A cultura (des)organizacional da UFSC (parte I)

*Por Fábio Lopes da Silva

Ao longo dos meus mais de trinta anos de carreira acadêmica, ocupei vários cargos de coordenação e direção. Para mim – e, a rigor, não só para mim: para minha geração –, isso sempre significou cumprir presencialmente as horas atribuídas nas portarias de nomeação. Ser chefe de setor era estar permanentemente ao lado dos TAEs, dividir com eles as responsabilidades devidas, matar os problemas no peito, meter a mão na massa, pegar junto.

Hoje, no entanto, ao arrepio da Lei e mesmo do bom senso, tudo mudou. A nossa cultura organizacional – ou desorganizacional, como queiram – é bem outra. Para começar, fazer com que algum docente assuma um cargo administrativo é um parto difícil. Quem vê a relutância dos colegas em colocar seus nomes à disposição desses postos imagina que eles estejam prestes a ganhar o Prêmio Nobel com suas pesquisas, o que obviamente não é o caso. De resto, depois que, a muito custo e poder de convencimento, tornam-se chefes de setor, costumam passar a maior parte do tempo em casa, assinando documentos eletronicamente e dialogando com seus subordinados por meios virtuais.

O mundo visto pelos TAEs sob essas chefias não é exatamente um mar de rosas. Essas pessoas quase sempre permanecem sozinhas nas secretarias, de modo que suas jornadas de trabalho se reduzem a longas horas de solidão e desamparo ao longo das quais, na melhor das hipóteses, interagem não com seres humanos mas com máquinas. No fim das contas, acabam sendo os chefes de si mesmos – e contínuos de si mesmos, como diria Nelson Rodrigues.

Há entre esses colegas quem prefira que as coisas permaneçam assim, seja porque, sem fiscalização, podem fazer o horário que quiserem, seja porque têm uma personalidade introspectiva, pouco aberta à sociabilidade. Ocorre que, para a maioria – e aqui incluo até mesmo quem, por causa da pandemia, acha que descobriu gostar de reclusão, quando, na verdade, está enfurnado em uma fobia social pouco saudável –, essas condições são profundamente deletérias. Salvo exceções, somos animais gregários. Precisamos da solidariedade, colaboração, divisão de tarefas, conversa fiada, amizades e mesmo rivalidades que o ambiente de trabalho proporciona. Além do mais, que setor opera adequadamente se uma única pessoa concentra nas mãos todas as funções, todas as informações, todos os procedimentos?

Que setor opera adequadamente se o responsável por ele não pode se ausentar para tirar férias ou se formar sem causar uma hecatombe nas rotinas?

A solução para isso é, por óbvio, um projeto estruturado de integração de secretarias, com chefias constituídas entre os próprios TAEs e submetidas às direções de centro ou equivalentes. Já existem várias experiências exitosas na universidade nesse sentido. Ademais, trata-se de matéria sobre a qual a literatura em administração pública é ampla e bem informada.

É claro que haverá resistências, como em qualquer processo de mudança, assim como é claro que este será um caminho repleto de avanços e recuos, fracassos relativos, sucessos parciais. De uma coisa, contudo, eu tenho certeza: a qualidade desses desafios e eventuais erros será muito diferente daquela que vigora no regime atual de trabalho. Serão desafios e erros humanos, humanizantes, não essa marcha para a desumanização em que o trabalho técnico-administrativo na universidade está metido. Falhar como um ser humano falha é muito melhor do que viver em uma ilha silenciosa e de horizontes restritos cercada de internet por todos os lados.

A PROPG tem planos no sentido de apoiar a integração do trabalho nas coordenadorias de programas de pós. Mas ela é uma exceção na Reitoria, cuja pauta, como já devem ter notado, é não mexer em vespeiros. No que se refere à gestão de pessoas, a aposta dominante na Administração Central vai no sentido contrário à integração. Prova disso foi a Resolução de teletrabalho, posta em ação sem nenhum tipo de contrapartida por parte dos setores que aderem à modalidade. Se os ambientes já estavam dispersos, se a universidade já era um arquipélago, todas essas tendências desagregadoras só fizeram se agravar com a possibilidade de os TAEs passarem boa parte de seu tempo ainda mais distantes do resto da instituição. Uma pauta corporativa de fôlego curto venceu não apenas os interesses da UFSC mas também os interesses dos próprios indivíduos. O troco e o tempo que alguém ganha ficando em casa são dividendos que a solidão, a associabilidade, a melancolia, a frustração e as doenças daí decorrentes tomam de volta, muitas vezes com juros e correção monetária.

Teletrabalho, formação e outros instrumentos à disposição dos trabalhos só funcionam com integração planejada dos setores. Sem isso, o que se consegue com uma mão se esvai com a outra.

Combater o absenteísmo docente fica para um próximo texto. Aguardem.

*Fábio Lopes da Silva é diretor do CCE/UFSC