Representantes de quem?

*Por Luís Felipe G. da Graça

Representação é um conceito central em política. Dizemos coisas como: alguém eleito representa seus eleitores ou que uma ideologia representa ideias correntes das pessoas. Até na junção dos conceitos com os números dizemos que a amostra de um survey representa a população para aferirmos a opinião pública. Para quem trabalha empiricamente decantando ideias em medidas, é um péssimo conceito. Brinco com os alunos que é um conceito ônibus, cabem 37 sentados e 67 em pé. Mesmo assim, tem seus limites de aplicação. Uma professora minha da pós-graduação dizia que representar é “fazer presente o ausente”. Não dá para representar algo ou alguém que pode falar por si mesmo. Quando o demos fala via voto, é difícil contradizer ou voltar atrás. 

É considerando esses limites da representação que as eleições atuais do nosso sindicato se apresentam centrais. Há, no nosso regimento, uma provisão que garante consultas online a todos os interessados em votar sobre temas estratégicos da categoria. O todo pode se fazer presente. É uma forma decisória inclusiva e democrática: idosos, pessoas com deficiência, mães e pais que precisam cuidar de suas crianças, dentre outros grupos geralmente excluídos das assembleias presenciais, podem ser ouvidos. 

O conflito sobre essa ideia de representação esteve presente nos embates em torno da greve deste ano. Após duas votações apertadas, uma contra e outra a favor, os professores entraram em greve no dia 07 de maio. Após outra votação, agora sobre aceitar ou não o acordo oferecido pelo governo, ganhou a posição pelo fim da greve a partir de 24 de maio. Nesse momento, o grupo que buscou liderar a greve no “comando de greve” passou a considerar o resultado da consulta não mais como se o demos tivesse falado, mas apenas como uma consulta ilegal. Há argumentos diversos aqui para essa escolha.

Primeiro, há o debate sobre as opções da cédula e a “origem” do abaixo-assinado para a consulta. Acho razoável assumir que se há assinaturas o bastante, não importa se quem assinou era a favor ou contra a greve, mas sim o resultado da consulta. Posições prévias não retiram a cidadania das pessoas. Essa premissa tornaria qualquer consulta iniciada pelos associados como problemática. Sobre o tedioso debate das opções da cédula de votação, se o importante é averiguar a vontade do demos, as opções da cédula devem evitar vieses e facilitar o entendimento. A cédula de votação, nesse sentido, foi perfeita. Não é nas opções que se inscrevem os argumentos. O argumento de que teria sido necessário aprovar a cédula no comando de greve é formalismo estratégico para evitar ouvir a voz dos associados.

Segundo, há o argumento na minha opinião mais autoritário, a reafirmação da ausência para garantir a posição de representante. Para garantir que o demos não possa ser ouvido, o argumento o coloca como entidade que não se pode fazer presente. O grupo que se reunia semanalmente no auditório do EFI passou a se entender como representante da categoria ou mesmo da classe. Como a categoria ou a classe não foi consultada a se expressar a partir de seus indivíduos sem ser pelo seu sindicato, tornou-se o ausente perfeito a ser representado. Não seria preciso consultar as vontades individuais, a classe era formada in loco pela presença dos 300 professores que em uníssono se colocaram acima do resultado da consulta em que mais de 1.500 votaram. Um cético consideraria a fácil concordância entre eles como fruto de uma amostra enviesada, já que apenas quem se posicionava de forma igual frequentava esses encontros e talvez não fosse a posição da soma das vontades de todos professores, mas não há espaço para ceticismo na formação da classe. O furor das assembleias que me atrevi a ir parecia o clima dos encontros verde-amarelos da beira-mar. Todos muito interessados em fazer os outros se libertarem das amarras mesmo contra as suas vontades. Poderíamos chamar de autoritário fazer algo contra a vontade da maioria, mas que mal há em forçar a posição certa garganta abaixo do incrédulos?

Esse entendimento do movimento que disputa o comando do sindicato para mim é divisor de águas e as propostas anunciadas pela chapa 2 me deixam ainda mais preocupado com o futuro do sindicato. Entre a ideia de promover a “formação da categoria docente” e discutir a revisão do estatuto, me pergunto se o objetivo é fazer da experiência da greve o padrão nas tomadas de decisão do sindicato. Eu adoraria discutir sobre como professores ingressantes após 2013, aos quais eu me incluo, são pouco atendidos pelas propostas e ações do sindicato. Porém, o pleito atual está centrado no fato de que um dos pleiteantes sai diretamente de um grupo que escolheu se colocar acima das vontades individuais expressas em uma votação clara. Ou esse grupo considera que não temos direito ao voto fora da assembleia presencial, e por isso buscam reformar o estatuto, ou nos consideram incapazes de pensarmos por nós mesmos fora do que acreditam ser a “vontade” da categoria. Ou os dois. O embate é entre ser ouvido ou tutelado.

*Luís Felipe G. da Graça é Cientista Político e professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC