Resposta ao prof. Carlos Brisola

Prof. Brisola em seu texto  “Que é isto, prof. Marcelo?” argumenta de forma engraçada e confusa alguns pontos que merecem esclarecimentos.

Iniciemos com o aspecto cômico. Gostei imensamente de ler esta parte

“Confesso que não costumo gastar meu precioso tempo para ler os numerosos artigos do prof. Marcelo Carvalho, por não os achar dignos de atenção.

 

No entanto, os dois artigos publicados neste último boletim da Apufsc são excessivamente absurdos e eméticos para deixar de merecer comentários.”

pois, como poderia ele afirmar que não gasta seu precioso tempo lendo meus numerosos textos por não achar digno, exceto se tiver lido? Contudo, embora pareça que ele não tenha sido sincero no que escreveu acima, ainda assim não posso deixar de  agradecê-lo pela oportunidade de, em resposta ao seu comentário cômico e confuso, poder expressar mais alguns pontos que julgo pertinente.

Consideremos agora os aspectos que julgo confuso. Escrevendo a meu respeito, afirma o prof. Brisola que

 “Ele se põe na defesa do coronel Ustra, chefe do DOI-CODI, local em que numerosas pessoas foram torturadas, por vários anos. Diz que não há provas além de testemunhos das vítimas (sobreviventes). Gostaria de saber se seria aceitável a acusação se elas tivessem filmado suas próprias torturas ou a de outros para apresentar num tribunal.”

Na verdade, nem se precisaria chegar a tanto prof. Brisola, pois, para qualquer pessoa minimamente sensata, bastaria que as acusações tivessem credibilidade suficiente para dirimir dúvidas. Assim, em relação a decisão do TJ na ação declaratória contra o cel. Ustra, baseado apenas no testemunho de quem acusa e sem provas documentais, eu lembro mais uma vez que ele se defende de forma inequívoca dessa e de outras acusações em seus dois livros “Rompendo o Silêncio” e a “Verdade Sufocada”. Obviamente, o prof. Brisola é livre de ser seletivo, contudo, deveria ao menos se dispor a embasar sua argumentação de forma mais convincente.

Um outro ponto que põe em dúvida a credibilidade da alegação de tortura sistemática surge de relatos como a da jornalista Míriam Macedo que escreve em seu blog

“Que teve gente que padeceu, é claro que teve.  Mas alguém acha que todos nós – a raia miúda – que saíamos da cadeia contando que tínhamos sido ‘barbaramente torturados’ falávamos a verdade?” 

“Não, não é verdade. A maioria destas ‘barbaridades e torturas’ era pura mentira! Por Deus, nós sabemos disto! Ninguém apresentava a marca de um beliscão no corpo. Éramos ‘barbaramente torturados’ e ninguém tinha uma única mancha roxa para mostrar! Sei, técnica de torturadores. Não, técnica de ‘torturado’, ou seja, mentira. Mário Lago, comunista até a morte, ensinava: “quando sair da cadeia, diga que foi torturado. Sempre.”

http://blogdemirianmacedo.blogspot.com.br/2011/06/verdade-eu-menti_05.html

Ora, qual o sentido de se recomendar alguém a dizer que foi torturado mesmo que não tenha sido, senão como uma indicação de que não houve tortura sistemática alguma? Como você explicaria isso prof. Brisola?

Obviamente, assim como eu não tenho meios de aferir a veracidade das acusações feitas contra o cel. Ustra, eu tampouco posso aferir a veracidade do que foi dito pela jornalista. Contudo, a simples declaração que ela dá, junto com a argumentação robusta do cel. Ustra, embora não sirva para fundamentar objetivamente a certeza de que ele é inocente, certamente que serve para fundamentar objetivamente a dúvida da veracidade da alegação de tortura e é isso que justifica a defesa que eu faço do cel. Ustra. Ou seja, você afirmar que o cel. Ustra foi torturador não faz do cel. Ustra um torturador e tampouco obriga quem quer que seja a compartilhar seu ponto de vista.

Outro ponto que chama atenção na argumentação do prof. Brisola é quando ele escreve

“A comparação com a matança feita por regimes “comunistas e fascistas”, esquecendo-se convenientemente dos generais argentinos e chilenos “anticomunistas”, é absurda, pois foram períodos muito maiores e situações diferentes. Então, se os que ele defende “por falta de provas” mataram 300, deixamos para lá porque Stalin matou milhões e os argentinos mataram 30 mil?”

Certamente que as quase 400 mortes creditadas as ações de alguns agentes do regime, bem como as 120 mortes creditadas as ações dos terroristas que faziam a luta armada, não podem ser deixadas de lado. Pode-se rever a lei de anistia de modo a se fazer a justiça de fato, punindo a todos, agentes que tenham praticado tortura e terroristas, bem como anulando e retornando ao erário as polpudas indenizações pagas a muitos que militavam nestes grupos terroristas.

Agora, quando o prof. Brisola menciona negativamente a “conveniência” de se comparar o período do regime militar a períodos muito maiores associados aos regimes comunistas/fascistas ele dá a entender que isso serviria de justificativa para o saldo extremamente desproporcional e exponencial das causalidades que diferem um e outro regimes, e dá a entender  que  se  o regime militar tivesse tido uma duração maior ele teria produzido o mesmo número de mortes ocorridas nos regimes comunistas/fascistas.  Mas, há um erro grosseiro que refuta este argumento do prof. Brisola que é ignorar que  as cerca de 400 mortes contabilizadas se concentram, na sua maioria, no período da luta armada (1966~1972) que terminou com a derrota e neutralização dos grupos terroristas que atuavam para comunizar a nação. Assim, se as causalidades se concentraram majoritariamente num único período, induz-se daí que,  após a derrota desses grupos terroristas, uma duração maior do regime militar não mudaria substancialmente as causalidades que ele produziu. Isso, mais uma vez, comprova que o regime militar não pode ser visto como um regime brutal e totalitário, pelo menos, se aceitamos como exemplar desses modelos brutais e totalitários as experiências comunistas/fascistas.

 

Prof. Brisola continua seu texto com uma afirmação que é uma verdadeira pérola

“Aceito que a universidade, como o próprio nome diz, deve incluir pessoas com quaisquer opiniões, mas defender torturadores passa de qualquer limite de democracia e tolerância.”

Como já expliquei, não considero o cel. Ustra torturador e, como eu não condiciono o meu pensamento nem pela aprovação nem pela rejeição de quem quer que seja, a opinião expressada pelo prof. Brisola é totalmente irrelevante. Meu objetivo aqui é meramente apontar a  mesma inconsistência na argumentação do prof. Brisola conforme eu fiz com o argumento do prof. Nilton em meu texto anterior. Com efeito, assumindo que o prof. Brisola tenha votado em Dilma Rousseff,  que como sabemos fez parte do grupo terrorista Colina, deveria eu usar a “lógica” do prof. Brisola e inferir que ele passou dos limites de democracia e tolerância? Não, pois se inferisse eu estaria usando deliberadamente o raciocínio dele, que é alvo de minha crítica, o que caracterizaria um discurso intelectualmente desonesto de minha parte. Ora, a possibilidade então é assumir que se o prof. Brisola votou em Dilma Rousseff é porque ele não acredita que ela tenha participado de grupo terrorista algum. Ora, mas este é o mesmo argumento que eu uso em relação ao cel. Ustra e aos órgãos DOI-CODI e DOPS, a saber: como eu não acredito (por conta de evidências indiretas que mostrem o contrário) que o cel. Ustra foi torturador, nem que houve tortura sistemática, eu posso defender tanto o cel Ustra quanto os órgãos como DOI-CODI e DOPS que combateram e desarticularam grupos que intencionavam pelo uso da violência e do terror transformar o Brasil numa ditadura comunista. Ou seja, a pretensa lógica que o prof. Brisola usa, serve igualmente para me defender da crítica que ele faz, ou seja, sua lógica se revelou inócua, e, sendo inócua, do que eu haveria de me preocupar na argumentação dele? Absolutamente nada! Contudo, procurei evidenciar  o vício do raciocínio acreditando que tenha um lado pedagógico em se mostrar a necessidade de usar uma argumentação consistente.

Por fim, prof. Brisola pergunta

 “ E se algum colega defendesse Stalin, dizendo que ele não matou o suficiente ou que não há provas de que mandou matar, ele aceitaria?”

Em resposta a essa questão, eu refutaria a alegação de inocência de Stalin apontando as evidências levantadas pelo revisionismo de seu sucessor Krushev, contudo, não poderia a priori descartar a dúvida caso Stalin tivesse escrito um livro se defendendo de forma convincente das acusações contra ele mesmo, como fez o cel. Ustra. Agora, tem um ponto mais pertubador neste questionamento do prof. Brisola que demonstra  a parcialidade da sua narrativa, já que a ênfase me parece equivocada. Com efeito, Stalin só existiu como líder soviético porque antes dele teve um genocida como Lenin cujas ideias e condução do regime fomentou todo o terror do comunismo soviético subseqüente, o que põe Lenin como um genocida de ordem mais “proeminente” que Stalin, pois foi o genitor de toda essa abominação do comunismo “de fato”. Eu considero, assim, tendencioso que o prof. Brisola não tenha formulado seu questionamento colocando Lenin no lugar de Stalin, talvez porque isso seria totalmente ineficaz, já que a esquerda, numa atitude quase-religiosa, venera Lenin como espécie de Baal. Contudo, genocidas como Lenin, Mao, e em graus diferenciados seus cupinchas Che Guevara, Fidel etc. demonstram que para a esquerda é possível separar as ações repugnantes desses indivíduos em nome de uma ideologia (de fato, é possível, e a esquerda sempre fez isso [1]). Mas, prof. Brisola, não é exatamente isso que você está criticando no seu questionamento?


Marcelo Carvalho

Professor do Departamento de Matemática

Notas

[1] Esse pragmatismo da esquerda é exemplificado  na célebre resposta que Eric Hobsbwan deu ao jornalista Michael Ignatieff, quando perguntado por Ignatieff

“Had the radiant tomorrow actually been created, … the loss of 15, 20 million people might have been justified?”

Hobsbawm responde sem hesitação

“Yes!”

https://www.youtube.com/watch?v=TKxS_QC6pAk

 

Obs.: Na entrevista, o “radiant tomorrow” mencionado por Ignatieff refere-se a união soviética e a sua sangrenta história.