Pesquisador da UFSC planta 4300 árvores nativas na Amazônia

O principal objetivo do estudo é restaurar áreas devastadas pelas queimadas

Os sucessivos incêndios florestais na Amazônia e a dificuldade das árvores de se recuperarem a partir do impacto que as queimadas causam nos ecossistemas levaram o pesquisador Bernardo Flores, pós-doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a plantar milhares de árvores em meio às planícies aluviais, periodicamente invadidas por inundações, na Amazônia.

O experimento foi iniciado na região de Barcelos, cidade histórica a cerca de 400 quilômetros de Manaus, no Amazonas, e com o plantio tendo iniciado em janeiro de 2014. O trabalho nos igapós do Rio Negro, principal afluente do Rio Amazonas, foi documentado em parceria com a professora Milena Holmgren, da Universidade de Wageningen, da Holanda, em 2021, no Journal of Ecology, e demonstra a complexidade de se recuperar um ambiente degradado e a importância da restauração dessas áreas.

Plantio ocorreu em região inundada. Bernardo (chapeu azul) contou com o apoio de moradores da região. Fotos: Acervo pessoal

A recuperação das florestas após o impacto das queimadas é uma das preocupações de cientistas e ambientalistas, inclusive por conta da sua relação direta com o aquecimento da Terra e com desastres ambientais que atingem territórios como o Sul do Brasil, como as recentes inundações no Rio Grande do Sul. O experimento de Bernardo contou com diferentes etapas, desde a coleta das sementes até a análise das espécies que haviam crescido com sucesso.

Sua ideia era verificar o que dificultaria a recuperação florestal depois de uma queimada ou de sucessivas queimadas. “As florestas de igapó na Amazônia são desmatadas para roça e extração de madeira. Os incêndios destroem áreas enormes e a recuperação é muito lenta ou sequer ocorre, o que faz com que o ecossistema seja aprisionado em um estado não florestal. Áreas remotas podem a virar savanas nativas, como observamos em um outro estudo na mesma região”, explica.

Esses incêndios se agravam ainda mais no contexto dos extremos climáticos. O El Niño, fenômeno que intensifica as chuvas e inundações em regiões como Santa Catarina e Rio Grande do Sul, também é o responsável pela maior incidência e impacto das queimadas na Amazônia. “Os incêndios ocorrem em anos de El Niño médios e fortes, causando secas severas no Norte da Amazônia. Quanto mais eventos extremos e El Niños acontecerem, mais incêndios acontecem e mais se perde cobertura florestal nesses ecossistemas”.

O interesse pelas árvores e pela floresta não ocorreu à toa. Biólogo marinho, Bernardo quis estudar a floresta em busca de um olhar sistêmico. “As árvores são a estrutura que forma um ecossistema inteiro. No caso dos ecossistemas marinhos, um elemento que estrutura é a coluna d`água, no caso da Amazônia, as árvores moldam a formação dos ecossistemas”, explica. “A sensação de estar no meio desses organismos gigantes é muito estimulante para pensar em ciência.”

Ao mesmo tempo, são elas, também, responsáveis por fazerem o ecossistema suportar diferentes condições climáticas. “Onde tem fogo elas se fecham e protegem do fogo. Onde é frio, elas se fecham e suportam o frio. Onde é seco elas evitam a perda da umidade”, exemplifica.

Fora da Floresta Amazônica, a importância das árvores também tem exemplos significativos. Na região Sul, a Araucária é um exemplo de como uma única espécie pode servir de base para uma série de funções e atividades. É o que a ecologia chama de keystone species – traduzindo: a pedra central de um arco que sustenta todo o peso de uma estrutura. “Além disso, elas são fundamentais pois servem de base para toda a cadeia trófica: elas produzem a energia que vai sustentar o ecossistema”, lembra.

Igapós

A floresta que Bernardo plantou no meio dos igapós amazônicos contou com a seleção de cerca de 10 espécies nativas da região, que depois se transformaram em seis, pela disponibilidade das sementes. Essas sementes precisaram de um cuidado especial antes de se tornarem mudas e dali virarem árvores: como ocorrem em áreas inundadas, elas ficam submersas por vários meses ao longo do ano. Foi um pescador da comunidade local e grande conhecedor dessas florestas quem as coletou, separou e disponibilizou para que a pesquisa ocorresse.

“O rio fica alto e as raízes das árvores estão embaixo d`água, só as copas ficam acima. Os frutos boiam, dispersos na correnteza e transportados por peixes, macacos, aves. É uma cena muito bonita, pois as águas ficam cheias de pétalas de flores e frutos”, comenta. A operação para o plantio também contou com uma força tarefa para fazer as mudas, com a ajuda de quatro moradores locais e da Secretaria de Agricultura de Barcelos, que cedeu espaço no viveiro.

Recuperação das florestas após incêndios é um desafio. Foto: Acervo pessoal

Com o auxílio de um barco gigantesco, Bernardo transportou as mudas e sementes para duas áreas usadas no experimento, em um plantio que durou 40 dias, com o auxílio dos ajudantes. Mesmo a restauração florestal não sendo o foco inicial, que era entender quais fatores limitam a recuperação natural das florestas, a pesquisa acabou ganhando essa dimensão. Tanto que o pesquisador acredita que, voltando à área, será capaz de identificar a floresta que plantou e que já tinha árvores em 2015, em uma de suas últimas passagens pelo local.

Plantar árvores é solução?

Apesar de as árvores desempenharem múltiplos papéis no ecossistema, inclusive a função de equilibrar a temperatura da Terra capturando o carbono que aumenta o calor e gera uma série de desequilíbrios, plantá-las não deve ser considerada uma solução simplista para a questão ambiental.

Isso porque, segundo o pesquisador, existem ecossistemas, como campos e até áreas de savana inundada, como as que ocorrem no Pantanal, que não são próprias à formação de florestas. “A ideia de plantar árvores é muito importante para restaurar florestas, mas precisamos ter cuidado com discursos genéricos, pois há ecossistemas naturais que não são florestas. Plantar florestas nesses ecossistemas é destrutivo”, explica.

Comunidade local fez parte do processo, com apoio na coleta de sementes e no plantio. Foto: Acervo pessoal

Além disso, ele também adverte que é preciso saber onde e qual árvore se está plantando, para evitar a dispersão de espécies invasoras que também podem comprometer ecossistemas.

No experimento dele, as sementes nativas de algumas espécies funcionaram bem. “Naquela região de queimada, depois do segundo fogo, a única forma de voltar a ser floresta é através da restauração, mas são necessários projetos enormes de restauração, com semeadura direta”, diz.

A perda florestal, lembra o pesquisador, ainda é maior do que sua recuperação, o que faz com que seja muito mais eficiente evitar que o fogo se espalhe do que esperar os resultados do replantio. “50 ou 60% das árvores cresceram. Quando voltei ao local, elas já eram árvores pequenas. Quando o igapó queima uma vez ela se recupera, mas quando queima duas vezes ele não se recupera mais, por conta da falta de chegada de sementes”, explica.

As evidências da pesquisa indicam que o as limitações do solo podem retardar a recuperação após as queimadas e também apontam que a limitação de sementes pode ser a razão pela qual a recuperação florestal falha, reduzindo a cobertura florestal. O estudo também indicou que iniciativas de restauração baseadas na semeadura de espécies de árvores nativas podem ajudar a acelerar a recuperação de florestas degradadas. “O interessante é plantar espécies nativas, no lugar certo, em lugares que são originalmente florestas. Nestes casos, há benefícios para a humanidade e sociedades locais”.

Fonte: Notícias UFSC