*Por Carlos Alberto Marques
Em um texto cabe tudo, até dizer que a terra é plana. O bom deles é que podemos revisitar as provas do passado remoto e recente, inclusive sobre o que alguns chamam de traição política – tanto da parte daqueles antes traídos (no caso, os defensores da Andes), quanto daqueles que na ocasião da traição foram beneficiados (os reformistas do estatuto e da Apufsc autônoma). O vai-e-vem de posições de lideranças políticas pode ser visto como uma espécie de “biruta de aeroporto”, traços de personalidade, fragilidade política ou mesmo um modo de exprimir autocríticas. Mas, no caso em tela, o que importa são os argumentos, mais do que as razões.
Meu texto “Os especialistas em destruir sindicato(s)” não foi sobre as virtudes ou defeitos do Proifes-Federação. Sobre esse tema, em mensagem pessoal, “desafiei” o Prof. Armando Lisboa para um debate presencial e público. Sem resposta, preferiu ficar em sua bolha, com monólogos sobre virtudes da Andes e da greve, e maldizendo a diretoria da Apufsc e o Proifes. Só agora resolveu comentar meu texto e reforçar sua cruzada pela desfiliação nacional.
Um dos seus repetidos argumentos é de que o peleguismo está no DNA do Proifes. Conheço muito bem o nascedouro do Proifes, até porque frequentei os fóruns nacionais da Andes e de suas greves, desde o primeiro mês como docente na UFSC, em 1998. Mas tal acusação não passa de um reducionismo panfletário, a-histórico e vulgar sobre o que venha ser uma forma de atuar, no chamado sindicalismo pragmático e de resultados.
Descontextualizar as ações são próprias de práticas oportunistas, que pecam por falta de argumentos ou por interesses espúrios. Poderia eu, de modo similar, desconsiderar a importância histórica da Andes no processo de redemocratização do país ou o próprio papel do Prof. Armando na ruptura com as nefastas práticas sindicais da Andes aqui na UFSC? Como não descontextualizo, faço questão de registrar. Há anos a Andes (seus dirigentes e lideranças locais, pois entidades são impessoais) vem praticando um sindicalismo marcadamente ideológico, de viés autoritário e apartado dos movimentos sociais. Via de regra menosprezam as consequências de suas ações e decisões para com a sociedade, à ciência e aos estudantes – em especial os oriundos das cotas.
Hoje há dois modelos organizativos no sindicalismo docente nas universidades públicas: a de um sindicato único (Andes) e suas constelações denominadas seções sindicais (ADs). E, de outro, admita ou não a Andes, tem o modelo Federativo do Proifes, formado por sindicatos independentes, a exemplo da Apufsc Sindical – cuja independência, aliás, foi alcançada com a ajuda do Prof. Lisboa (Em defesa da Apufsc). No que tenho buscado enfatizar há algum tempo é sobre a relação entre forma (estrutura e métodos) e conteúdo nesses dois tipos de organização sindical, o que exige citar alguns exemplos.
Em um dos seus artigos, procurando detratar a Federação, o referido professor foi investigar sobre os sindicatos que a compõem, usando dados de suas páginas, muitas delas desatualizadas. Disso concluiu que o “Proifes é uma farsa sindical”. De fato, existem alguns sindicatos que são muito pequenos. Situação que é corresponde às várias seções sindicais do Andes (das suas 53 seções sindicais, 57% estão em 5 estados), que foram desdobradas das maiores por conta de novos campi universitários, via o Programa Reuni. Programa esse que a Andes foi contrária! E, graças ao Reuni, ocorreu a expansão universitária mais recente, através do qual foram contratados centenas de professores/as, alguns dos quais em desconhecendo a história do sindicalismo, aderem aos eloquentes discursos sem conteúdo nas lutas reivindicatórias.
Mas retornemos ao essencial, as alegadas práticas sindicais do suposto peleguismo. Vejam bem, atuar para obter resultados “tangíveis”, como os de melhores salários e carreira, junto a governo que propõe negociar e apresenta proposta, isto está muito longe de se vender ao patrão. Quando um sindicato faz (contra)proposta, discute com a categoria que representa e decide ouvindo sua base, isso está longe de se vender ao patrão.
Uma das divergências de fundo nesse processo de mobilização (com ou sem greve) foi trazer em consideração a conjuntura política e econômica do país, bem como sobre a força e a vontade política desse governo (não de outro!) em resolver nossas demandas. Considerar tais aspetos limitantes é atitude pelega? Desconsiderar isso no debate político é sim ato irresponsável dos dirigentes sindicais. Como também é ato irresponsável defender a suspensão do semestre como arma política para impor, por via institucional, uma greve com baixa adesão. E não falo apenas da UFSC, mas pelo que foi defendido pela Andes em reunião com a Andifes. São alguns exemplos do quanto esse tipo de sindicalismo docente precisa ser reformado.
Eu defendo o fim da unicidade sindical e que seja a categoria a definir o que prefere. Enquanto isso, não tenho dúvidas de que o modelo federativo é a melhor forma de organização. Nela os sindicatos autônomos se reúnem por livre vontade, assim como adotam ou não as decisões coletivas da federação por as entenderem (suas bases) que sejam as melhores. Do contrário, vincular-se novamente a uma estrutura centralizada e centralizadora de um sindicato único (Andes), nós aqui na Apufsc já temos a negativa experiência, superada, repito, pela força de bons argumentos sob a liderança do Prof. Armando (Andes intimida os docentes da UFSC). Como por ele afirmado em 2010, “O que motivou os professores a fazerem isso, foi a avaliação de que a Andes não atende mais as reivindicações e não representa a categoria. Em seus congressos, a Andes aprova moções contra a copa do mundo no Brasil e o fim do imperialismo, esquecendo os interesses da classe docente”. E, respondendo a uma outra pergunta, afirmou: “Várias associações de docentes estão se constituindo em sindicatos soberanos. [Como o senhor avalia esse processo?] Avalio como um processo histórico inevitável, assim como a queda do muro de Berlim. A Andes se tornou uma estrutura precária e as ADs tendem a reconstruir a sua organização nacional agora de forma federativa com mais autonomia das instâncias de base e focado em interesses concretos” (Presidente da Apufsc comenta a desfiliação).
A luz desses exemplos, se pergunta: o que mudou nas práticas sindicais na Andes-SN? Minha resposta é: nada, absolutamente nada. Se algo se alterou foi para pior. Tomemos ainda como exemplo o que aqui foi praticado, aberta ou veladamente, por meio de um sindicato paralelo à Apufsc e que se atualiza nas atitudes das lideranças andesinas que não aceitam perder votações e induzem parte minoritária da categoria a se expor na greve sem amparo legal. Nessa toada, lembramos que a Andes proíbe as consultas eletrônicas, preferindo o assembleismo presencial, feito à medida para militantes e votações esvaziadas. As AGs presencias de greve da Andes não reuniram mais do que 10 mil docentes em todas suas bases (em um universo de 46,5 mil)1, com menos de 6.500 votantes rejeitando a proposta do governo e favoráveis à permanência em greve. Para contrastar, apenas na Apufsc, por meio do voto online (como previsto no Estatuto, construído pelo Prof. Armando) foram 1.502 votantes.
Nossa mobilização não conseguiu reverter todas as perdas salariais dos últimos oito anos, tampouco fez com que o orçamento das universidades retomasse o patamar de dez anos atrás. Mas, considerando as dificuldades política e econômica, obtivemos ganhos nada desprezíveis, por meio da assinatura do acordo do Proifes. De outra parte, a grave nacional promovida pela Andes se autoderrotou, por conta de seus próprios defeitos, ao ter uma pauta econômica inexequível, errar nas questões de carreira, concentrar-se no extermínio do Proifes e se fundamentar nas suas já conhecidas intransigências ideológicas.
Nesses últimos dias, Andes e Sinasefe apelaram para tudo que é santo, detrataram até as pedras e, enganosamente, listaram ganhos como seus, a exemplo do aumento dos benefícios e o PAC-universidades. No final, com a greve derretendo, não restou outra coisa que assinarem tardiamente o acordo com o governo. Se renderam ao peleguismo!? Mais uma vez quem perde é esse tipo de sindicalismo equivocado e decadente, promotor de greves desnecessárias e com fins ideológicos.
Para aqueles/as que valorizam os sindicatos, a janela de oportunidades que se abre é a de uma ampla reforma sindical, feita com diálogos respeitosos, sem mesquinharias e disputa por aparelhos. Nesses diálogos, é preciso se questionar: para além das demandas corporativas, que universidade o sindicalismo está, com sua prática, construindo?
*Carlos Alberto Marques é professor do CED/UFSC, ex-presidente da Apufsc-Sindical e diretor do Proifes-Federação
- Somos cerca de 208.000 docentes, entre universidades (132.000) e institutos federais (76.000). A Andes conta com cerca de 65.000 filiados, que inclui os ‘setores’ federal, estadual (as paulistas e outras), municipal e distrital. No ‘Setor das Federais’ (docentes de universidades e institutos), a Andes tem (cerca de) 46.500 docentes filiados (dados de 2023, quando da última eleição, onde foi divulgado o número de eleitores de cada ‘SS ou ADs’). Assim, quanto à representação sindical, o PROIFES tem cerca de 17,5 mil filiados em seus sindicatos de base e a Andes 46,5 mil filiados. Para decretar a greve a Andes, no conjunto de suas AGs, ouviu pouco menos de 10 mil professores e o PROIFES, cerca de 7 mil. Todas essas informações estão disponíveis em cerca de 90% das bases de cada um). Logo, o universo de docentes consultados no PROIFES foi 41,2% e na Andes, 58,8%. ↩︎