Na AG de ontem sobre a Reforma da Previdência foi feito o seguinte questionamento:
– A previdência é superavitária ou deficitária? (*)
Longe de querer pautar a discussão, reconheço que numa AG ninguém é obrigado a responder a nenhum questionamento, da mesma forma que ninguém está impedido de fazer um questionamento a quem quer que seja. Agora, o silêncio coletivo diante do questionamento acima, bem como algumas tentativas de resposta que se revelaram oblíquas, deixaram a nítida impressão de que falta uma argumentação bem construída sobre o tema, e que a razão pode ser ofuscada por partidarismos e coisas afins.
É muito estranho, então, que ninguém na AG tenha se disposto a responder de forma definitiva a questão, pois a resposta é de suma importância para se ter um posicionamento sobre o tema, isso se tivermos a pretensão de nos apresentar diante da opinião pública como professores, isto é, cidadãos capazes de defender de forma minimamente consistente a nossa posição.
Do que me lembro, um “professor da sociologia meio calvo e que usa uma correntinha para segurar seus óculos”, e que por uma razão desconhecida “esqueceu” meu nome (e pela mesma razão me abstenho de tratá-lo diretamente pelo seu nome) foi quem mais se aproximou de responder a questão (*) – embora não tenha sido esta a sua real intenção – ao admitir que há distorções na previdência dos funcionários públicos citando, em números, a desproporção dos gastos previdenciários com os servidores do legislativo, do judiciário e dos militares, comparados com os gastos dos servidores públicos em geral, sem, contudo, admitir que é apenas retirando das despesas da seguridade social o custo total de 77 bilhões do funcionalismo público que se tem as contas da previdência superavitária. Ora, e se a previdência é mesmo deficitária, que argumento restaria ao ilustre “professor da sociologia meio calvo e que usa uma correntinha para segurar seus óculos” para negar a necessidade da reforma?
Em outro ponto, o mesmo “professor da sociologia meio calvo e que usa uma correntinha para segurar seus óculos” apelou para o velho discurso panfletário com afirmações difusas parecendo inferir que o dinheiro da previdência seria usado para pagar a dívida pública do governo. Mas, tal argumento é no mínimo curioso, pois sendo a União o maior credor dos Estados estes também poderiam alegar que a dívida com a União suga os recursos que os Estados pretensamente usariam para honrar os seus gastos com a previdência. Ou seja, se o problema previdenciário da União é em parte decorrente do pagamento da dívida pública da União com o setor privado, o mesmo poderia se aplicar aos Estados cujo credor é a União, assim, por uma questão de lógica, o que se resolveria em relação à dívida pública da União, também se resolveria em relação aos Estados, logo, efetivamente, o que a União ganharia deixando de pagar a dívida pública ao setor privado, a União perderia pelo fato dos Estados deixarem de usar recursos da previdência para pagar a sua dívida com a União. No fim, o balanço dessa equação seria mesmo favorável a União? É impressionante que se possa usar um argumento tão elusivo como este da relação da dívida pública com a questão da previdência, sem ter o menor cuidado de analisar as implicações disso para os outros entes da Federação.
Prof. Nilton Branco foi outro que na sua fala abordou o tema da reforma da previdência adotando um argumento oblíquo onde enfatiza os efeitos negativos da reforma (e há muitos, de fato), por exemplo, o tempo demasiadamente longo necessário previsto na reforma para receber uma maior remuneração previdenciária. Ora, mas este aspecto só invalidaria de forma definitiva a necessidade da reforma se a previdência fosse superavitária, como alega a ANFIP, e aqui somos levados novamente ao conteúdo do questionamento (*), algo que o Prof. Nilton sequer abordou. Contudo, se a previdência é mesmo deficitária, então um tempo demasiadamente mais longo de contribuição acabaria sendo uma necessidade dolorosa. Assim, a menos que o prof. Nilton consiga argumentar que de fato a previdência é superavitária não faz muito sentido criticá-la pelas razões que ele expôs.
Não satisfeito com a obliqüidade de seu argumento, em outro ponto de sua fala, Prof. Nilton Branco também adota um argumento panfletário criticando as medidas contidas na emenda à Constituição sobre o teto dos gastos, lembrando que durante uma crise que impôs o corte de gastos na Alemanha, a chanceler Angela Merkel manteve intacto os gastos com ciência, tecnologia e educação. Ora, analisando esta argumentação do Prof. Nilton Branco, surge um outro questionamento:
Se realmente desejamos aplicar ao Brasil a mesma política que a Alemanha adota na área de ciência, tecnologia e educação, não devemos ao menos por consistência e honestidade intelectual aceitar os mesmos critérios de excelência que a Alemanha aplica àqueles que ocupam uma posição acadêmica naquele país ? (**)
Particularmente, como eu não me vejo no mesmo nível de excelência dos meus colegas alemães, eu prefiro me abster de fazer tais paralelismos. Deixo então a todos quem tem a compulsão de fazer tais paralelismos em público, e em particular ao Prof. Nilton Branco, que respondam não apenas para si o questionamento (**) , mas também diante do povo que paga nossos salários.
Em outra fala, Prof. Fletes menciona sobre a pouca filiação ao sindicato de alguns professores recém-ingressos na UFSC em seu departamento. O ponto seria que há uma preocupação excessiva deles com a produtividade acadêmica e isto os impediriam de dedicar parte de seu tempo à participação no sindicato, por exemplo, nas AG”s. Ora, mas há algo errado nisso? A suposta “desmobilização” não deve ser mensurada apenas pela presença em AG, já que pode-se acompanhar muito do sindicato pelos informes diários vinculados na página eletrônica e no Boletim. E, se há mesmo desmobilização, isto é, se temos associados alheios a participar da dinâmica sindical, como explicar um aumento na filiação? Não faz muito sentido. Vale lembrar que somos uma categoria com uma natureza diferente, e o que determina o quanto um indivíduo se dedica as suas atividades acadêmicas (ensino e pesquisa) não é algo determinado apenas pelo gosto individual, mas também pelas peculiaridades e exigências de cada área. Assim, é ilusório achar que todos irão responder as demandas do sindicato da mesma forma, ou com a mesma intensidade. Vale aqui a regra: cada um faz o que pode!
Lembro uma conversa com um colega que tem uma produção acadêmica robusta e que tem 20 horas de pesquisa. Tal colega mencionava a importância de se honrar às 20 horas com uma pesquisa relevante e internacionalmente referenciada, já que isso abona o professor de metade de suas obrigações docentes, algo que tem um custo financeiro enorme. Ora, o zelo que este colega demonstra ter no uso do recurso público não é algo para ser criticado, ou posto em oposição por uma pretensa obrigação de ter que se mobilizar para lutar por isso e aquilo junto ao sindicato. Mais uma vez, vale a regra, cada um faz o que pode, assim, quem dá conta de suas atividades na forma que considera satisfatório dada as exigências de sua área que aplique parte de seu tempo ao que o sindicato exige, sem, contudo, aparelhá-lo, ou achar que todos devam fazer igual. É tempo de deixarmos a visão antiga que ainda se tem do sindicato. Os tempos mudaram, … mudaram rápido, e continuam mudando.
*Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática