O respeito às regras do jogo

*Por Adriano Duarte

Afinal, para que serve um estatuto? Grosso modo, ele regula a vida de uma organização, seja ela qual for, estabelecendo os direitos e obrigações dos seus membros, não somente para os momentos de paz mas, sobretudo, para os momentos de tensão, com o objetivo de instituir um canal legal pelo qual o conflito emerja sem destruir a própria organização.

Pois bem, o estatuto da Apufsc-Sindical estabelece que com um pedido assinado por 5% dos seus filiados solicitando uma assembleia, a direção se vê obrigada a atender a solicitação. Aconteceu duas vezes no último mês. Na primeira vez, a pedido veio de um grupo de professores que desejava levar a categoria à greve; na segunda vez, o pedido veio de um grupo de professores que desejava que os docentes fossem consultados sobre o fim da greve. Lembrando que nossas assembleias, nesse tipo de demanda, são sempre compostas de duas etapas: a primeira de discussão, e a segunda de votação eletrônica. É assim porque nosso estatuto estabelece que é assim.

Diante de tais solicitações, a direção do sindicato tem um prazo de vinte e quatro horas para responder e encaminhar a solicitação. O segundo abaixo-assinado chegou às mãos da direção do sindicato, na tarde do dia 16/5. Na noite o mesmo dia 16, uma quinta-feira, a direção do sindicato compareceu a uma reunião do comando local de greve e solicitou que a assembleia agendada pelo comando, para a terça-feira, dia 20/5, pautasse essa solicitação, propondo uma cédula para a votação eletrônica que contemplasse a reivindicação dos associados expressa no abaixo-assinado, ou seja: uma votação sobre a continuidade ou o fim da greve.

O comando local de greve nos respondeu que qualquer decisão, durante a greve, deveria ser tomada exclusivamente em assembleia presencial. Ponderemos que o estatuto da Apufsc-Sindical nos obrigava a responder ao abaixo-assinado com assembleia presencial, mas também com votação eletrônica, sob pena de agirmos na ilegalidade do nosso estatuto. Explicamos os prazos e que para cumpri-los essa assembleia deveria acontecer na manhã de terça-feira. Argumentamos também que era inadmissível supor que uma assembleia com 200 pessoas fosse mais democrática que uma votação em urna eletrônica com participação de 1.200, como havia sido, aliás, a votação anterior. O comando local não aceitou as ponderações da direção do sindicato. Por isso, tivemos duas assembleias, uma no dia 21/05, convocada pelo comando local de greve e outra em 22/05, convocada pelo abaixo-assinando de mais de duzentos professores. No livro O futuro da democracia, Norberto Bobbio define a democracia, primeiramente, como um conjunto de regras e procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a participação mais ampla possível dos interessados.

Para assegurar a maior participação possível e para evitar que erremos nos encaminhamentos em relação a um estatuto que todos reconhecem como complexo e cheio de minúcias, o departamento jurídico da Apufsc-Sindical sempre está presente em nossas assembleias. O advogado ajuda e orienta juridicamente a assembleia.

Por fim, no dia 22/5, ocorreu a assembleia estatutária. Antes do seu início, um professor entusiasta da greve nos informou: “ficaremos aqui até as 18hs, se for preciso, para não permitir que essa votação eletrônica ocorra.” O clima de tensão estava posto e a mesa não conseguiu contorná-lo. As questões de ordem foram se sucedendo, vaias e apupos que culminaram quando se pediu um esclarecimento ao advogado e parte do plenário, numa atitude desrespeitosa, se levantou, virou-se de costas e impediu que o mesmo esclarecesse o ponto. Nesse momento ficou claro que essa assembleia não pretendia debater, nem tampouco, deliberar sobre a cédula da votação eletrônica, razão da sua convocação.

Assim, pedimos que a proposição de cédula que atendia ao pedido que recebemos por meio do abaixo assinado fosse posta na tela com o seguinte texto: “diante da última mesa de negociação com o governo, você é a favor de aceitar a proposta e encerrar a greve, ou é contra aceitar a proposta e continuar em greve.” Por tudo isso, mas sobretudo pela impossibilidade de um debate cordial e minimamente propositivo, nos retiramos da assembleia, que prosseguiu sem a presença da direção do sindicato.

No final do dia, recebemos a ata da assembleia depois da retirada da mesa que a dirigia. A “cédula” proposta era a prova mais cabal de que não se pretendia atender ao solicitado no abaixo-assinado: votar pela continuação ou não da greve.

A cédula proposta pelo comitê local de greve e enviada, em ata, para a diretoria da Apufsc-Sindical seria:

“considerando que o governo na mesa de negociação do dia 15 de maio só trata de reajuste e aprofunda a desestruturação da carreira e é pior que a proposta anterior; considerando que a assembleia permanente de greve do docentes da UFSC do dia 20 de maio a rejeito por unanimidade; considerando eu não indicação de recomposição das IFES para garantir a melhoria das estrutura física e das condições de trabalho; considerando que não atende nenhuma pauta dos aposentados e ainda piora suas condições salariais e de vida. 1) você é a favor que o proifes-federação reivindique na mesa de negociação com o governo o índice de reajuste de 7,06% em 2024, a recomposição orçamentária das IFS e atendimento de pautas dos aposentados (reenquadramento e apoio à PEC 555-2026 que preconiza o fim do desconto previdenciário) que motivam a greve dos docentes ( ) sim ( ) não ( ) branco”.

Como se vê, não se trata propriamente de uma cédula, mas de uma tese, que não responde à demanda do abaixo-assinado recebido pela Apufsc-Sindical, no qual se pedia simplesmente: uma votação eletrônica pela continuidade ou pelo fim da greve. Com o resultado da votação eletrônica, a greve dos professores está encerrada. Mas sabemos aonde nos levam aqueles que tendo participado do processo eleitoral, dando a ele toda legitimidade, resolvem não acatar o resultado da urna. Começou com Aécio Neves em 2016 e terminou no 8 de janeiro 2023. Ao que parece, o filósofo tinha razão: a história ensina, mas não tem alunos.

*Adriano Duarte é professor de história contemporânea ma UFSC e vice-presidente da Apufsc-Sindical