Quando nem Pôncio Pilatos pode lavar as mãos

*Por Fábio Lopes da Silva

O Bloco D do CCE tem sete andares e é muito bem equipado. Suas instalações incluem
laboratórios e salas especialmente preparadas para atividades dos cursos de Cinema, Libras e
Artes Cênicas. Nele, além disso, estão alocados vários setores administrativos do Centro e
dezenas de gabinetes de professores. Centenas de pessoas – entre TAEs, docentes, discentes e
funcionários terceirizados – circulam diariamente por suas dependências.

Há mais de dois anos, o edifício padece em função de desabastecimentos recorrentes
de água. E há mais de dois anos, este Diretor procura solução para o problema. Boa parte de
meu périplo em busca de uma saída para o drama do Bloco D está relatada em artigos
publicados neste espaço.

No momento, não há água nas torneiras dos banheiros e copas, o que significa que
lavar as mãos – ato considerado sagrado durante a pandemia – é atualmente impossível a
quem frequenta o prédio. Pelo mesmo motivo, a limpeza das salas e corredores está
enormemente dificultada. As funcionárias terceirizadas – a quem eu costumo chamar de casta
dos intocáveis – têm que encher seus baldes em outros lugares da UFSC.

A presente falta de água já dura quarenta dias. O chamado à PU foi feito há mais de
um mês, sem que os serviços de reparo tenham sido providenciados.

Alguém pode imaginar que isso se deva a algum defeito estrutural gravíssimo, que
exige vultosos aportes de recursos e obras complexas. Ledo engano. A solução para a seca no
Bloco D é trivial e baratíssima. Duas intervenções extremamente simples zeram o jogo. Explico.

Por alguma razão metafísica que caberia ao setor de fiscalização de obras da UFSC
explicar, a casa de máquinas do prédio foi construída no subsolo. Quando chove ou há
movimento de marés, o nível do lençol d’água se eleva, e o recinto alaga. Com isso, a pobre
bomba que distribui a água pelos encanamentos do edifício morre afogada.

Uma primeira providência óbvia seria erguer a bomba por meio de uma estrutura de
tijolos, a fim de evitar que o equipamento seja danificado até pelos mais discretos
alagamentos da casa de máquinas. A medida também serviria para adiar o momento em que a
bomba é atingida pelas águas no caso de alagamentos mais severos, o que proporcionaria à
prefeitura tempo para agir.

Se se combina essa primeira intervenção com a instalação em caráter permanente de
uma bomba-sapo – que drena a água de ambientes alagados –, o problema estará resolvido.
Ocorre que estamos na UFSC, e o simples e o banal aqui se transformam em novela
sem fim.

Só a primeira medida – a elevação da bomba de distribuição da água – foi
implementada, e assim mesmo a muito custo. Pasmem: três reuniões com o reitor foram
necessárias para convencê-lo a fazer a obra. Alegava-se de tudo: falta de cimento, falta de
serventes de pedreiro, etc. Pior: mesmo depois que consegui sensibilizar o reitor para a absoluta necessidade do serviço, muita água passou por debaixo da ponte – e muita água
faltou ao Bloco D – até que a intenção de levantar a sonhada pilha de tijolos de um metro e
meio de altura virasse realidade. No fim das contas, construíram uma estrutura de madeira,
mas tudo bem.

Já a bomba de drenagem foi prometida pela prefeitura há cerca de um ano, na
presença não apenas deste humilde servo que vos escreve mas de todos os diretores de
centro, uma vez que vários prédios da UFSC, principalmente os do CCB, sofrem do mesmo
problema. Conhecendo os prazos da PU e da PROAD – setores responsáveis pela compra –, me
dispus a adquirir o produto com recursos do CCE e por meio de ações empreendidas pelo
corpo técnico que trabalha sob a minha chefia. O prefeito universitário insistiu que cabia a ele
o procedimento.

Jacaré comprou a bomba? Nem ele. E cá estamos a esperar que o precioso líquido
insípido, incolor e inodoro jorre das torneiras. Como não sou Pôncio Pilatos – até porque lavar
as mãos no Bloco D é hoje um desafio intransponível –, decidi fazer uma vaquinha entre
professores e TAEs para comprar o equipamento. Em tempo: ele custa não 50 mil reais ou
mesmo 5 mil reais, mas meros 500 reais.

Conto essa história toda para tirar dela uma moral. Parte dos docentes e TAEs está
paralisada. Uma das pautas é a recomposição do orçamento federal da universidade, pleito
justo e mais do que necessário por razões conhecidas de todos.

O problema é que a Reitoria se aproveita da ignorância das pessoas a respeito da
Administração Pública e seus abismos para criar a ilusão de que boa parte dos problemas da
UFSC – que decorrem de pura incompetência da atual gestão da universidade – segue sem
solução por falta de caixa.

O Bloco D está longe de ser exceção. Há muita coisa que não é feita não porque
recursos sejam escassos mas porque os setores internos responsáveis não se mexem, e seus
superiores não os cobram suficientemente por essa lentidão ou inação. Isso sem falar no fato
de que a alocação do dinheiro disponível ocorre sem que os critérios para tanto estejam
claros. Tome-se, por exemplo, a obra de manutenção da cobertura do Prédio da Reitoria, feita
à vista de todos, em plena Praça da Cidadania. Ela consome rios de dinheiro que poderiam e, a
meu juízo, deveriam estar sendo empregados em prédios destinados a atividades-fim.

Enquanto os donos do poder se protegem de goteiras e infiltrações, continua a chover dentro
de um incontável número de salas de aula.

O mesmo se pode dizer de gastos com viagens nacionais e internacionais de membros
da Administração Central. Valeria a pena que a Reitoria publicasse quanto se consumiu nessa
rubrica e que resultados práticos essas viagens obtiveram. É claro que alguns desses traslados
são essenciais. Mas certamente haverá muitos deslocamentos que, em um período de crise
como o que experimentamos, poderiam ser adiados ou substituídos por atividades remotas.

Um exame mais cuidadoso das contas da universidade provavelmente revelará uma
infinidade de aportes pouco meditados ou abertamente equivocados. La nave va.

Seja como for, retorno à mensagem central deste artigo. A UFSC está hoje submetida a
uma impressionante paralisia e desorganização de setores cruciais para o seu funcionamento
adequado. Eu não tenho dúvidas de que, se São Lula destinasse uma suplementação
orçamentária de, digamos, 200 milhões para nós neste ano, quase todo esse recurso teria que
ser devolvido em dezembro (ou, alternativamente, seria muito mal gasto), já que a PROAD não
providencia muitos dos contratos e licitações necessários para usar o montante e, por outro
lado, órgãos responsáveis pela execução dos serviços – como a prefeitura universitária –
movem-se a passos de cágado.

A Reitoria anterior deixou muito a desejar. Mas a atual, a despeito de suas promessas
de que viveríamos the days of wine and roses, piorou sensivelmente as coisas. Estamos em um
caos de planejamento, provimento de contratos/compras e execução de tarefas.
Quem esperava que a esquerda no poder na UFSC faria jorrar leite e mel das torneiras
tem que se haver com o fato de que frequentemente nem água sai delas. O único cano que
funciona sem chance de erro é aquele do dito popular, pelo qual a gente infalivelmente entra
quando os gestores faltam às suas responsabilidades.

*Fábio Lopes da Silva é diretor do CCE da UFSC