PNE: debate aborda evasão, IA e autonomia financeira para universidades públicas

Terceira rodada de discussão pela Comissão de Educação do Senado debateu diretrizes para os próximos 10 anos

Aumento de matrículas, instrumentos que incentivem a permanência do aluno, qualidade educacional, financiamento sustentável e inteligência artificial. Segundo especialistas que participaram de audiência pública no Senado nesta segunda-feira, dia 9, esses são alguns dos pontos que deveriam ser priorizados no novo Plano Nacional de Educação (PNE) para o biênio 2024-2034, no que tange ao ensino superior e profissionalizante.

Essa foi a terceira da rodada de discussão sobre o tema promovida pela Comissão de Educação (CE), que é presidida pelo senador Flávio Arns (PSB-PR). O novo Plano Nacional de Educação determinará as diretrizes para a educação nos próximos 10 anos.

O projeto de lei que institui o novo PNE (PL 2.614/2024), de autoria do Poder Executivo, está em tramitação na Câmara dos Deputados (após a análise nessa casa, o projeto será examinado no Senado).

O documento contém 10 diretrizes, 18 objetivos, 58 metas e 253 estratégias a serem cumpridos até 2034 nas áreas de educação infantil, alfabetização, ensinos fundamental e médio, educação integral, diversidade e inclusão, educação profissional e tecnológica, educação superior, estrutura e funcionamento da educação básica.

Flávio Arns ressaltou a importância de se discutir o assunto antes mesmo de o texto chegar ao Senado. Para ele, a avaliação e as sugestões dos especialistas vão auxiliar nas possíveis contribuições dos senadores, antecipando o alinhamento com a Câmara dos Deputados e agilizando a tramitação. 

“O que o Senado está fazendo é antecipar esse debate para que isso possa servir de subsídio para o que a Câmara abordar em relação ao projeto de lei. Queremos, inclusive, aproximar as duas Casas, Senado e Câmara, a exemplo do que fizemos com o Fundeb”, disse ao se referir à proposta de emenda à Constituição que tornou permanente o Fundeb e aumentou seu alcance (PEC 26/2020). 

A presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), Elizabeth Guedes, destacou que o texto apresentado pelo governo se diferencia do documento aprovado pela Conferência Nacional de Educação (Conae) de 2024. Segundo ela, entre os pontos que carecem de mais profundidade e especificações estão dispositivos sobre a promoção da qualidade e da equidade no ensino e a falta de responsabilização de atores públicos em caso de não cumprimento das metas.

“Os alunos saem hoje da escola sem saber ler textos simples e sem saber, certamente, a resolução de equações simples. Então são crianças com pouca capacidade oral, com pouca capacidade verbal e baixo raciocínio analítico. E isso é uma combinação mortal para o desemprego a longo prazo. E nós temos de entender sempre, e a gente fala muito e não pratica, que a educação é a única alavanca social e legítima que liberta, que civiliza e que ajuda o país a  se desenvolver.”

Elizabeth Guedes também criticou a falta de estratégias relacionadas à regulamentação da inteligência artificial e à previsão de seu uso na educação. 

“Nós precisamos regular esse uso científico da inteligência artificial na educação. Hoje mesmo há no Senado um projeto para regulamentar o uso da inteligência artificial, mas ele fala da educação de uma maneira ampla, geral, e nós precisamos ver como isso vai se comportar no dia a dia das nossas crianças e jovens. Nós sabemos que o uso da internet, se ao mesmo tempo traz muitas possibilidades de pesquisa e conhecimento, também traz muitos elementos que não são os melhores que a gente possa oferecer aos nossos alunos. E isso não está previsto, não está citado em nenhum momento nesse plano”, declarou.

A presidente da Anup defendeu um PNE que pense a educação alinhada com o mercado e a cultura do trabalho e do empreendedorismo, além de assegurar a responsabilidade dos agentes públicos pelo não cumprimento das metas. 

De acordo com o Censo da Educação Superior 2022, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apenas 24,2% dos jovens de 18 a 24 anos no Brasil têm acesso ao ensino superior. 

Estima-se que o país conte com quase 2.600 instituições de ensino superior, entre públicas e privadas. E que a rede privada possua hoje 7,3 milhões de alunos matriculados — uma participação de cerca de 78% no sistema de educação superior. 

Matrícula e permanência 

Na percepção de Bruno Coimbra, diretor jurídico da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (Abmes), o projeto de lei pode ser uma oportunidade para se pensar instrumentos de incentivo para inserção e permanência do aluno, bem como a conclusão do curso no ensino superior. 

Ele acredita que, por meio da discussão da proposta. seja possível, inclusive, a reformulação de algumas políticas públicas que façam o país avançar nesse sentido, a exemplo de programas como o Financiamento Estudantil (Fies) e o Portal Único de Acesso ao Ensino Superior (Prouni), além de discutir uma regulamentação da reforma tributária que assegure, no mínimo, uma tributação neutra para o setor. 

“Penso eu que também o Plano Nacional de Educação seja um outro ambiente para que a gente possa discutir até as questões de tributação. Não me parece disponível que possam tributar, para que nós possamos mudar a lógica de custeio e sustentabilidade financeira das nossas instituições, e isso possa ter como consequência, exatamente, o não acesso, a não permanência e a não conclusão dos nossos estudantes que eventualmente dependam de um financiamento estudantil ou de um outro formato de financiamento.”

A diretora de Relações Institucionais e Governamentais do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif), Fernanda Figueiredo Torres,defendeu que o PNE vá além dos discursos e possa refletir, na prática, que a educação seja uma prioridade do país.

Essa rede federal possui 670 campi de ensino profissional, científico e tecnológico, mais de 1,5 milhão de matrículas, além do recente anúncio de novas 100 unidades, com proposta de interiorização do ensino profissionalizante.

Fernanda Figueiredo Torres defendeu que o PNE priorize a “consolidação do que já existe”, como o apoio ao transporte e a alimentação dos estudantes.

“Hoje nós temos déficit na parte de transporte e alimentação que nos impede, muitas vezes, de atingir as metas do PNE e nos impede de progredir em algumas funções sociais que nós temos, porque o estudante não consegue chegar até a escola. Ele não consegue chegar às nossas unidades.”  

Durante o debate desta segunda-feira, os especialistas enfatizaram ser necessário construir metas claras no projeto que tratem da educação profissional e técnica, da utilização de novas tecnologias digitais, da reformulação dos cursos profissionais e técnicos e de como as novas ferramentas podem ser utilizadas por esses alunos no mundo do trabalho.

“Talvez colocar um pouco dessa demanda tecnológica e de como hoje a gente vê. Por exemplo: dentro do ramo da tecnologia da informação a gente tem um déficit em formação de mais de 600 mil profissionais. A rede conseguiria dar conta de formar pelo menos metade ou um pouco mais da metade se a gente tivesse currículos integrados a essas práticas, se a gente tivesse um pouco de atualizaçao tecnológica dentro das nossas instituições.”  

Orçamento

Os educadores presentes na audiência destacaram como fator crucial para avançar nas demandas da rede educacional de ensino superior um orçamento compatível com o trabalho a ser desenvolvido. Segundo Fernanda Figueiredo Torres, a rede pública de escolas profissionalizantes precisaria, atualmente, de cerca de R$ 4,7 bilhões para funcionar na sua plenitude. 

“Talvez um olhar diferenciado para essa rede é o que a gente pede também. Que esse orçamento dê conta, que esse orçamento chegue na ponta, para que a gente possa fazer mais.”

Já o reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e representante da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Alfredo Macedo Gomes, salientou que em 2014 o orçamento discricionário das universidades públicas chegou a cerca de R$ 8 bilhões, e que atualmente esse orçamento é de R$ 6,5 bilhões. 

Para Alfredo Macedo Gomes, as universidade sofreram perda consistente de recursos em razão da “negociação política” que há no Congresso Nacional, com a falta de critérios objetivos e claros, quando da definição do Orçamento da União. Além de uma definição mais precisa e sustentável dessa política de investimento, com uma previsão de pelo menos R$ 10 bilhões por ano, ele defendeu a autonomia financeira das instituições.  

“Havendo uma política consistente de financiamento, eleve-se assim o grau de autonomia das universidades para poder executar isso. Nossas universidades têm pouca autonomia do ponto de vista financeiro.”

Evasão e avaliações de docentes

Na visão dos participantes, o novo PNE precisa apontar caminhos claros para garantir a permanência do aluno na graduação. Para eles, somente uma política pública de incentivo e um plano pedagógico que dialogue com a realidade dessa estudante e com o as atualizações do mercado de trabalho podem contribuir com a redução da evasão no ensino superior. 

Para o reitor da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE) e representante da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes),Alfredo Macedo Gomes, um dos instrumentos para segurar a permanência desse estudante é a reestruturação das avaliações das universidades. 

“Nós precisamos avaliar permanentemente e focar, sem sobra de dúvidas, no processo, mas também em resultados para garantir uma política de regulação das nossas ações. O estado, assim como as instituições, têm esse poder, precisa ter um processo de regulação, eu não falo em regulação burocrática aqui, eu falo em regulação em torno dos resultados e do sucesso para que nós possamos melhorar os resultados mais amplos e garantir a permanência de alunos graduados em nossos cursos.” 

Já Elizabeth Guedes considerou que é importante aperfeiçoar os processos avaliativos dos professores da educação superior, como por exemplo, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) das Licenciaturas. Ela saiu em defesa de uma avaliação em caráter censitário e anual, que fixe uma nota mínima, como forma de incentivo e qualificação do corpo docente e consequentemente, dos cursos.

“Existe um tabu de se colocar notas, limites de desempenho dos professores. Os professores precisam sim ser remunerados de forma adicional pelos resultados que eles obtêm em sala de aula. Essa coisa de não querer, de que todos têm que ganhar a mesma coisa. Não tem que ganhar a mesma coisa. Isso é um socialismo burro. Eles têm que ganhar de acordo com a sua produção. O mundo funciona assim. Os professores estão lá, muito vocacionados, muito dedicados, mas eles precisam sobreviver. Eles precisam sim ganhar uma remuneração financeira pelo seu trabalho e aqueles que se destacam devem ganhar mais do que aqueles que não se destacam.”

Mecanismo de revisão

O presidente da Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior (Abruc), Claudio Alcides Jacoski, disse que o PNE pode ser mais explícito nas metas, definições e estratégias, diferenciando ações para cada uma das suas organizações. 

Ele criticou a elaboração de um documento com metas e prazos a longo prazo sem a previsão de um mecanismo de possível revisão. Na opinião dele, esse instrumento revisionista possibilitaria adequações necessárias diante do cumprimento ou não das exigências, bem como atualizações provocadas pela imposição da realidade das redes.

“A gente vê que a sociedade passa por transformações no âmbito da educação, no âmbito social, no âmbito do ambiente produtivo, e isso realmente é desafiador. Quiçá seria importante se trabalhar com um processo de revisão já pré-destacado no próprio PNE, para que se pudesse dar passos mais firmes e adequados em relação ao desenvolvimento da educação, sob pena de nós termos um documento que pode perder o seu foco com o passar dos anos.”

58 metas

O Plano Nacional de Educação em vigor foi aprovado pela Lei 13.005, de 2014, e é composto por 20 metas. De acordo com o texto, o Poder Executivo deveria enviar ao Congresso Nacional uma nova proposta até junho de 2023. Como isso não ocorreu, a senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) apresentou no ano passado um projeto de lei para prorrogar o plano atual até 2025: o PL 5.665/2023. Aprovada pelo Congresso, o projeto resultou na Lei 14.934, de 2024.

Em junho deste ano, o Executivo encaminhou a proposta do novo PNE (PL 2.614/2024). Ela foi elaborada pelo Ministério da Educação a partir das contribuições de um grupo de trabalho composto por representantes da sociedade, do Congresso Nacional, de estados e municípios e de conselhos de educação. O texto também incluiu sugestões da Conferência Nacional de Educação, realizada em janeiro.

Fonte: Agência Senado