*Por Fábio Lopes
Razões para a greve existem aos montes, embora nem todas – especialmente as mais importantes estejam necessariamente bem compreendidas seja por quem apoia o movimento, seja por quem o rejeita. A questão é que é preciso mais do que uma lista de motivos justos para que uma greve se sustente. E é aí que a porca torce o rabo.
Podem-se dizer cobras e lagartos da Diretoria da Apufsc. Podem-se invocar as tradições do movimento (as mesmas que, até trasanteontem, grevistas e não grevistas abandonáramos à própria sorte por anos a fio “no fundo do armário, na posta restante”, como na canção famosa). Pode-se brandir o sinete da moralidade e as Sagradas Escrituras. Resta, no entanto, o fato inexorável de que, a par da discussão jurídica ou ética, a votação aconteceu e revelou que a continuação da greve na UFSC é reprovada por pelo menos 770 docentes.
A rigor, nem mesmo era preciso plebiscito para constatar que a adesão à paralisação é minoritária na nossa instituição. Basta caminhar pelo campus: no CTC e no CCS, os dois maiores centros da universidade, a vida é normal (sem falar que, em muitos outros centros, inclusive em partes do CCE, um grande número de professores só parou porque os discentes – menos por motivos políticos do que para colocar fim à confusão decorrente de que algumas aulas estavam acontecendo ao passo que outras não – aderiram à greve estudantil). Essa verdade não pode ser elidida.
O movimento, diga-se de passagem, teve a oportunidade de encaminhar ele mesmo a votação, o que, a meu juízo, lhe daria muito mais chances de vencer o plebiscito. Mas, no que me parece um primeiro erro importante de sua parte, preferiu rejeitar (quase por unanimidade) a proposta (feita pelo Prof. Nildo Ouriques, do alto de sua imensa experiência política), entregando de bandeja a hegemonia do processo à Diretoria da Apufsc. Ato contínuo, em um segundo erro estratégico, aceitou participar maciçamente da votação organizada pela Diretoria. Questionar a posteriori a legitimidade de um pleito em que se tomou parte e do qual se saiu derrotado enfraquece demais o argumento – tanto mais quando bem sabemos que se esfregaria o resultado no nariz da Diretoria e seus apoiadores caso o sim à continuação à greve tivesse feito maioria.
Insistamos, contudo, no fundamental: o que se pretende fazer com a enorme massa de docentes contrária à continuação da greve? Fingir que ela não existe? Eu entendo o entusiasmo de quem vive apaixonadamente esta greve, a frustração desses colegas, a raiva e a indignação que sentem. Eu sei o que é ser incompreendido quando se tem certeza de que se está nas fileiras do bom combate. Estou na política há muito tempo, e nela muito mais perdi do que ganhei. Sei o quanto dói e cansa nadar contra maré (para citar um exemplo recente: cercado pelo silêncio atordoante da quase totalidade da UFSC, passei os últimos dois anos em cima de um banquinho denunciando praticamente sozinho na cena pública o estado deplorável de nossas instalações e a responsabilidade direta da atual reitoria sobre isso). Mas também sei que a política não é movida só pelo voluntarismo e o sentido de justeza. Há uma universidade dividida a administrar. Precisamos construir consensos para lutas vindouras, que podem ser – e é quase certo que serão – muito mais duras do que o enfrentamento presente. Os próprios grevistas precisam entender melhor a natureza da crise universitária, da qual o rebaixamento dos salários e o desfinanciamento são só um epifenômeno.
A política não se esgota em uma greve, uma votação, uma batalha. Ela é uma corrida de longa distância, um projeto de vida. Eu tenho 57 anos e tenho certeza de que a minha tarefa mal começou – imaginem a da maioria dos professores da UFSC, ainda na “flor de seus pecados”, para repetir o pai de Hamlet.
Os entusiastas da greve queriam que a universidade fosse outra, com todo mundo abraçando as convicções que agora professam? Pois é. Mas a universidade real é esta que está aí. E se ela está na pindaíba em que está, é também porque as pessoas com ela envolvidas são, ao menos por ora, bem piores do que gostaríamos. De resto, os grevistas deveriam considerar também a possibilidade de que eles mesmos não tenham tanta clareza assim do que se passa no coração da crise universitária. Valeria considerar inclusive a possibilidade de que, entre os que hoje eles julgam traidores ou equivocados, haja quem tenha algo a ensinar a todos nós.
Esta batalha acabou. Os grevistas perderam. Mas a vida e a universidade continuam.