*Por Nilton da Silva Branco
Colegas, em uma sociedade com escassas oportunidades e poucos espaços de debates propositivos, que carreguem muitas ideias e poucos adjetivos, a manutenção do ambiente universitário como um local de livre circulação de ideias, com críticas direcionadas a propostas, se impõe como condição mais que fundamental para a adequada discussão de nossos problemas e das opções para solucioná-los. Mais ainda, nossa formação rigorosa exige que hipóteses sejam minimamente justificadas, para evitarmos falácias, como as que têm aparecido cada vez com mais frequência nos “Tik Tok” das mídias sociais.
Nesse contexto, gostaríamos de comentar o artigo publicado sob o título “A quinta coluna na academia brasileira”. Já o título indica que colegas com ideias diversas das do autor serão considerados traidores da causa educacional, esta mesma (supostamente) fielmente representada pelo autor e pelo grupo de apoio à chapa 2 nas eleições atuais. Infelizmente, esta impressão inicial não se revela equivocada, como argumentarei.
O autor diz que há uma diferença “gigantesca” na carreira profissional de professores antigos e novos. É difícil saber a que se refere essa avaliação, visto que todos temos a mesmíssima carreira. Quando se olha para situações pretéritas, vemos inclusive que nossa carreira é qualitativamente melhor do que a que tínhamos até meados dos anos 2000. Até 2005 (quase metade de minha carreira na UFSC), entrávamos como Adjunto I e, na prática, chegávamos até Adjunto IV (o nível de titular era virtualmente inalcançável) em 6 anos, com um aumento salarial de 9%, aproximadamente. O movimento docente, à época, reivindicava uma carreira maior e uma diferença também maior de salário entre final e início de carreira, o que era visto como um fator de incentivo à progressão. Houve uma mudança qualitativa em 2005 (criação do nível de Associado), com posterior melhora no governo Dilma, quando da introdução da possibilidade real de se chegar ao nível de titular. Portanto, não há qualquer privilégio indevido para quem é hoje professor titular, apenas a progressão na carreira a que todos nós temos direito. Passamos nós também por épocas de vacas muito magras (como, por exemplo, os dois governos FFHH) e a luta sempre foi pela melhoria salarial e de carreira para todos os colegas da categoria.
Também mereceria uma justificativa precisa a afirmação que “a maioria dos docentes no topo da carreira docente hoje, o que inclui uma parcela significativa dos aposentados recentes, não conhece, ou, se conhece, não considera de gravidade a marcada deterioração da carreira acadêmica“. Mais uma vez, é suposto que quem pensa diferente não percebe a realidade da forma “como deveria”. E também avalia que há uma deterioração da carreira acadêmica; pelo que discutimos acima, na verdade nossa carreira é, hoje, a despeito de deficiências, muitíssimo melhor que há 19 anos. Portanto, essa polarização é indevida, desconhece a história de nossa categoria e, mais uma vez, não contribui para propostas que nos unam na procura de melhorar a atual carreira.
Há também no artigo aqui criticado uma pretensa avaliação de qualidade e quantidade do desempenho de seus colegas do Departamento de Física. Aqui deve-se indagar quais foram exatamente os critérios dessa avaliação. Ela leva em conta apenas pesquisa ou também ensino, extensão e administração? Da forma como foi expressa, apenas cria, mais uma vez, polarização entre docentes “novos” e “antigos” no departamento. Além do óbvio fato que nosso desempenho é medido nos pedidos de progressão e essas progressões é que garantem a melhoria salarial “inercial”. Havendo críticas a esse procedimento, podemos e devemos explicitá-las, para o aperfeiçoar. Mas, mais uma vez, o que se vê é a polarização inútil citada acima.
Há ainda várias avaliações enviesadas e não vamos nos deter em todas. Uma chama a atenção: nós, que defendemos a saída da greve no meio de maio de 2024, somos acusados de termos achado o acordo de saída de greve “um sucesso”. Um movimento de enfrentamento, como o de greve, não é necessariamente terminado quando se alcança o sucesso e assim tem sido desde a primeira greve que participei na UFSC, em 1991. A greve deste ano não foi exceção: conseguimos melhorar muito parte da proposta do governo (como, por exemplo, o reajuste de 43% do salário de entrada, muito acima da inflação – passada e estimada – no atual governo Lula), enquanto outras propostas nossas não foram acatadas pelo governo federal. Entretanto, o Andes veio a assinar o mesmíssimo acordo, mais de um mês depois do fim da greve na UFSC, como determinado pela maioria dos professores sindicalizados nessa universidade. Aqueles que sabem do aumento de abandonos de disciplinas e cursos durante greve, do aumento de problemas de aprendizado com semestres quebrados e depois comprimidos, percebe que os possíveis benefícios da extensão de uma greve vêm junto com consequências indesejadas para nosso público mais valioso, os estudantes. No nosso caso, a decisão antidemocrática de alguns colegas, que não acataram o resultado da votação eletrônica realizada pelo sindicato, aumentou os prejuízos dos alunos e não avançou em nada a proposta do governo. O que queremos enfatizar é que a saída de uma greve, ponderando benefícios e prejuízos, é uma decisão complexa e delicada e a análise no artigo que comentamos é superficial e reducionista. Além disso, a vontade da maioria dos colegas sindicalizados, democraticamente expressa por votação eletrônica, em consulta que teve um recorde de participantes, foi totalmente desrespeitada por alguns colegas que participaram desta votação e agora expressam apoio à chapa 2.
Por último, me pergunto se o auto do artigo que critico sabe que a proposta do Andes para a carreira (https://sinasefe.org.br/site/carreira-docente-andes-sn-e-sinasefe-definem-sete-pontos-indissociaveis-para-reestruturacao/, acessado em 08/10/2024) era pior do que a acordada com o governo federal pelo Proifes, em dois aspectos: (i) enquanto a proposta do Andes leva a 24 anos para subir do nível mais baixo ao mais alto, a nossa carreira atual apresenta 19 anos entre esses dois níveis; e (ii) o salário mais alto, pela proposta do Andes, seria 1,80 vezes o salario mais baixo, enquanto atualmente o fator multiplicativo é de 1,91 (e não é maior devido ao reajuste salarial maior no nível de entrada na carreira). Defende nossa categoria quem estende uma greve, com sérios prejuízos de aprendizado aos estudantes, por uma proposta pior?
Assim, o que se vê, no artigo “A quinta coluna na academia brasileira”, é uma polarização estéril, que divide os professores da UFSC e mostra inequivocamente desconhecimento do autor em relação à nossa história e à luta de todos os colegas que já fizeram parte, e ainda fazem, da UFSC. Nossa universidade não começou há menos de 10 anos e a contribuição de todos, com erros e acertos, foi o que nos trouxe até aqui. Mais grave ainda, o artigo aqui criticado não aponta para uma solução de nossos problemas, políticos e de carreira. É isso o que defendem os colegas da chapa 2?
*Nilton da Silva Branco é professor do departamento de Física (CFM/UFSC)