Além de monitorar o branqueamento dos corais, o Projeto Coral Vivo também organiza uma rede de pesquisadores de todo o país visando ao acompanhamento dos recifes e formas de aumentar a proteção ao ecossistema
A costa brasileira enfrenta um grave problema ambiental que ameaça a biodiversidade marinha e o equilíbrio ecológico do litoral: o branqueamento de corais. Esse fenômeno ocorre devido à elevação da temperatura da superfície do oceano, resultando na expulsão de microalgas que vivem dentro dos corais e são essenciais para sua sobrevivência. A situação já é crítica em estados como Rio Grande do Norte, Pernambuco e Bahia. Em Santa Catarina, embora o cenário seja menos severo, alguns sinais de alteração na coloração dos corais foram observados na Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, onde o Laboratório de Ecologia de Ambientes Recifais (LabAR) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) realiza monitoramento.
A relação entre os corais e as microalgas, chamadas zooxantelas, ocorre de forma simbiótica. Enquanto estas contribuem para a produção de nutrientes para o ecossistema, aqueles fornecem abrigo e proteção. Sem as zooxantelas, os corais perdem sua coloração e exibem o esqueleto calcário aparente sob os tecidos, ficando vulneráveis. Pesquisas recentes indicam que o fenômeno de branqueamento de corais já atingiu níveis alarmantes em várias partes do Brasil em 2024. Em Rio do Fogo (RN), a situação é extrema, com cerca de 80% a 85% de branqueamento. Em Ipojuca (PE), o cenário é ainda mais crítico, com mais de 90% das colônias de corais branqueadas e temperaturas que chegaram a 40°C. Fernando de Noronha (PE) também registrou um alerta de branqueamento severo, com 95% dos corais atingidos na Baía dos Golfinhos. Na Reserva Extrativista Marinha do Corumbau (BA), até 30% das colônias da espécie Mussismilia harttii apresentaram o problema.
Esses levantamentos foram realizados pelo Projeto Coral Vivo, uma iniciativa que, além de monitorar o branqueamento dos corais, também organiza uma rede de pesquisadores de todo o país visando ao acompanhamento dos recifes e formas de aumentar a proteção ao ecossistema. Ao todo, estão sendo monitorados 20 pontos estratégicos ao longo da costa brasileira, em uma área que se estende desde o Ceará até Santa Catarina, o ponto mais ao sul do país com ocorrência de corais zooxantelados formadores de recifes.
No estado, a professora Bárbara Segal, do Departamento de Ecologia e Zoologia e coordenadora do LabAR, é a líder do monitoramento na Reserva Biológica Marinha do Arvoredo, localizada entre os municípios de Florianópolis e Bombinhas. Há cerca de cinco anos, o laboratório realiza a atividade em parceria com a equipe do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) responsável pela gestão da Reserva, que abriga as Ilhas do Arvoredo, Galé, Deserta, Calhau de São Pedro e uma grande área marinha que circunda esse arquipélago.
Em abril, após uma forte onda de calor marinho, as equipes do laboratório e da Unidade de Conservação estiveram em campo, na Ilha Galé, e verificam somente pequenos sinais de alteração de cor nas colônias da única espécie de coral zooxantelado na região, a Madracis decactis. Constatou-se que os corais no litoral catarinense ainda não apresentam branqueamento e, aparentemente, as colônias monitoradas se mantêm saudáveis. “Havia apenas pequenas manchas em uma ou duas colônias, que são indicativos de perda parcial das células simbiontes, provavelmente relacionada a estresse térmico recente”, avaliou a professora Bárbara. A próxima etapa é uma análise comparativa de uma série temporal de imagens desses mesmos locais.
Além das ações do Projeto Coral Vivo, o Brasil conta com áreas marinhas protegidas, que limitam atividades humanas prejudiciais e promovem a recuperação natural dos recifes. Outras iniciativas de pesquisadores e organizações não governamentais (ONGs) têm também buscado aplicar o monitoramento e a ciência cidadã como forma de pesquisar e monitorar os recifes, gerando a disseminação do conhecimento para a população, por meio de iniciativas como o Programa Reef Check Brasil, o Projeto De Olho nos Corais e o Projeto PELD Ilhas Oceânicas.
Causas e consequências
As principais causas do branqueamento de corais no Brasil e no mundo estão diretamente associadas ao impacto das atividades humanas no meio ambiente, especialmente a queima excessiva de combustíveis fósseis, o desmatamento e as queimadas. Esses fatores aumentam a concentração de gases do efeito estufa (CO2) na atmosfera, resultando no aquecimento global, que acarreta em uma elevação anormal da temperatura das águas dos oceanos e ocasiona outras alterações prejudiciais, como a acidificação desse meio.
O fenômeno pode levar à morte dos corais afetados, que estão entre os principais estruturadores dos ambientes recifais. Os recifes servem de habitat para milhares de espécies de peixes, invertebrados e outros organismos marinhos. A morte desses corais, então, provoca a redução da biodiversidade local, além de impactos nos serviços ecossistêmicos.
De acordo com Bianca Espindula Jahn, aluna do curso de Ciências Biológicas da UFSC, as consequências incluem a redução da pesca, do turismo e da proteção da costa contra eventos extremos, uma vez que os recifes de corais formam barreiras rígidas que protegem estas regiões de tempestades e erosões, evitando custos elevados com reparos ou outras medidas preventivas.
A perda dos corais afeta ainda a produção de alguns medicamentos e suplementos, que são desenvolvidos a partir de compostos químicos de organismos recifais, apresentando grande valor econômico para a indústria farmacêutica. Além disso, cerca de 10% de toda a proteína animal consumida no mundo vem dos ambientes coralíneos, o que ressalta a importância direta para a alimentação e para a atividade da pesca. Em algumas localidades, o turismo também está inteiramente atrelado à presença dos recifes de coral, sendo uma fonte significativa de renda para essas regiões.
Perspectivas
A perspectiva para os recifes de corais na costa brasileira depende de uma ação rápida e eficaz para mitigar essas alterações e proteger esses ecossistemas únicos. Conforme explica a professora Bárbara Segal, pesquisadores chegaram a considerar que o Atlântico Sul poderia servir como um refúgio para os corais contra as mudanças climáticas, quando comparado com outros recifes do mundo que já apresentaram extensos eventos de branqueamento em décadas passadas. No entanto, as avaliações recentes apontam que o país também está sendo afetado por ondas fortes de calor marinho.
“Embora algumas espécies possam migrar para áreas mais ao sul, menos quentes, para que tenham sucesso nessas áreas, condições mínimas de estabelecimento e sobrevivência devem existir. Não se sabe ao certo se as águas mais ao sul propiciarão fatores abióticos compatíveis com o crescimento dessas formações, ou mesmo se a velocidade das mudanças em curso irá permitir a adaptação dos organismos nessas novas áreas. Assim, muitos estudos ainda são necessários para compreender as mudanças em curso e prever cenários futuros”, ressalta a docente.
Exemplos de sucesso em outras partes do mundo, como o Coral Nurture Program, na Grande Barreira de Corais, na Austrália, oferecem esperança. A iniciativa envolve o cultivo de corais resistentes ao estresse térmico em viveiros subaquáticos e o transplante para recifes degradados posteriormente. Outro exemplo é o Coral IVF, que realiza a coleta de esperma e óvulos de corais durante o evento de desova em massa, fertiliza-os em laboratório e cultiva as larvas resultantes antes de transplantá-las de volta aos recifes.
As pesquisadoras, entretanto, afirmam que no Brasil os corais são menos elegíveis para esses métodos, pois as colônias não são ramificadas e sim massivas, apresentando um crescimento lento – o que dificulta a reprodução vegetativa através da fragmentação, como é feito em outros países. Desse modo, medidas como a diminuição das emissões de CO2, por meio do uso de transportes sustentáveis e do consumo consciente de alimentos e vestimentas, são formas de aumentar a resiliência dos recifes frente às mudanças globais. Além disso, é necessário apoiar e participar de iniciativas de conservação, como projetos de ciência cidadã, e a escolha de representantes que se pautem na ciência para proposição de leis e lutem pela proteção do oceano, sugerem as pesquisadoras.
Para mais informações, acesse @labar.ufsc e @projetocoralvivo
Fonte: Notícias UFSC