cancellier, tenta justificar a forma como a administração central tratou as ocupações de alguns centros na UFSC. Em sua nota o reitor afirma que

Optamos por um caminho diverso, que foi a negociação ampla com os ocupantes e também com aqueles que tinham um movimento antiocupação. Isso foi bem claro aqui na universidade: havia o movimento que efetivou a ocupação e outro que era contra, por que considerava que o direito de ir e vir e o acesso às salas de aula e laboratórios estavam prejudicados. Foi uma boa experiência, porque não nos afastamos em nenhum momento dessa linha. O MPF e os Diretores dos Centros nos ajudaram e fizemos um acordo que levantou a desocupação.”

É preciso analisar a situação no seu todo, afinal, o movimento de ocupação e desocupação teve várias fases, uma desencadeando outra, e também vários protagonistas, alguns ativos, outros reativos, e outros passivos.

Desde o seu início, com a ocupação do CFH, surgiram relatos de que não estava sendo respeitado o direito de livre acesso as unidades ocupadas. O reitor da UFSC foi publicamente cobrado tanto nas redes sociais quanto em textos de opinião no Boletim da APUFSC a tomar uma decisão que resolvesse a situação e garantisse o livre acesso às unidades ocupadas. Após um hiato de alguns dias, e com a situação se tornando mais tensa a medida que surgiam rumores de que poderiam ocorrer a ocupação do CTC e o fechamento do prédio do EFI, eis que surge a primeira manifestação pública do reitor através de uma nota conjunta assinada por  vários diretores de Centro onde lemos que o reitor

“….reconhece o direito de livre manifestação e opinião, resguardado o direito do livre acesso às dependências físicas dos Centros de ensino, tais como salas de aula, laboratórios, clinicas e salas de trabalho, bem como a eventos já previamente agendados.”(*)

O mais curioso é que um vídeo feito logo depois por estudantes

https://www.facebook.com/marciomourabridon/videos/1280080608680281/?hc_location=ufi

mostrava que o livre acesso não estava sendo respeitado, com o agravante de que o vídeo mostra o próprio diretor do CFH impedindo o acesso dos estudantes aquela unidade, algo inusitado, já que ele mesmo assinou a nota conjunta do reitor endossando seu conteúdo, principalmente a assertiva (*), algo que infelizmente não aconteceu.

A nota pública do reitor estava então totalmente desconectada dos fatos que ocorriam na universidade. E, assim, neste vácuo de ações concretas por parte da administração central presenciamos estarrecidos situações graves envolvendo agressões físicas no CSE como uma briga generalizada entre estudantes contra e a favor da ocupação, e também a violência feita contra o Prof. Felício que teve violado seu livre acesso ao CCE para participar de uma defesa de tese. O absurdo da situação envolvendo o Prof. Felício é o de terem fabricado uma situação onde uma estudante teria sido supostamente agredida,  quando a análise de um vídeo mostra exatamente o contrário, que não houve agressão alguma e que o Prof. Felício adotou uma atitude defensiva tentando se desvencilhar de pessoas que de forma agressiva se colocavam a sua frente enquanto ele tentava subir as escadas no prédio do CCE. Assim, ainda que seja evidente que não houve agressão alguma temos que  a “propaganda” e o barulho de certos segmentos pró-ocupação criaram uma situação que levou o Prof. Felício a deixar sua posição como pró-reitor para poder melhor se defender da farsa de que o acusam. O mais sórdido nisso tudo é flagrar conversas onde encontramos colegas docentes tramando ações pela saída do Prof. Felício da pró-reitoria  sem nem mesmo terem tido o trabalho honesto de averiguar os fatos.

Em relação ao término das ocupações é preciso assinalar  que a intervenção efetiva do Ministério Público só ocorreu por iniciativa de um grupo de estudantes que fizeram uma denúncia bem documentada do que estava ocorrendo na UFSC. É bem provável que outras pessoas tenham tentado acionar o MPF antes, não sabemos, contudo, a robustez dos fatos apresentados e a publicidade dada à iniciativa dos estudantes nos leva a crer que este foi o fator determinante. De fato, a julgar pela insistência do reitor de agir sempre em “consenso” com os diretores do Centro, provavelmente a ocupação teria se prolongado por um tempo bem mais longo, trazendo consigo conseqüências imprevisíveis dado ao elevado nível de acirramento e animosidade que estava presente.

Em relação a inclinação “consensual” do reitor há um ponto perturbador na sua nota de “balanço da gestão”  que se refere a este trecho que eu transcrevo a seguir:

“A importância de preservação da autonomia dos centros

 Os centros têm autonomia para tratar da gestão patrimonial, e os cursos e departamentos têm autonomia para realizar as atividades acadêmicas, pedagógicas.

O espaço patrimonial, a guarda, é das direções dos centros. A reitoria não pode fazer nada que não seja em concordância com as direções dos centros. Essa é nossa premissa: estamos todos juntos, as soluções devem ser combinadas entre centros e reitoria. E isso estabelece uma trilha, demarca nossa linha de atuação. Cada direção negociou com os comandos locais das ocupações. E a premissa vale em quaisquer outras situações, em que os Centros de Florianópolis, mas também os de Araranguá, Blumenau, Curitibanos e Joinville, precisarem. O resultado demonstrou o acerto da nossa estratégia, que foi a solução negociada do conflito, sem necessidade da ação de reintegração e da força policial.”

De fato, é um princípio louvável reconhecer a autonomia dos centros, dos cursos e dos departamentos em realizar suas atividades acadêmicas e pedagógicas, mas, o que dizer do respeito ao direito individual de um docente em manter suas atividades pedagógicas e acadêmicas? Ora, sabemos que um segmento de docentes do CFH escreveu uma moção de apoio à ocupação do CFH, o que parecia então dar  uma certa legitimidade a ocupação daquele centro. Contudo, como vimos, também tivemos relatos da humilhação porque passaram docentes que foram impedidos de acessar livremente suas salas e mesmo de ministrar suas aulas. Ora, analisando o fenômeno da  “ocupação” não só na UFSC mas em outras universidades, estamos aqui diante de um novo paradigma, algo incompreensível já que seria mais apropriado de se ver em regimes fascistas ou comunistas, onde um certo segmento coletivamente se posicionando a favor de algo submete todos os outros a observarem a dinâmica do que foi decidido, mesmo que isso viole os direitos de quem é contrário e que tal observância seja imposta pela possível coerção e hostilidade. Temos então um problema, pois a insistência do magnífico reitor em observar a autonomia dos centros não deve ser algo irrestrito a ponto de dar “carta branca” a uma coletividade para violar direitos individuais. Isso é assustador, pois, afinal, estamos ou não em um ambiente que se diz acadêmico e onde deveria ocorrer o convencimento apenas pelo recurso da boa argumentação? Os eventos lamentáveis de desrespeito ocorridos no CFH , no CCE e no CSE parecem indicar o contrário.

Enfim, a omissão da administração central em lidar com a ocupação poderia ter tido um desfecho muito mais violento do que se viu nas brigas generalizadas ocorridas no CSE, pois quem leciona no CTC sentia o quão volátil estava  a situação, já que após uma assembléia estudantil, na sua maioria de proponentes da ocupação1, surgiram rumores nas redes sociais que dava como certa a ocupação de todos os centros da UFSC no dia 11 de Novembro (um dia nacional de paralisação marcado por algumas centrais sindicais)  algo que felizmente não se concretizou e que certamente teria dimensões gravíssimas dada a resoluta intenção manifestada pela maioria dos estudantes do CTC em defender e resistir à ocupação da sua unidade.

Ao reitor da UFSC urge que aja futuramente de forma preventiva e deixe sua postura passiva ao lidar com a “ocupação”, garantindo prontamente o direito individual de cada docente e estudante de ministrar e assistir suas aulas. E que fique bem claro que a ocupação na UFSC só não durou mais por conta de um grupo de estudantes corajosos que entraram com uma denúncia junto ao MPF, algo que caberia a administração central fazer dada a inabilidade dos diretores dos centros ocupados em resolver de forma eficaz e efetiva a situação.


Marcelo Carvalho

Professor do Departamento de Matemática