Financiamento focado apenas em inovação resultará na escassez de novas ideias científicas, alerta presidente da ABC

Helena Nader aborda temas como a vulnerabilidade do financiamento à pesquisa e o declínio na atratividade das carreiras científicas

No Fórum Mundial de Ciência de 2024, realizado em Budapeste, a presidente da Academia Brasileira de Ciências, Helena Nader, destacou que a confiança na ciência não é um conceito uniforme, mas sim um fenômeno complexo profundamente enraizado nos contextos locais e na compreensão cultural.

“A confiança na ciência depende da comunidade em que você está inserido”, observou Nader, questionando a existência de um conceito único e global de confiança científica, dado que inclusive ela pode aumentar em alguns países enquanto diminui em outros. Nader destacou um equívoco fundamental que muitas pessoas cometem em relação ao conhecimento científico. “A ciência é algo que é construído continuamente”, disse, explicando que, diferentemente de sistemas de crença rígidos, a ciência é um processo dinâmico de aprendizado contínuo e coleta de evidências, algo a que muitas pessoas não estão acostumadas.

Referindo-se à Teoria da Evolução de Charles Darwin, Nader descreveu como o entendimento científico evolui. “Era uma teoria baseada em algumas evidências [quando foi publicada], mas, ao longo do tempo, mais evidências foram sendo coletadas para provar que está correta”, explicou. Essa abordagem contrasta claramente com sistemas de crença estáticos, cujos princípios fundamentais permanecem inalterados, independentemente de novas informações.

Ela remeteu-se ainda à intrincada relação entre ciência, sociedade e cenários políticos. Nader defendeu uma abordagem mais detalhada de neutralidade científica, enfatizando a importância da objetividade profissional ao mesmo tempo que reconhece o contexto global complexo em que a pesquisa científica opera. “Os cientistas não deveriam ser políticos”, afirmou, destacando a necessidade de equilibrar perspectivas individuais e responsabilidades profissionais. Essa postura ficou especialmente evidente ao discutir as respostas científicas a conflitos globais.

A cientista expressou frustração com as formas inconsistentes pelas quais as comunidades científicas reagem a diferentes eventos geopolíticos, apontando a necessidade de uma abordagem mais principiada e uniforme. Sua crítica refletiu um compromisso filosófico mais amplo com princípios universais: a agenda do Fórum Mundial de Ciência, “não deixar ninguém para trás”. Aí se defende uma abordagem mais abrangente, que inclui os direitos humanos e o compromisso com a ciência de mmodo a transcender fronteiras políticas e ideológicas.

Representando as academias do S20, Nader destacou a diversidade da comunidade científica global. Os países do G20 estão longe de ser homogêneos e suas diferenças demográficas e econômicas criam desafios científicos únicos para cada nação participante. As necessidades científicas de populações envelhecidas no Japão e na Europa, por exemplo, diferem dramaticamente daquelas de países com demografias mais jovens, como Índia e Filipinas. Essas variações exigem abordagens flexíveis e adaptativas para a pesquisa científica e o financiamento globais.

Nader expressou frustração com as formas inconsistentes pelas quais as comunidades científicas reagem a diferentes eventos geopolíticos, apontando a necessidade de uma abordagem mais uniforme. Sua crítica refletiu um compromisso filosófico mais amplo com princípios universais: a agenda do Fórum Mundial de Ciência, “não deixar ninguém para trás”, defende uma abordagem mais abrangente, que inclua os direitos humanos e o compromisso com a ciência de modo que estes transcendam fronteiras políticas e ideológicas.

Representando as academias do S20, Nader destacou a diversidade da comunidade científica global. Os países do G20 estão longe de ser homogêneos, e suas diferenças demográficas e econômicas criam desafios científicos únicos para cada nação participante. As necessidades científicas de populações envelhecidas no Japão e na Europa, por exemplo, diferem dramaticamente daquelas de países com demografias mais jovens, como Índia e Filipinas. Essas variações exigem abordagens flexíveis e adaptativas para a pesquisa científica e o financiamento globais.

Apesar dessas claras diferenças regionais, Nader identificou vários desafios científicos universais que exigem abordagens colaborativas globais. A inteligência artificial emergiu como uma área crítica de preocupação, com pesquisadores de todo o mundo enfrentando questões de controle tecnológico e implementação ética. A recomendação do S20, também incorporada na mais recente declaração do G20, defende uma gestão colaborativa da IA. “[A IA atualmente é controlada] pelas grandes empresas de tecnologia. Então, vamos competir com elas ou podemos, como países, fazer algo diferente?” questionou Nader, destacando a necessidade de estratégias internacionais coordenadas.

Além das preocupações tecnológicas, as reflexões de Nader abarcam desafios globais mais amplos. “Precisamos de uma bioeconomia para resolver o problema da fome globalmente”, argumentou, destacando também a necessidade de abordagens que priorizem a saúde nutricional em vez do consumo de alimentos processados. A acessibilidade aos cuidados de saúde foi outro tema Nader enfatizou a necessidade de desenvolver estratégias para reduzir os custos médicos e garantir acesso equitativo a tratamentos avançados, reconhecendo as significativas disparidades nos sistemas de saúde globais.

A vulnerabilidade do financiamento à pesquisa

Outro fenômeno, infelizmente global, que surgiu na discussão foi o estado cada vez mais vulnerável do financiamento à pesquisa científica. Nader expressou profunda preocupação com a suscetibilidade dos programas de financiamento à pesquisa científica às flutuações políticas. “Não temos uma política científica que seja indiferente a quem está no poder”, lamentou. Várias eleições no último ano evidenciaram como mudanças potenciais de liderança podem impactar dramaticamente as políticas científicas e as prioridades de pesquisa.

Essa imprevisibilidade cria incertezas para pesquisadores e instituições,  sufocando potencialmente o progresso científico de longo prazo. Um exemplo pungente disso é a Argentina, que já foi um líder regional e global em políticas educacionais e alfabetização científica, mas que agora reverteu drasticamente o curso, com o governo atual cortando o financiamento ao Conicet e às universidades. Conforme explicou Nader, tudo isso é apoiado por uma geração jovem, de forma um tanto contraintuitiva, em busca de mudanças indefinidas no status quo, apesar das potenciais consequências negativas de longo prazo para a pesquisa científica e a educação.

O declínio na atratividade das carreiras científicas

Um dos pontos mais reforçados por Helena Nader foi o desinteresse dos jovens pelas carreiras em ciência, particularmente nos países ocidentais. Ela observou um declínio dramático nas matrículas em programas de pós-graduação, atribuindo essa tendência à redução do prestígio profissional e às mudanças nos valores sociais. “Ser cientista era uma profissão prestigiada. Ser professor era uma profissão prestigiada”, refletiu. Agora, salários reduzidos, reconhecimento social limitado e o apelo de carreiras alternativas por meio das mídias sociais contribuíram para essa tendência preocupante.

Com convicção apaixonada, Nader também defendeu a importância crítica da pesquisa científica básica, argumentando contra a tendência de priorizar inovações imediatas em detrimento da exploração científica fundamental. Esquemas de financiamento que se concentram apenas na inovação resultarão em uma escassez de novas ideias científicas. “Haverá uma seca [de ideias], porque o ingrediente inicial da inovação é a ciência básica”, alertou.

Ela ilustrou a necessidade de compromisso de longo prazo no financiamento de pesquisas de ponta por meio dos exemplos da computação quântica e do desenvolvimento de vacinas de mRNA. No primeiro caso, estamos investindo em uma tecnologia cujos benefícios serão vistos apenas mais tarde (talvez em algumas décadas), enquanto no segundo temos uma tecnologia revolucionária que emergiu de quase meio século de pesquisa científica fundamental. O desenvolvimento de vacinas de mRNA ressoou particularmente como um testemunho do valor de longo prazo da pesquisa científica básica. “Tudo o que foi necessário [para desenvolver esse tipo de vacina] foi descoberto por meio da ciência básica que começou nos anos 1980.”

Ao final da discussão, a Profa. Nader fez um apelo para que a sociedade reconheça o papel fundamental da ciência no progresso tecnológico e humano. “Se não fizermos ciência agora, vamos sentir o impacto em 20 anos”, alertou, sublinhando as profundas consequências de longo prazo de políticas científicas míopes e do apoio público diminuído.

Sua mensagem foi clara: a pesquisa científica não é um luxo, mas uma necessidade. Ela exige investimento contínuo, compreensão pública e um compromisso com o aprendizado e a exploração constantes.

Fonte: Jornal da Ciência