Defensor do Inpe na disputa com Bolsonaro em 2019, Evaldo Vilela diz não estar preocupado com “questão ideológica” na nova função
Crítico da postura do governo Jair Bolsonaro em relação à pesquisa e aos cortes de verba para o setor, o recém-empossado presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Evaldo Ferreira Vilela, garante que assume o cargo para defender a ciência e que não haverá corte de bolsas neste ano.
Não será tarefa fácil. Em agosto do ano passado, o Conselho chegou a suspender 4.500 bolsas de pesquisa por falta de dinheiro. O Ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, disse, à época, ter “implorado” ao Ministério da Economia um crédito suplementar de 330 milhões de reais. Em outubro, acabaram sendo liberados 250 milhões, após pressão da comunidade científica.
Entre 2011 e 2014, a verba destinada a bolsas via CNPq cresceu, impulsionada pelo programa Ciência sem Fronteiras, que tinha a meta de distribuir 100 mil bolsas até 2015. O início da queda coincide com o fim do programa. O valor total, que atingiu um pico de 2,542 bilhões de reais em 2014, caiu gradativamente até chegar a 1,112 bilhão no ano passado.
Mas, independentemente do Ciência Sem Fronteiras, a queda é expressiva. O valor de 2010 – quando ainda não havia o programa-, atualizado pela IPCA, é de 1,683 bilhão de reais, ainda superior em mais meio milhão ao que foi concedido no ano passado. Em 2020, há 1 bilhão de reais orçado para cerca de 79 mil bolsistas.
Vilela assume no lugar de João Luiz Filgueiras de Azevedo, exonerado no dia 17 de abril, que estava à frente do órgão desde fevereiro de 2019. Antes, acumulava as funções de presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e da presidência do Conselho Nacional de Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap). Também foi reitor da Universidade Federal de Viçosa, entre 2000 e 2004, e é egresso da área de agronomia.
Em entrevista à DW Brasil, ele comenta os desafios da pasta e acredita que, com a pandemia de covid-19, ficou evidente que é necessário que o país invista em pesquisa científica.
Qual o maior desafio do CNPq neste momento?
Temos um desafio de ampliar o nosso orçamento, que no ano passado voltou a ser o que era, tínhamos perdido orçamento no governo anterior, ele se recompôs no ano passado.
Mas no passado também ocorreram cortes…
Não no CNPq… Não teve porque em tempo se completou o orçamento e completamos o ano pagando as bolsas todas. E agora temos um orçamento que foi recomposto e que atende nossa necessidade de bolsas. Claro que a se a gente tivesse mais seria muito bom, mas atende. Estamos trabalhando para que o orçamento para projetos seja ampliado. Nós fazemos isso através de parcerias e também buscando recursos em outras instituições parceiras.
Que tipo de instituições?
O Ministério da Saúde, várias empresas que nos procuram. Se o nosso recurso para fomento está pequeno, a gente busca de outros ministérios e da iniciativa privada.
O CNPq está buscando ativamente a iniciativa privada?
Sim. Temos alguma dificuldade ainda por causa do teto do Orçamento. Mas estamos buscando alternativas para que o recurso seja ou pago diretamente por instituições parceiras aos pesquisadores, sem usar nosso orçamento, ou através de fundações de amparo a pesquisa dos estados e fundações de apoio das universidades.
São coisas relativamente novas que estamos enfrentando, então temos que ter criatividade para superar essas dificuldades. Com essa questão do coronavírus, conseguimos recursos do FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], junto com o Ministério da Saúde.
Foram 50 milhões, certo?
50 milhões de reais o edital do CNPq, mas o sistema CNPq-Finep ficou na ordem de 120 milhões de reais.
Qual é exatamente a situação financeira do CNPq hoje?
Temos alguma coisa para pagar dos editais de 2018, ainda restam 50 milhões. Esse dinheiro vem do FNDCT, e no mais estamos buscando recursos para os novos editais. Estamos trabalhando com os ministérios da Ciência e da Saúde, tem em andamento já projetos com uma possibilidade de edital na área de terapias gênicas, deve ser um edital bastante interessante.
É possível que haja cortes de bolsas este ano?
Do CNPq não. E olha, essa questão da covid-19 demonstrou que o país precisa investir mais em ciência, mais em pesquisa. Nós estamos preparados no CNPq, já era um trabalho anterior, que agora vamos dar mais ênfase, de comunicar melhor a sociedade e trabalhar mais junto ao Congresso Nacional para aproveitar esse momento em que todo mundo e aqui no Brasil que tenham reconhecimento da ciência como a ferramenta que existe de enfrentar a covid-19. Está muito claro para a população que precisamos investir em cientistas, em educação superior, na geração de novos conhecimentos.
Uma portaria do ministério da Ciência, publicada no Diário Oficial no dia 24 de março, excluiu as ciências humanas das prioridades de projetos de pesquisa no CNPq até 2023. Na prática, o que isso deve representar para a área de humanas?
Para nós não houve isso, porque se você ver uma outra portaria que saiu a seguir, acredito que foi uma maneira de se expressar…quando você fala em área prioritária de energia…o país não tem como atacar todas as áreas, rotas tecnológicas. Não existe mais nenhuma área do conhecimento que sozinha é capaz de fazer desenvolvimento no mundo atual. Esses projetinhos aqui e acolá, isso foi importante no passado.
Mas que tal se a gente aglomerar por solução de problemas? Tem que pensar no desenvolvimento e aplicação de conhecimento. Mas o mundo não vai viver só de tecnologia, o efeito da tecnologia, a relação humana com a tecnologia está se tornando mais importante na medida em que o mundo ganha mais tecnologia. Esse é um campo que também tem que ser explorado.
O senhor pretende priorizar fomento a pesquisas relacionadas à covid-19 neste momento?
Já está priorizada pelo próprio andar das coisas. Vamos lançar mais alguns editais, estamos trabalhando para isso. Há outras coisas em andamento, ontem publicamos um edital de grafeno. Mas a questão central hoje é a saúde.
No ano passado, quando o Ministério da Ciência sofreu um contingenciamento de 42,2% das verbas, o senhor alertou para as consequências disso para a ciência brasileira. De lá para cá, algo mudou na sua visão sobre a condução do orçamento para a ciência?
Olha, ele tem a possibilidade de mudar agora, com essa pandemia. É um evento novo que reforça aqueles que acreditam que a ciência pode fazer mais pela sociedade. Agora, vivemos numa democracia, onde as pessoas pensam diferente, e a pressão que a gente recebe é natural.
Nosso trabalho é pelo entendimento, porque simplesmente pegar uma bandeira e ir pra rua e dizer que falta dinheiro não convence ninguém. Você tem que mostrar que aquele recurso vai trazer benefício para a sociedade, e não só em produto; em aumento de conhecimento, em instrução das pessoas, em talentos.
O senhor foi um dos signatários de uma carta endereçada ao presidente Jair Bolsonaro em 2019, no auge da crise da Amazônia, em defesa dos dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Como o senhor avalia a visão deste governo em relação à ciência como um todo e especificamente no enfrentamento à Covid-19?
Olha, é uma pergunta difícil, porque acabo de chegar aqui. Você tem que levar em consideração que sou da comunidade científica, e lá atrás eu representava o Conselho das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap). O que eu estou representando aqui agora é como parte de um governo. Entendo que o governo, numa democracia, ele tem cabeças pensantes diferentes, é natural isso.
Eu vejo o trabalho para que o CNPq seja reconhecido, para que tenha o protagonismo que sempre teve. No ano passado, o movimento que fizemos na sociedade, tivemos muito êxito. O que aprendemos é que numa democracia é muito importante conversar com o parlamento. A gente não fazia isso na ciência.
Mas ano passado chegou a ter suspensão de 4.500 bolsas.
Mas foi recomposto em seguida. Ele teve ameaça de perder, mas foi totalmente recomposto.
O ex-presidente do CNPq João Luiz de Azevedo era contrário a uma fusão do Conselho com a Capes (diferentemente do que é defendido pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub). Qual sua posição a respeito?
Isso não tem a menor a menor possibilidade, está descartado.
Qual sua argumentação?
Olha a contribuição que o CNPq deu e dá futuramente, o CNPq trabalha com projetos, trabalha com pesquisador. Ninguém faz isso no país e não vai fazer se não for o CNPq. Temos umas cotas de bolsas, mas estão dentro de projetos. Trabalhamos com projetos, Não trabalhamos com capacitação de pessoas, isso é a Capes.
Mesmo tendo se mostrado contrário a posturas do atual governo, o senhor foi nomeado para presidir o CNPq. Que liberdade o senhor terá na sua gestão?
Não tenho nenhum constrangimento e, se houver…sou uma pessoa pelo entendimento, não sou dono da verdade, respeito as opiniões contrárias e tento me posicionar sempre tendo a ciência como norte. Estou aqui para servir a ciência, não para servir uma causa pessoal. Já tive outros convites em outros governos, e nesse governo também para outras posições, e nunca aceitei, porque já tenho uma carreira acadêmica, já fui reitor de universidade federal, já fui secretário de estado de ciência e tecnologia…
Por que desta vez o senhor aceitou o convite?
Porque o CNPq é a minha casa, foi ele que financiou todas as minhas pesquisas praticamente, eu sempre fui bolsista, então a contribuição que posso dar é aqui. Estou vindo pelo CNPq e pela ciência. A hora que não puder mais ajudar vou embora.
Houve quem da comunidade científica tenha ficado surpreso pela sua nomeação, pelo fato de o senhor ser crítico ao próprio governo. E as pessoas se perguntaram até onde o senhor consegue trabalhar nesse contexto.
A gente tenta, né. Como eu não trabalho com ideologia, para mim não é difícil. Depois que fui reitor da universidade eu deixei a porta aberta para outras contribuições. Trabalhei com o governo PSDB, com o governo PT e agora com esse governo. A questão ideológica não me preocupa. Minha arma é o conhecimento e vou até onde eu puder contribuir com o meu país, quando não der mais, não deu.
Fonte: DW