Armadilhas da democracia sindical na ciberesfera

*Por Armando Lisboa

“Estamos esquecendo como viver coletivamente, nos tornamos indivíduos murados (aderimos aos condomínios murados, e só precisamos de carros privados para nos deslocar entre eles) que não sabem como compartilhar espaços públicos em benefício de todos” (Tony Judt)

Sendo uma universidade multicampi, assembleias sindicais ocorrem com teletransmissão para outras localidades. Como a própria expansão da UFSC, tudo isto é muito recente na Apufsc. Em verdade, estamos todos aprendendo a interagir politicamente com o uso de meios digitais. Talvez devido a esta fase ainda debutante, infelizmente certas formas de participação remota tem gerado mal-estar, além de induzir à normalização do esvaziamento da AG presencial.

Na última AG (em 22/7), por exemplo, um colega de um dos campi sequer ligou a câmara e mostrou seu rosto… Performou então uma fala bastante incitadora com inúmeras provocações, quase tumultuando a AG … Provavelmente, com o link da AG, ele participou de um local qualquer, e talvez completamente isolado fisicamente, sem interagir no mesmo espaço com outros colegas daquele campus.

Esta participação encapsulada se repete a cada AG organizada pela Diretoria (e inclusive nas reuniões do Conselho de Representantes).

Ora, adentrar em uma AG de forma solipsista é deletério, pois subtrai-se elementos centrais que fazem desabrochar e vitalizar nossa capacidade de construir e participar em um projeto coletivo. Como outsiders sem interações reais, não se formam vínculos sólidos e duradouros. Corrói-se o mundo comum onde habitamos. Forja-se um caldo favorável a uma escalada divisionista e fratricida castradora da força sindical, a qual advém da união.

Uma AG é momento de confronto e invenção. Se hoje estamos eletronicamente juntos, mas humanamente separados, algumas singelas medidas podem potencializar um sinérgico estar-com outros.

Podemos nos aprimorar e dar vida a formas de cidadania digital que subvertam o narcisismo tecnológico que nos desafia e enfraquece.

Por exemplo: além do auditório no campus/Trindade, assembleias da Apufsc deveriam ter locais reservados em cada um dos campi. Em cada sala amplas telas para projeção. O link para ingressar reservado apenas ao responsável por estas salas. Para participar, há que se dirigir ao local previsto da AG. Quem usar da palavra e se dirigir aos presentes, deve por todos ser visto.

Ao final daquela AG, conversei com um dos colegas que compunha a mesa dos trabalhos naquela segunda-feira. Apresentei estes argumentos e houve concordância, inclusive sobre as provocações recém vividas. Mas, o procurei para dialogar sobre sua fala, na qual se mostrou irritado com manifestações do plenário da AG durante a intervenção de oradores. Ponderei que não houve nenhuma “vaia”, como ele então se referiu, apenas ruídos e murmúrios. Eles são normais em qualquer grupo humano. São sintomas de higidez do corpo político.

Observei que no Parlamento da Inglaterra, talvez o mais icônico entre todos, e possivelmente o mais antigo da humanidade, ruídos, pancadas nas mesas, risos, são manifestações que acompanham em geral qualquer intervenção que lá ocorra. Ou seja, humanos extravasam seus humores, reagem coletivamente, especialmente em discussões políticas, não são múmias frias e insensíveis.

Algumas opções feitas nesta transição para o novo mundo maquínico nos levam a andar para trás. Protegidas no conforto da telinha, e acostumadas a apenas escutar o eco de suas próprias vozes, desaprendemos a arte da política e da convivência. Idealizamos um fórum esterilizado e sintético, sem cores ou quaisquer tipos de expressões, sem lugar para reações e paixões, para o sal da terra.

A polis digital possui um déficit político: nela predomina o diálogo de eus, enquanto que o político é a prática da agregação humana, da formação do nós. Ficando à deriva e ao sabor discricionário de cada um, o âmbito virtual vira palco para um grotesco vale tudo, tornando-se inóspito e impróprio para a
prática democrática.

*Armando Lisboa é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais do Centro Socioeconômico (CNM/CSE) da UFSC e ex-diretor da Apufsc-Sindical (2006-2010)