Responsabilidade e acolhimento

*Por Lucas Nicolao

É importante entender que a greve docente que aconteceu este ano foi bastante robusta, pois abarcou grande parte das universidades públicas federais. Mas isso não necessariamente se refletiu na adesão em cada universidade, que é bastante heterogênea. Aqui na UFSC, é claro que a categoria está dividida. Em parte, isso se explica pela resistência em adotar a greve como forma de reivindicação, devido à simpatia de colegas com o atual governo e à importante vitória democrática recente. Com todo respeito aos colegas e suas convicções políticas, me parece impossível se privar de críticas ao atual governo por puro contraste com o governo anterior ou pelo receio de fortalecer uma extrema direita. Seria, no mínimo, corroborar a super simplificação da polarização eleitoral, quando existe um largo espectro de posições e implicações.

Muito se fala sobre outras formas de mobilização concomitantes ao trabalho, mas penso que, na prática, ela só é possível através da greve porque nosso trabalho é extenuante. Todo trabalhador tem o direito à greve, e por isso a greve continuada sem amparo do sindicato foi legal e legítima. Temos direito a exercer pressão no governo, nosso patrão, para participarmos da disputa pelo orçamento. E a greve foi continuada em parte como forma de denunciar a diretoria da Apufsc, que desde antes da greve adotou uma postura contrária a ela, gerando cada vez mais insegurança e desconfiança entre os colegas grevistas.

Antes mesmo da greve iniciar, a mobilização docente na UFSC sofreu na forma de invisibilização, à medida em que não foram reconhecidas as demandas por greve e suas pautas. Enquanto alguns colegas estão confortáveis financeiramente, diversos colegas sentem fortemente o arrocho salarial. O orçamento atual é uma sombra do que já foi, e a precariedade da infraestrutura, bolsas e serviços terceirizados é uma realidade da universidade pública brasileira. Há, portanto, um problema endêmico e cumulativo. Embora haja muitos elementos para criticar a gestão atual da UFSC, não é possível reduzir a degradação atual a apenas esse aspecto.

No começo do ano, a única pauta de mobilização docente por parte da diretoria da Apufsc era a infraestrutura, com a intenção de reforçar uma pressão à reitoria. Posteriormente, o “0% de reajuste esse ano é agressão” colado no final das suas falas e artigos sempre foi protocolar. A diretoria deu espaço em notas enviadas por e-mail apenas à sua opinião, sempre contrária à greve. Ela abandonou a categoria no dia 0 da greve ao cancelar, na véspera, a primeira assembleia de greve. É importante ressaltar que entrar em greve é um momento difícil para o trabalhador, que se coloca em uma posição frágil juridicamente e no ambiente de trabalho.

A diretoria trabalhou ativamente contra a greve. O financiamento às atividades de mobilização vinha às vezes depois de dias de insistência por parte do comando local de greve. E, finalmente, atendendo a um abaixo-assinado realizado majoritariamente por não grevistas, a diretoria convocou uma assembleia que foi abandonada por ela antes mesmo de serem discutidos os pontos de pauta. Uma assembleia em que os membros da diretoria eram os únicos a favor do encerramento da greve. Nela, a mesa diretora, composta pelo presidente e vice-presidente do sindicato, assim como o advogado contratado pelo sindicato, se negou a colocar em discussão a proposta do governo (que era a pauta única da assembleia) e a colocar em discussão a cédula. Descumpriram o estatuto, que antes de uma votação online determina que “a primeira etapa será dedicada a debates e construção de propostas”, o que não aconteceu. Frente a isso, a única opção dos grevistas foi disputar a votação. As outras opções, judicializar ou boicotar a votação, implicariam em uma derrota no curto prazo. A diretoria desrespeitou o estatuto seletivamente quando a assembleia discordava dela, e a votação jogou os grevistas em uma posição ainda mais frágil. Notem que uma diretoria que não segue o regimento torna qualquer filiado um potencial prejudicado pela arbitrariedade. Os fins não justificam os meios.

A diretoria não é criticada por sua opinião contra a greve, mas por suas ações contra a greve. Da diretoria não se exige imparcialidade pessoal, e sim institucional e profissional. É sobre responsabilidades que cargos de gestão exigem, ainda mais frente a uma categoria dividida. É importante ressaltar que não se trata apenas de sindicalizados — em muitos centros, a greve aconteceu principalmente entre não-sindicalizados, e com esses colegas grevistas também o sindicato tem responsabilidades legais. Incluir no nosso estatuto a greve e o direito dos não-sindicalizados participarem das decisões acerca dela é uma missão que precisamos urgentemente discutir.

Mas talvez a maior afronta da diretoria, e gostaria de ressaltar aqui principalmente o papel do presidente e vice-presidente, foi localmente se abster do debate sobre as propostas do governo e assinarem, em uma sala fechada, um acordo que enfraqueceu toda a mobilização da categoria nacional docente. Com a exceção da desestruturação da carreira, as melhoras nos reajustes salariais, o (parco) incremento orçamentário e a revogação de medidas que afetam os aposentados foram todas conquistas da greve nacional. Na UFSC, a votação online forçou uma saída da greve antes mesmo da assinatura do acordo, o qual a diretoria não sabia nem mesmo explicar para a categoria. A diretoria teve visível dificuldade de expor publicamente as propostas defendidas pela federação. As notas no site da Apufsc apenas replicavam as maquiagens propagandeadas pelo governo, misturando os valores referentes à desestruturação da carreira ao reajuste, deixando de fora das negociações os aposentados e o orçamento das universidades.

O presidente do nosso sindicato assinou um acordo sem defender publicamente o que havia de bom nele. A maioria das bases do Proifes recusou o acordo com o governo, em votação inclusive. Isso foi ignorado pelo colegiado que compõe a decisão da federação, já que é composto pelas diretorias das bases. O Proifes não demonstrou compromisso com a base, mas com o governo. Por isso a importância da campanha nacional de desfiliação ao Proifes “Não em nosso nome”, da qual também fazemos parte. A diretoria da Apufsc não apenas replica essa falta de compromisso com a base, mas inova com autoritarismo particular aqui na UFSC, usando nossa estrutura sindical para projetos particulares de poder, atacando a autonomia universitária e divulgando notícias falsas sobre a campanha de desfiliação do Proifes.

O que me anima é que, se a diretoria tem sido irresponsável e abandonou parte da categoria, classificando-a como um fantasma assustador e homogêneo, essa parte respondeu com resistência e acolhimento. Somos um coletivo plural e a diversidade é respeitada e enaltecida entre nós. Através do processo do debate, as opiniões amadureciam ao final de cada assembleia de greve, garantindo que o movimento grevista fosse sempre pautado por decisões coletivas.

Por fim, quero dizer que reconheço as diferentes opiniões e nutro respeito por todos meus colegas servidores. Minha crítica é sobretudo à diretoria do nosso sindicato, a quem sempre procurei acolher e estimular sua participação na greve, que, por sua vez, tanto precisava da diretoria. Mas, em um determinado momento, a somatória das ações unilaterais simplesmente acabou com minhas esperanças. Mesmo assim, essas se recuperam ao perceber que o sindicato é de todos nós, filiados e filiadas, e não apenas de uma diretoria. Por isso tenho convicção de que será cada vez mais forte quanto mais participarmos dele. Para isso, venho reforçar a necessidade do diálogo, fortalecendo o debate público e democrático.

*Lucas Nicolao é professor do CFM/UFSC