*Por Fábio Lopes
Nesta semana, chegou a notícia de que a Fapesc havia negado bolsas de pós-doutorado à UFSC. Alguns indícios sugeriam que a medida tinha um caráter ideológico, já que o tema dos projetos preteridos invariavelmente se ligava a minorias.
A instituição tentou reagir. Os diretores de centro, por exemplo, ensaiaram produzir um documento a respeito do caso. A tarefa de escrevê-lo ficou a cargo de um de nós. O fato, contudo, é que, assim como vários colegas, acabei não assinando a tal nota, e a coisa acabou sendo esquecida. É que a minuta encaminhada pela pessoa responsável pelo texto pareceu-nos irremediavelmente inadequada. Para que os leitores tenham uma ideia de seu conteúdo, basta dizer que ela começava citando Auschwitz, Hiroshima e a possibilidade de uma guerra nuclear. A little bit over the top, não concordam?
Também por estes dias, outro professor da universidade fez circular uma carta de apoio a uma da chapas que concorrem à direção da Apufsc. A mensagem falava em “barbárie”, “fascismo”, “crise climática” e outros bichos. Claro: cada coisa que existe sob o sol se conecta a todas as demais, mas haja efeito-borboleta para imaginar que o aquecimento global seja em algum grau afetado pela maneira como dirigentes sindicais atuam neste “pedacinho de terra perdido no mar” em que nos toca viver…
No lado oposto do espectro político, amigos direitistas de um grupo de Whatsapp de que participo estão absolutamente em pânico por causa da interdição ao uso do X. “Gestapo!”, disse trasanteontem um deles sobre Alexandre de Moraes. Qualquer semelhança com o tom exagerado das mensagens à esquerda mencionadas há pouco não são mera coincidência.
Manifestações como essas estão longe de ser exceção. A rigor, elas são apenas a floração mais recente um Zeitgeist que vem tomando de assalto os ambientes que frequentamos, o que infelizmente inclui – e de modo muito saliente – a universidade. Nada mais comum entre nós do que enfiar em qualquer conversa, por mais modesta que ela seja, referências a catástrofes em curso ou por vir.
Vejam bem: não é que a crise mundial das democracias ou Gaza sejam assuntos desimportantes, muito pelo contrário. Mas tudo tem sua hora e lugar. Tópicos assim não devem dominar a cena a ponto de se interpor entre nós e todas as agendas que nos cercam. As pessoas podem eventualmente ter a melhor das intenções quando chamam a atenção para os riscos (reais ou imaginários) que rondam o mundo, mas temo que o que consigam com o cultivo desse hábito de falar o tempo todo dessas coisas seja algo bem diferente do que pretendem. Em vez de fazer a sua parte na gestão do cotidiano, elas se perdem (e nos afogam) em hipérboles que transformam cada mínima pedra no meio do caminho em inimigos imbatíveis, globais, que muito mais nos intimidam do que nos instigam a enfrentá-los. Isso sem falar no fato de que alguns de nós espertamente se escondem atrás dos macroproblemas para justificar a própria inação em face de microproblemas ou até de nanoproblemas. A Reitoria da UFSC, a propósito, tem sido mestra em fazer isso. A crise universitária – que poderia ser minorada com uma série de pequenas ações e discretos gestos de coragem – é inteiramente colocada na conta da falta de orçamento, do neoliberalismo ou de qualquer outro fator grandiloquente que, sem deixar de ser real, só explica da missa a metade.
Considerem, nesse mesmo sentido, a última edição do Fazendo Gênero. O título escolhido para o evento não poderia ser mais expressivo desse nosso arraigado gosto pelas hipérboles e pelo desespero: “Contra o fim do mundo”.
Ora, perguntar, ao contrário do que reza o adágio conhecido, muitas vezes ofende, sim. Mas vou fazer o questionamento mesmo assim: como se luta contra o fim do mundo?
Claro está que uma fórmula dessa natureza tem, antes, um efeito depressor, desalentador. E querem saber? O fim do mundo é muito provavelmente um falso problema. O verdadeiro drama está muito mais bem representado no fato de que o mundo não vai acabar, e que, portanto, teremos que continuar a lidar com os pequenos, médios, grandes e imensos dilemas que a existência humana e as formas de vida e convivência hoje estabelecidas impõem.
O grande mal causado por essa obsessão pelo Apocalipse é que ela apaga completamente a ideia de futuro. Afinal, que sentido faz planejar ações, construir utopias ou procurar saídas quando tudo no planeta está supostamente desmoronando ou quando os bad guys já batem às nossas portas, sedentos de sangue?
Quem mais sofre com esse alarido monótono e amedrontado é a parte mais frágil de nossa sociedade: as crianças.
Tenho a impressão nítida de que, no momento mesmo em que se fala tanto em empatia, a empatia por elas é a que menos sensibiliza a tropa. São elas o nome do futuro, e quando, mercê desse culto ao fim do mundo (disfarçado de luta contra coisas tão abstratas, gerais, impessoais e mal definidas como o fim do mundo), o futuro desaparece das telas, são as crianças que desaparecem das telas.
Jovens – alunos da UFSC, inclusive – são outro alvo violentamente atingido pela mania de falar do Armagedon o tempo todo. Imaginem o que é ter que se preparar para os desafios da vida adulta com tanta gente ao redor anunciando o caos.
A nossa instituição está em frangalhos muito porque, de tanto repetir que isso deve à Causa de todas as causas, as pessoas realmente começam a crer que cada infiltração na parede seja não uma omissão do gestor mas um sinal do fim dos tempos. A nossa instituição deixou de ser vibrante e jovial para nossos alunos – a despeito de sua estupenda força potencial, que reúne nada menos do que 50 mil almas e de sabe-se lá que recursos intelectuais e políticos – porque se enfronha em pesado luto por perdas que, em muitos casos, não aconteceram ainda e, em outros tanto, nem vão acontecer.
Sair desse pessimismo regiamente pago pelo contribuinte – deixar para trás o que, na esteira de José Guilherme Merquior, eu chamaria de niilismo de cátedra – é mais do que uma responsabilidade política ou ética: é um dever pedagógico.